Desde tempos imemoriais

Símbolo de nobreza e prestígio, a força do apelido na China destronou imperadores, uniu clãs e ultrapassou fronteiras. Tamanha importância tiveram também as associações de pessoas com o mesmo sobrenome que se destacaram durante períodos conturbados no país e no ultramar.

 

Texto Catarina Domingues

 

Muitos dos documentos sobre a complexa história dos apelidos chineses desapareceram durante a Revolução Cultural (1966-1976), quando templos ancestrais foram saqueados e registos genealógicos queimados.

Sabe-se, porém, que a tradição dos apelidos chineses remonta aos tempos pré-imperiais. Muitos apelidos tiveram origem há 5000 anos e foram passando de geração em geração. As origens são diversas: nomes de locais ou reinados, cargos oficiais antigos, profissões, entre outros.

O texto clássico Os Cem Nomes de Famílias, escrito no século X durante a Dinastia Song do Norte, contempla perto de 500 apelidos comuns na China. Os nomes são revelados neste documento em forma de poema para facilitar a memorização por parte das crianças. De realçar ainda que os apelidos das associações que a MACAU visitou – Si/Shi, Im/Yan e Chong/Zhuang – constam neste documento.

 

 

Estatísticas revelam que hoje em dia o número de sobrenomes é bastante superior, mas que cerca de 100 serão utilizados pela maioria da população. Os nomes mais comuns na China são Wang, Li e Zhang (Wong, Lei e Cheong em cantonês) e são utilizados por cerca de 300 milhões de pessoas, fazendo deles igualmente os mais utilizados no mundo.

Mas e qual é a relevância dos apelidos na China? Ao longo da história do país, os sobrenomes desempenharam sempre um papel importante na sociedade: foram símbolos de nobreza, prestígio, legitimação do poder político e permitiam viajar até muito lá atrás para conhecer os antepassados. O imperador Cao Pi, por exemplo, forçou a renúncia do último imperador da Dinastia Han, declarando ser descendente do Imperador Amarelo.

Com a generalização dos apelidos entre a população, estes serviram também como forma de promoção da solidariedade: clãs estabeleceram escolas para ensinar os filhos, apoiaram famílias desfavorecidas e promoveram a estabilidade social.

Chong Cing Jyun, presidente da Associação dos Indivíduos de Apelido de Chong e Im em Macau, explica que a criação das associações de clãs era também uma forma dos membros manterem o contacto: “Se fossem organizados festivais, celebrações ou funerais, as pessoas do mesmo clã saberiam disso através da associação”.

 

 

Este tipo de organizações assumiu também um papel importante durante períodos conturbados da história do país e no ultramar, como em Macau, Hong Kong, Indonésia e Singapura. “É aí que têm uma força muito grande, são essas associações que fazem a primeira república, é aí que Sun Yat-sen vai buscar dinheiro”, explica João Guedes, jornalista e historiador de Macau.

Com a subida de Mao Zedong ao poder, estes grupos, cuja actividade já era limitada na China, são “completamente ilegalizados, vivendo na clandestinidade”. Só mais tarde, “com a abertura de Deng Xiaoping, é que as pessoas voltam a associar-se um pouco mais à luz do dia”, remata João Guedes.

Na actualidade, são várias as associações de clãs que se mantêm no activo, apesar do interesse das camadas mais jovens ter vindo a decrescer, nota o historiador Vincent Ho à MACAU. “Os mais jovens deixaram de integrar as associações desde os anos 1970, ganhando interesse por uma nova forma de clubes ou sociedades.”

Vincent Ho considera que, em geral, todas estas associações “apoiam a República Popular da China”. “Pode dizer-se que são muito discretas e que já não estão verdadeiramente activas. Já nem encontramos mais publicações sobre estes grupos e, mesmo em Hong Kong, não há muita investigação a ser feita em relação ao tema.”