Texto Raquel Dias
Com uma área de exposição superior a 3000 metros quadrados, os países de língua portuguesa receberam, pela primeira vez no âmbito da Feira Internacional de Macau (MIF, na sigla inglesa), um evento independente que atraiu milhares de visitantes e é visto como uma excelente montra para empresários de Macau e do Interior do País. Mais de 200 empresas do universo dos países de língua portuguesa participaram na primeira edição da Exposição de Produtos e Serviços dos Países de Língua Portuguesa (PLPEX).
A maior parte veio à procura de “saltar” a fronteira e singrar na China. Outras empresas estão mais preocupadas em conhecer parceiros locais e atrair investimento. Todos sentem que Macau ajuda na aproximação ao mercado chinês e que é um primeiro passo essencial para uma expansão internacional.
Rui Moreira, gestor da Casa Angola, empresa focada na área das exportações, tem participado na MIF desde 2004, altura em que passou a incluir Macau no plano estratégico de internacionalização. Hoje exporta para a região em média três contentores por mês. “A MIF funciona como um teste aos produtos. Se houver boa aceitação aqui, fazemos a tentativa nos supermercados. Caso contrário, nem precisamos de os pôr à venda. Também nos permite perceber o estado dos nossos produtos e ver se tem havido quebra e se os importadores sentem falta de algo em especial”, explica. Para já, e por acreditar que o mercado do Interior do País é altamente competitivo, o empresário quer continuar a apostar em Macau antes de implementar alguma estratégia na China.
A empresa brasileira Mosmann Alimentos optou por apostar, ao mesmo tempo, tanto em Macau como na China, procurando, através da sua participação na PLPEX, potenciais parceiros de negócios. Esta foi a segunda visita de Samuel Mosmann à MIF e o empresário brasileiro aponta que, mais uma vez, a viagem compensou, já que a RAEM é um bom tubo de ensaio daquilo que é a generalidade do mercado chinês. “É um mercado mais pequeno e torna-se mais fácil experimentar a aceitação de um produto aqui.”
Já Sozinho Boane, da Agência para a Promoção de Investimento e Exportações de Moçambique, assume que Macau não é determinante para que os negócios entre Maputo e Pequim se concretizem. Ainda assim, ressalva que ambas as vias são úteis e garante que a participação em iniciativas locais, como a MIF, traz muitos negócios. “Ao estarmos aqui, fazemos contactos com muitos empresários, e depois podemos vê-los a ir para Moçambique, assim como vemos empresários do nosso país cada vez mais a incluir Macau e China nos seus planos de internacionalização.” É por sentir que há retorno que Boane marca presença na principal feira comercial de Macau desde 2001. “Estamos mais preocupados em atrair investimento do que vender. Produzimos pouco e ainda temos uma série de riquezas adormecidas. Se conseguirmos investimento, podemos potenciar a produção do país”, vinca.
Pensar a longo prazo
Para Raquel Costa, da empresa portuguesa Branco Carvalho Neto Quality Foods, Macau cumpre desde logo o papel de plataforma pela rede de contactos que ajuda a criar. “A China é enorme e Macau permite-nos a perceber se estamos a bater à porta certa.” Os vinhos, conservas, compotas, mel e água são alguns dos produtos que a empresa já tem no mercado no Interior do País, sobretudo nas zonas de Xangai e Jiangmen.
O aumento das exportações para a China, a presença contínua na MIF e as visitas que Raquel faz a Macau quase de dois em dois meses confirmam que a região tem sido uma “plataforma gigante”. “Saber onde fica Portugal sem ter de se associar a um futebolista é um avanço. Já nos conhecem pelo produto, pela marca. E porquê? Porque vimos através de Macau”, frisa.
Na opinião da directora de vendas internacionais compete agora ao país e às empresas portuguesas continuarem o trabalho. E para isso, diz, tem de haver um “acompanhamento constante”. “Se não for assim, nem uma plataforma gigante como é Macau nos pode ajudar”, alerta.
