Fotos Locanda Films
Estudei o ofício de sapateiro na Escola Memorial Bao Si Gu de Macau. Desde que acabei os meus estudos, faço sapatos. Esta é a minha profissão. Comecei quando tinha 20 anos. Tinha um patrão, o dono da sapataria, que me deixou gerir o negócio depois de eu ter-lhe feito alguns modelos. Foi assim que comecei.
Muitos agentes da polícia ajudaram-me. Naqueles tempos, os sapatos que os polícias usavam eram muito simples, basicamente todos do mesmo modelo, o que tornava o meu trabalho bastante mais fácil. Havia muitas encomendas e eu tinha então muito trabalho. Consegui criar os meus filhos só com o rendimento que tinha como sapateiro.
Punha de lado sempre uma boa parte do dinheiro que ganhava com cada sapato que fazia. Com esta poupança, consegui pagar as propinas da escola do meu filho mais velho; depois, quando via que sobrava algum, eu mandava outro filho para a escola. E assim foi até ao meu quarto filho. Nunca desperdicei dinheiro. Era tudo contado para a educação deles. Até que finalmente cumpri com a minha missão de educa-los.
Estou casado há mais de 60 anos com a mesma mulher…. Tivemos direito a uma grande festa para celebrar as Bodas de Ouro há cinco anos. Os meus filhos já estão casados há mais de 20 anos. Quando penso nisso é que me dou conta que ando a fazer sapatos há décadas.
A minha mulher e eu sempre vivemos felizes e eu acho que esse é o segredo para se viver bem. Ter uma família feliz é muito importante.
Hoje já ninguém faz sapatos por encomenda. E já ninguém manda arranjar os pares quando ficam velhos. Por isso, ninguém quer aprender o ofício de sapateiro. Se os jovens têm dinheiro e condições para estudar, preferem ir tirar um curso mais moderno. Ninguém quer perder tempo a aprender como é que se faz um par de sapatos, um a um, artesanalmente. Mesmo que alguém quisesse, não há grande futuro neste ramo. As pessoas já não ligam a terem um modelo único, feito à mão. As máquinas fazem tudo hoje em dia.
E por que é que eu ainda hoje faço sapatos? A resposta é simples: eu gosto muito disto. Mesmo que ninguém os compre, para mim é um prazer fazê-los. Ainda tenho saúde e estou capaz, por isso gosto de estar no activo. As pessoas passam por aqui, param e olham a montra. Se não gostam do meu trabalho, compram nas grandes sapatarias aqueles modelos industriais. A vida é assim mesmo. As coisas mudam.
*Este retrato é um dos episódios da série documental Os Resistentes: Retratos de Macau, da autoria do realizador António Faria.