Texto José Luís Sales Marques
Foshan é uma cidade de nível de prefeitura na província de Guangdong, localizada apenas a 16 quilómetros a sudoeste de Cantão, a capital provincial e o centro regional de poder da Área da Grande Baía, estando as duas cidades fortemente integradas.
Com uma área de 3797,72 quilómetros quadrados onde habitam 7,66 milhões de cidadãos (dados de 2017) e com um Produto Interno Bruto (PIB) de 993,6 mil milhões de yuans (cerca de 146 mil milhões de dólares norte-americanos) em 2018, a prefeitura de Foshan é a terceira maior economia da província de Guangdong e quarta da Área da Grande Baía. Em 2017, registou-se um PIB per-capita de 128 mil yuans (cerca de 18,7 dólares norte-americanos) e 4,36 milhões de pessoas estavam empregadas levando assim a uma taxa de desemprego de apenas 2,4 por cento.
Foshan é uma cidade de fortes tradições mercantis, um polo cultural de grande relevância no sul da China e possui uma forte economia industrial em busca de modernização.
Geografia, população e administração
Foshan, que é também muito conhecida em cantonense por Fatsan, está localizada na margem oeste do Rio das Pérolas sendo vizinha de Zhongshan, a sudeste; a Zhaoqing, a oeste e; a Jiangmen, a sul. O acesso de Foshan à grande estrada fluvial, o Rio das Pérolas, é garantido através dos canais Dongping e do Rio Liuxi, seu tributário. A oeste, Foshan é banhada pelo Rio Xijiang ou Rio Oeste, navegável em todo o seu percurso de cerca de 2000 quilómetros e que vai de Wushan, na região autónoma de Guangxi, até à proximidade de Macau onde desagua.
Foshan está ligada a Cantão por uma viagem de 20 minutos num comboio de alta velocidade e a uma hora de Shenzhen e Zhuhai pelo mesmo meio de transporte.
A linha de metro intercidades Cantão-Foshan é das mais concorridas de todas da região cujo plano de integração das duas cidades fazem desse eixo o segmento com mais volume de circulação de pessoas em toda a área da Grande Baía. A prefeitura está dividida em cinco distritos, nomeadamente Chancheng, Nanhai, Sanshui, Gaoming e Shunde. O distrito de Chancheng é o centro cultural de Foshan. Tem 154,09 quilómetros quadrados de área e uma população de 1,1 milhão de habitantes, situando-se a apenas seis quilómetros de distância de Cantão e do aeroporto de Foshan. É aqui que se concentram espaços emblemáticos como o famoso Templo Ancestral, hoje museu municipal, os Jardins Liang, o Memorial dedicado a Huang Feihong (Wong Fei Hong) – herói lendário e mestre de Kung Fu –, os fornos antigos de Nanfeng e berço da cerâmica de Shiwan, cujas peças únicas e de grande valor estão guardadas no Museu de Arte de Macau.
O distrito de Nanhai cobre uma área com cerca de 1075 quilómetros quadrados e é casa de 2,6 milhões de pessoas. É uma cidade plana atravessada pelos rios Xijiang, a oeste, e Beijiang, a este, cujos arrozais e viveiros de peixe não passam despercebidos. A montanha Xiqiao, residência do reformista e ideólogo do movimento Reforma de Cem Dias, Kang Youwei e dos estúdios de cinema e base de produção do canal de televisão chinês CCTV são algumas das paragens aconselhadas para um roteiro turístico-cultural à região.
Por seu turno, o distrito de Sanshui é conhecido como sendo o centro de chineses ultramarinos, com uma população de 640 mil habitantes e uma área de 828 quilómetros quadrados. Já distrito de Gaoming fica na parte ocidental da prefeitura e é dotado com uma área de 938 quilómetros quadrados, rica em produção agrícola e industrial, com uma população de cerca de 440 mil habitantes enquanto que o distrito de Shunde (Sontak em cantonense), um dos mais prósperos da região, inclui a famosa cidade homónima e cobre uma área de 806 quilómetros quadrados e uma população superior a 2,61 milhões de pessoas. A sua beleza é ampliada pela existência de milhares de viveiros de peixe, quais espelhos de água, pontuando a paisagem. É conhecida pela sua gastronomia e por ser uma referência para a emigração chinesa de onde partiram cerca de três milhões de chineses.