Para Rui Moreira, da Casa Angola, um dos grandes problemas de alguns exportadores lusófonos é “não ter paciência”. “Trabalhar os mercados de Macau e da China é um trabalho de presença e persistência”, afirma. Com vários produtos na região e agora no Interior do País, sabe do que fala, deixando um conselho: “Noutros mercados é normal fazer negócio num primeiro contacto. Na China, mesmo que haja necessidade de produto, temos de visitar o cliente quatro a cinco vezes para concretizar o negócio.”
Os 85 anos que a empresa tem foram um empurrão para ganhar a confiança de parceiros e conseguir passar a fronteira. O empresário escolheu os produtos que achou que tinham potencial de crescimento – como os vinhos, as águas de nascente e produtos de natureza como o azeite e o café –, e investiu em cidades como Cantão e Shenzhen, em vez de começar por Xangai e Pequim. “São espaços muitas vezes menos explorados pelas marcas ocidentais e mais permeáveis a colocar os produtos pela primeira vez”, explica.
Firmino Cordeiro, da Associação dos Jovens Agricultores de Portugal (AJAP), acredita que adaptar-se às regras do mercado chinês é um passo fundamental para conquistar clientela. “Regras há em todo o lado e é justamente isso que garante a qualidade do produto e convence o consumidor daquilo que está a comprar”, aponta. Foi a pensar na solução que a AJAP criou a Globalcoop (Cooperativa Agrícola Transnacional) e decidiu apostar na internacionalização de forma concertada. “Fazer essa aposta de forma conjunta traz-nos benefícios. Por exemplo, em vez de certificarmos individualmente cada produto de cada produtor, podemos fazê-lo através de uma só marca”, explica o director-geral da AJAP.
Com sócios de todas as regiões portuguesas, a associação percebeu que muitos produtores, por serem pequenos, não conseguiam chegar a grandes mercados apesar da qualidade dos produtos. “Através da cooperativa criamos uma marca chapéu que, aglutinando algumas produções e lotes homogéneos de produtos, consegue chegar a este tipo de mercados”, acrescenta.
A estratégia também foi adoptada pelo Fórum dos Empreendedores Santomenses. “Na guerra entre o leão e a formiga, temos de desempenhar o papel da formiga. A formiga agrupa-se”, diz Carlos Boa Morte, em representação de cerca de 10 empresas do Fórum na MIF pela terceira vez. “É inútil lutar contra gigantes. É uma batalha perdida. Não adianta tentarmos competir em escala. Temos de perceber no que somos bons e apostar”, defende o presidente do grupo. Este ano, voltou com a noção clara de que São Tomé e Príncipe deve promover produtos-chave, como o chocolate e o café, e usar a localização estratégica para atrair investimento. “É uma zona rica em diamantes e isso pode atrair investidores para a zona.”
Raquel Costa insiste que a comunicação é o primeiro entrave para entrar no mercado chinês. Ainda assim, sente que há outras batalhas a travar para que a aceitação dos produtos portugueses seja maior na China. “Portugal tem que trabalhar o marketing. Ainda não somos conhecidos como os mercados de França e Austrália”, refere.
Esforço que compensa
Duarte Vidal salienta que apesar dos obstáculos há muitos argumentos para insistir no mercado chinês. O gestor do banco Crédito Agrícola refere que a aposta dos empresários lusófonos no mercado demorou a acontecer mas que, na última década, ganhou “velocidade”. A maior apetência para consumir produtos “diferentes e de qualidade” e o crescimento da classe média, aliado ao aumento do poder de compra no país, fizeram com que a China passasse a estar no topo das prioridades. “Tem uma classe média crescente como não existe em nenhum lado do mundo ou num só país. A China é naturalmente compradora do que temos para vender”, sublinha.
Para Vidal, o risco reduzido de o negócio falhar fecha o leque de vantagens que atrai cada vez mais empresários lusófonos. “Há um conceito ‘risco/país [indicador que orienta os investidores estrangeiros sobre a situação financeira de um mercado emergente] que passa pela capacidade de os bancos pagarem em moeda forte. Com a China esse problema não existe. Tem interesse, paga a tempo e horas e quer produtos de qualidade.”
