Texto Catarina Domingues | Fotos Gonçalo Lobo Pinheiro
Sábado, hora de almoço. Homens e mulheres caminham sem pressa pela Rua do Campo, roupas leves, Inverno quase primaveril. Zoe pára por momentos à frente do edifício da Administração Pública e está a olhar para o telemóvel quando é cercada por um grupo de jovens, que começa a dançar e a cantar ao som de uma guitarra. Zoe baixa o telefone, sorri, encolhe ligeiramente os ombros, aparente sinal de desconforto, ainda sem perceber o que se passa.
O projecto “Flash Mob – Phubber Drama” integrou este ano a programação do Festival Fringe da Cidade de Macau, com o objectivo de alertar as pessoas para o uso excessivo do telemóvel e outros electrónicos. “Hoje estamos muito ligados a estes aparelhos, em vez de comunicarmos cara a cara”, diz Cherrie Leong, autora do projecto, que, além da Rua do Campo, passou também pela Avenida do Coronel Mesquita, no norte da cidade.
“Sempre que me encontro com a minha família ou amigos, as pessoas passam o tempo ao telefone. Tenho amigos que se queixam do mesmo, que já não se fala, que se vive preocupado com o número de ‘gostos’ ou de seguidores nas redes sociais”, nota ainda a autora no final do espectáculo. Encostado ao peito, Leong carrega um cartaz onde se pode ler #turnoffthephone (desliga o telemóvel) e #我在看你你在看手機 (eu estou a olhar para ti e tu estás a olhar para o telemóvel). “De facto, perde-se muita coisa”, responde Zoe.
À MACAU, Cherrie Leong explica que o nome do espectáculo foi buscar inspiração ao termo inglês “phubber”, que combina as palavras “phone” (telefone) e “snubber” (“snub” quer dizer ignorar ou humilhar). “Estamos a falar de pessoas que andam de cabeça baixa a mexer permanentemente no telemóvel”, explica.
De acordo com a campanha mundial “Stop Phubbing”, o “phubber” é aquele que ignora outra pessoa numa ocasião social, ao olhar para o telemóvel em vez de prestar atenção a essa mesma pessoa. “Imagine os casais do futuro sentados em silêncio. Relações baseadas em actualizações de estados. A habilidade de falar ou comunicar cara a cara a ser completamente erradicada. Algo tem de ser feito”, pode ler-se na página eletrônica stopphubbing.com.
Uma votação proposta por esta plataforma revela, porém, pouca disponibilidade dos inquiridos para largar os telefones – 72 por cento responderam ser a favor do phubbing e 28 por cento são contra. “Já não sentimos as pessoas”, lamenta Leong, adivinhando que a tendência futura “é para estarmos cada vez mais online”.
Da música coral ao pop
O “Flash Mob – Phubber Drama” foi a primeira experiência de Cherrie Leong no Festival Fringe. Licenciada em Gestão de Turismo Internacional pela Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau, a jovem de 30 anos tem trabalhado em diferentes áreas, desde o turismo à organização de eventos, passando pela educação e pela música. No concurso de beleza “Miss Chinese Talent International”, em 2018, venceu o título de “mais popular”.
Leong assume, porém, a ambição de fazer carreira na indústria musical. “A música é a minha forma de expressão sempre que me faltam as palavras”, vinca.
Conta a artista à MACAU que o contacto com a música coral começou ainda na escola primária, estendendo-se até aos dias de hoje. Leong canta no coro da Escola de Música do Conservatório de Macau. “Mas eu tanto canto música clássica no grupo coral, como música popular cantonense em eventos”, sublinha Leong, que tem sido convidada para actuar em diferentes ocasiões, como no espectáculo “Light up The Dreams”, em Hong Kong, ou durante a Feira do Carmo no período do Ano Novo.
Determinante nesta vontade de seguir uma carreira ligada à música, está a relação que se estabelece com o público. Aliás, Cherrie Leong realça que foi numa tentativa de explorar novas formas de interacção com os espectadores que surgiu a ideia do “Flash Mob – Phubber Drama”. “Às vezes vamos a um sítio ver um espectáculo e fica-se confinado ao palco. No caso deste projecto, pensei de imediato trazer isto para a rua para ter outro tipo de interacção.”
Inspirar outras pessoas
“O meu sonho é ser uma mulher inspiradora, apoiar as pessoas a encontrarem o seu caminho”, diz ainda a jovem, revelando que foi esta vontade de ajudar o próximo que a levou também a juntar-se a um grupo de amigas para fundar, em 2017, a Associação para o Desenvolvimento da Mulher Nova de Macau, uma organização sem fins lucrativos que nasceu com o propósito de dar voz à nova geração de mulheres.
“Às vezes são mulheres que trabalham, que se casam e talvez os seus sonhos passem para segundo plano. É aí que incide o nosso trabalho, ajudar nessa promoção”, defende Leong, acrescentando que “os bons salários no sector do turismo em Macau” são também um factor que “leva a que as pessoas se esqueçam daquilo que realmente sonhavam fazer”.
Entre as actividades organizadas, a associação realizou no ano passado a “Yet to Know – Exposição de Arte Contemporânea da Nova Mulher de Macau”, que reuniu mais de 50 obras de oito artistas locais femininas, como é o caso de Cecilia Ho, Sanchia Lau e Livia Lei. “É um espaço que oferecemos às mulheres para prosseguirem os seus sonhos”, diz ainda Cherrie Leong sobre a associação.