É também um polo industrial de electrodomésticos, mobílias e tecidos de seda fabricados por métodos tradicionais.
“A montanha de Buda”
Foshan significa “Montanha de Buda”, designação atribuída durante a Dinastia Tang (618-907) a uma pequena colina localizada no centro da cidade onde foram descobertas, no ano de 628, três estátuas de Buda.
A cidade cresceu a partir de 15 aldeias localizadas nas imediações de um mosteiro destruído durante a Dinastia Ming (1368-1644). O Templo Ancestral de Foshan, de culto taoista, passou a ser o fulcro da malha urbana tecida durante o século XVI. A cidade foi um dos quatro grandes centros mercantis e industriais das Dinastias Ming e Qing, o que fez com que nunca tivesse sido muralhada e chegou a estar ao nível de outras cidades chinesas como Hankou, em Hubei, Zhuxian, em Henan, e Jingde, em Jiangxi.
Foshan então conhecida pela produção de artesanato, especificamente na manufactura de seda e bordados, cerâmica e utensílios de metal, tornando-se a grande capital da metalurgia na época Ming. Face à crescente concorrência regional sofreu algum revés mantendo-se, porém, com grande importância na produção de artesanato religioso e de festas populares, incluindo panchões e fogo de artifício, lanternas, pivetes e estatuária.
As peças de cerâmica de Shiwan, produzida nos fornos antigos de Nanfeng, povoam os lares de milhões de Chineses e estrangeiros, atraídos pela sua beleza e por preços geralmente módicos, como objectos decorativos, de culto, loiça ou, ainda, como obras de arte.
A riqueza da cultura regional e local, sobretudo nas vertentes gastronómica, artes marciais e de indústrias tradicionais, fez com que Foshan prosperasse no sector turístico a partir do final dos anos setenta. A paisagem com os seus montes e vales sulcados por canais, o jardim de Qinghui – um dos mais formosos da China –, a variedade e riqueza do património material e imaterial contribuíram para o sucesso de Foshan.
Artes marciais
Foshan é um dos centros nevrálgicos da cultura Lingnan e mundialmente famosa por estar associada a duas formas de artes marciais da China popularizadas no mundo inteiro através da televisão e do cinema: a Hung Ga (洪家) ou Hung Kuen(洪拳) e a Wing Chun (詠春).
Hung Ga, praticada pelo Mestre Huang Fei-Hong (Wong Fei Hung, em cantonense), foi passada pela primeira vez para o grande ecrã a partir de 1949 e continua a deliciar cinéfilos de todo o mundo com as suas histórias de bravura, honestidade e justiça. Cerca de cem filmes foram baseados neste personagem além de séries televisivas e livros.
Esta mítica figura preenchia as matinés de cinema e soirées televisas da juventude de Macau, nos tempos em que os recursos económicos eram escassos e o acesso à televisão era limitado aos programas a preto e branco transmitidos pelo canal de televisão de Hong Kong. Naqueles tempos, o personagem principal, interpretado pelo actor Kwan Tak-Hing, de Hong Kong, era também popular entre os jovens macaenses. O artista e criador de Macau, António Conceição Júnior, criou uma banda desenhada em Português com o título “Wong Fei Hong, O Vento de Santung”, editada em 1977, em Portugal pela Edibanda e posteriormente em Macau, pela ARSCives, em 2010.
Já a técnica Wing Chun, ficou conhecida por Ip Man que teve como discípulo Bruce Lee. Por influência deste último, e pela sequência de quatro filmes sobre Ip Man, a Wing Chun passou a ocupar um lugar central na divulgação mundial das artes marciais da China meridional.
As maravilhas de Shiwan
O Museu de Arte de Macau (MAM) possui uma colecção de cerâmica de Shiwan, espólio constituído por Manuel Silva Mendes, ensaísta, filósofo, advogado, professor e coleccionador de arte, que teria sido em vida o maior especialista ocidental sobre cerâmica de Shiwan. Silva Mendes foi o primeiro a conhecer, pesquisar e encomendar peças aos grandes mestres ceramistas de Foshan para a sua colecção privada. Primeiro elas eram moldadas em escala pequena e depois então produzidas em tamanho superior a meio metro e dotadas de rara beleza e qualidade de execução.