Firmino Cordeiro, da AJAP, não tem dúvidas de que é deste lado do mundo que as empresas têm de estar agora. “Temos de ir onde está o consumidor e aqui começam a ter hábitos de consumo completamente diferentes”, diz.
MIF ganha maturidade
A 22.ª edição da MIF contou com a participação de mais de 1500 empresas de 50 países e regiões. Deu lugar à assinatura de 67 protocolos, abrangendo projectos de cooperação entre governos e associações comerciais, nas áreas da agricultura, do turismo, do desporto, da educação, da promoção via internet, da fabricação de produtos, da agência e embalagem secundária, da alta e nova tecnologia, do comércio de produtos alimentares e do estabelecimento de marcas. Foram realizadas, na Zona de Bolsas de Contacto, mais de 389 sessões de negociação, segundo dados do Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau.
Nesta edição do certame, Angola foi o “país parceiro” e Guangdong, a “província parceira”, o que significa pavilhões temáticos para divulgar características e ambientes de negócios, disse Irene Lau, do IPIM. As perspetivas de cooperação entre Angola, Guangdong e Macau estiveram em foco num fórum sobre comércio e investimento, que reuniu mais de uma dezena de representantes governamentais, empresariais e académicos.
O desenvolvimento das indústrias culturais e criativas, da medicina tradicional chinesa, o empreendedorismo juvenil e o comércio electrónico para estimular a diversificação da economia de Macau estiveram em destaque em várias iniciativas durante o certame, além de mais de 40 fóruns e conferências, bolsas de contactos e de apoio ao estabelecimento de negociações empresariais.
As exposições deste ano aproveitaram ainda mais as potencialidades de Macau enquanto plataforma, tendo dado enfoque a temas relacionadas com a iniciativa “Uma Faixa, Uma Rota” e com a cooperação regional. Muitos eventos paralelos foram ocupando a agenda dos três dias do evento, como o Fórum para o Comércio e o Investimento entre Angola, Província de Guangdong e Macau, o Fórum de Comércio, Investimento e Desenvolvimento do Turismo do Camboja, a 14.ª Cimeira Mundial dos Empresários Chineses ou a palestra “Como Apoiar a Entrada dos Produtos dos Países de Língua Portuguesa no Mercado Chinês”. A par disso, houve ainda desfiles de moda de estilistas dos países de língua portuguesa, exposições de artesanato lusófono e espectáculos de música dos países de língua portuguesa.
O presidente do IPIM, Jackson Chang, considerou que as duas exposições pretendem “atrair mais participantes e criar oportunidades de negócios adicionais para empresas e investidores domésticos e do exterior”, ao mesmo tempo que contribuem para a implementação da iniciativa “Uma Faixa, Uma Rota”, para a construção da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau, e consolidam o papel de Macau como plataforma de cooperação e comércio entre a China e os Países de Língua Portuguesa.
Na cerimónia de abertura, o secretário da Economia e Finanças da RAEM, Lionel Leong, destacou a convergência das culturas ocidental e oriental na região, sendo um “dos importantes nós” da iniciativa chinesa “Uma Faixa, Uma Rota”. “Esperamos que a MIF e a PLPEX tenham um efeito de sinergia, produzindo uma combinação orgânica entre a indústria de convenções e exposições de Macau, a plataforma de serviços para a cooperação comercial entre a China e os países de língua portuguesa e a iniciativa ‘Faixa e Rota’ para gerar maiores benefícios”, afirmou no seu discurso.
Lionel Leong expressou a vontade de que um “maior número de convenções e exposições internacionais venham a estabelecer-se em Macau” e proporcionar mais “oportunidades de desenvolvimento para as empresas locais e residentes, especialmente as micro, pequenas e médias empresas, os profissionais e os jovens”.
A 23.ª MIF e a segunda edição da PLPEX terão lugar nos dias 18 a 20 de Outubro de 2018.
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360 bolsas de contacto na MIF e PLPEX
67 protocolos e memorandos de cooperação assinados entre empresas dos PALOP, Continente e Macau
45 fóruns, conferências e seminários
389 sessões de negociação