Margarida Saraiva, curadora de uma mostra das peças organizada pelo MAM referiu à MACAU em Outubro passado que “uma das características fundamentais desta cerâmica é a riqueza e qualidade cromática dos seus vidrados, sendo o branco, o vermelho sangue de boi e o azul os mais frequentes”.
Se a cerâmica, ou faiança, como lhe chama Silva Mendes, que acabámos de descrever representa os píncaros dessa escola, existe muita outra cerâmica de Shiwan a adornar os diversos templos de Macau, sobretudo o templo de Kun Iam. São peixes, figuras humanas e representações de objectos diversos, cuja função decorativa é parte importante e integrante da arquitectura de Lingnan, a cultura regional de uma parte do Sul da China, que se estende a Cantão e a Guangxi. As próprias telhas em azul vidrado de que se revestem os telhados dos templos desta região também provêm da mesma localidade. Bem como milhões de figuras de Lo-Hon, figuras femininas, estatuetas de Mao Zedong e outras espalhadas pelos quatro cantos do mundo.
Foshan é também berço da ópera Cantonense, da dança do leão e dos barcos dragão – tradições tão vivas em Macau – e que lhe permitem obter o estatuto de Cidade Histórica e Cultural Nacional.
Cidade mercantil
Graças à sua localização e aos seus recursos naturais, Foshan foi durante décadas umas das quatro cidades mercantis de maior importância na China e tinha fama de leal e justa, título que adquiriu durante a Dinastia Ming pela forma como os seus habitantes a defenderam dos ataques do rebelde camponês Huang Xiaoyang, em 1449.
Todavia, essas características por si não garantiram uma vida fácil à sua população. Com processo de reforma e abertura da economia chinesa iniciada em 1978, Foshan acabou finalmente por beneficiar de novas condições propícias ao desenvolvimento de uma economia de mercado. A pequena distância de Cantão fez disparar sinergias e rapidamente passou a ser uma referência para o processamento manufactureiro e a produção de peças, entrando para a cadeia global de valor de fabricantes originais de equipamento para exportação e como centro para a produção de bens servindo o mercado interno.
Diversas empresas de capital estrangeiro tiraram partido da abundância de mão-de-obra atraídas para a região e jurisdições como as de Nanhai e Shunde. Só na prefeitura, à mudança do milénio, existiam mais de cinco mil empresas com capital externo.
O PIB de Foshan cresceu 300 mil milhões de yuans em sete anos. Em 2017, o PIB de Foshan era o 16.º maior no ranking das cidades chinesas e o terceiro maior da província de Cantão. No mesmo ano, o comércio externo registou valores referentes à importação de 17,8 mil milhões de dólares norte-americanos e de exportação de 46,5 mil milhões de dólares, com um elevado saldo comercial, à semelhança de outras economias da Grande Baía.
A estrutura económica é dominada pela indústria, com 59,2 por cento do PIB, seguida do sector de serviços com o peso relativo de 39,1 por cento daquele indicador.
Foshan seguiu a estratégia de manter a indústria como motor do crescimento, durante o 12.º Plano Quinquenal (2011-2015), dando prioridade à manufactura inteligente, valorização do tecido industrial, criação de maior valor acrescentado e incremento competitivo dos cluster industriais de maior sucesso (electrodomésticos, materiais de construção em cerâmica, produtos de metal, automóveis e a produção de equipamento industrial).
Com a introdução do 13.º Plano Quinquenal (2016-2010) e perspectivando as vantagens introduzidas pelo plano da Área da Grande Baía, a estratégia de Foshan passou a ter também como referência o desenvolvimento baseado na inovação, a procura de indústrias de maior valor acrescentado e as oportunidades criadas pela iniciativa Faixa e Rota. Simultaneamente, os responsáveis locais passaram a advogar o salto qualitativo de “Criado em Foshan” como motor de crescimento, em vez da até então estratégia de “Fabricado em Foshan”. Para tornar esse desígnio uma realidade, a prefeitura, que já possui duas universidades (a Universidade de Foshan e o campus da South China Normal University) vai introduzir incentivos à fixação de talentos na região.