Texto Catarina Domingues | Fotos Gonçalo Lobo Pinheiro
Quando começou a trabalhar na Bao Shan, uma loja que vende chá em Shenzhen, Fiona Wan partiu do zero. Em Yi Huang, na Província de Jiangxi, onde nasceu, nunca se plantou chá, e a família não tinha o hábito de comprar nem de consumir esta bebida tradicional chinesa.
Fiona estudou para ser professora de artes, mas por falta de oportunidades de emprego na terra natal, decidiu tentar a sorte mais a sul. A loja Bao Shan pertencia a uma família de Fujian; vinham todos da montanha, era gente das plantações; o dono era um homem “velho e gentil” que negociava folhas aromáticas daquela província. Fiona decidiu ficar e aprender. “Olhava para o chá como uma simples bebida, comecei a olhar como uma arte”, recorda.
Entre 2003 e 2006, a jovem chinesa obteve em Shenzhen e em Pequim quatro dos cinco certificados de especialista na área. Enquanto estudou, continuou sempre a trabalhar em casas e lojas especializadas, a dar formação. “Poucos chegam ao último nível, tem de se ter muita experiência, aperfeiçoar a técnica e, por isso, preciso ainda de alguns anos para fazer os exames.”
Chegou a Macau em 2011 para trabalhar como sommelier de chá no restaurante Golden Flower, no hotel-casino Wynn. Há um ano integrou a equipa do Jade Dragon, no empreendimento City of Dreams. Com duas estrelas Michelin, este estabelecimento de comida cantonesa aposta num conceito virado para a saúde e para o bem-estar. Numa das salas privadas, onde nos encontramos, as paredes lembram uma antiga farmácia chinesa, com gavetas semi-abertas, que se fossem reais, conservariam ervas medicinais. Ao fundo, ouve-se A lua representa o meu coração, música de Teresa Tang.
Sopas à base de plantas ou receitas com alimentos orgânicos são algumas das ofertas do restaurante. O chá aparece quase sempre a acompanhar. Cerca de 80 por cento dos clientes consomem a bebida.
Fiona empurra até à sala um carrinho de rodas. Traz vestido um fato preto, com pequenos detalhes a seda verde; tem dois brincos de jade e o cabelo está preso com um gancho chinês, também de jade. No topo do carrinho estão preparados todos os utensílios necessários à cerimónia de chá. Fará uma demonstração mais tarde.
Fiona conhece poucos sommeliers de chá em Macau – os que conhece são mulheres. “Sommeliers que pratiquem a cerimónia são geralmente mulheres, talvez pela elegância do ritual”, diz. Cursos ligados à área também existem na RAEM, embora não sejam atribuídos localmente certificados de especialista.
Além de realizar esta cerimónia, Fiona é responsável pela prova e controlo de qualidade do chá e pela formação da equipa que coordena. A sugestão de uma infusão que se adapte aos pratos escolhidos pelos clientes é também uma das funções da sommelier. “Neste restaurante, serve-se muito marisco, que combina bem com chá verde, mais leve, não fermentado, como é o caso do longjing“, dá como exemplo. Admite, porém, que no topo das escolhas do restaurante estão o puer (escuro) e o tie guanyin (oolong) – mais adequados aos dias frios.
As propriedades medicinais destas ervas são de acordo com a especialista uma das razões pelas quais se deveria apostar mais na cultura do chá. “Precisamos de passar a mensagem aos mais jovens de que esta é uma bebida saudável e que os benefícios são muitos”, diz Fiona, enumerando alguns: o reforço do sistema imunológico, diminuição da pressão arterial, uma pele mais saudável. “Pode escolher não acreditar, mas consegue perceber-se a diferença entre uma pessoa que tenha bebido chá ao longo de 50 anos e outra que não o tenha feito”, diz.
A especialista acredita que se deve investir na diversificação do negócio, aproximando-o das faixas etárias mais jovens. O café, nota, é uma boa referência. “Para atrair este grupo, foram criadas novas variedades de café, que chegam à mesa com imagens desenhadas no topo, por exemplo.” Fiona acredita que é preciso recuperar a tradição do chá. Ou criá-la. Tal como se fez na pequena vila onde nasceu. Alguém trouxe de outra cidade uma árvore de chá. Hoje, a plantação ocupa uma vasta montanha. A cidade de Yi Huang já tem chá. E é verde – o an ji bai.
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Cerimónia tradicional do chá
Tie guanyin (oolong) com flor de osmanthus
Cerimónia do sul da Província de Fujian com 18 passos e que tem como base a história mitológica de uma carpa que se transforma em dragão. Conta a lenda que a carpa no seu período de desova tinha que transpor diversos obstáculos, saltando vales, cascatas e percorrendo quase toda a China, até chegar à montanha Jishinhan onde se situa a nascente do Rio Amarelo. Ao vencer a cascata Longman, a carpa transforma-se em Dragão. Esta história representa conquista, fama e fortuna.
Utensílios
- Copo de chá de três peças: a tampa representa o céu, o pires representa a terra, a chávena representa o homem
- Coador para filtrar as folhas
- Um pequeno jarro
- Copo aromático (quanto mais pequeno e profundo, mais facilmente se sente a fragrância durante a prova)
- Pequena xícara para a prova do chá
- Colher medidora, que serve para colocar as folhas dentro do copo onde se faz o chá
- Pinça para manusear os objectos que estão no tabuleiro
- PAVÃO DE PENAS ABERTAS
Apresentação dos utensílios utilizados durante a cerimónia
- BANHAR A GARÇA BRANCA
Lavar todo o conjunto de chá com água a ferver
- O DRAGÃO ENTRA NO PALÁCIO
Colocar folhas do chá tie guanyin no copo onde vai ser feita a infusão
- RIACHO PROVENIENTE DAS MONTANHAS ALTAS
Verter água quente a uma certa distância para agitar as folhas
- A BRISA DA PRIMAVERA ACARICIA A FACE
Retirar suavemente com a tampa a espuma da superfície do copo
- ALMA PURA
A primeira infusão não é para beber, mas serve para lavar e aquecer novamente o serviço
- CHEGADA DA FÉNIX
Acrescentar flor de osmanthus ao copo
- CHUVA DE AMOR
Voltar a colocar água quente no copo, onde estão as folhas e a flor de osmanthus
- TRÊS DRAGÕES PROTEGEM O PALÁCIO
Segurar a borda do copo de chá com o polegar e o indicador, colocar o dedo médio na base
- DRAGÃO SOBREVOA O OCEANO
Passar a infusão para o jarro
- DRAGÃO AUSPICIOSO À CHUVA
Servir o chá nos copos aromáticos
- A FÉNIX INCLINA A CABEÇA
Completar a infusão
- ASCENSÃO DA CARPA
Cobrir os copos aromáticos com as pequenas xícaras para a prova do chá
- CARPA TRANSFORMA-SE EM DRAGÃO
Virar os dois recipientes, mantendo o copo aromático por cima e a xícara para a prova por baixo
- SERVIR
Passar o copo aromático e a xícara a quem vai beber. Fazer com as duas mãos.
- SENTIR A FRAGRÂNCIA
Retirar suavemente o copo aromático do topo da xícara. Sentir o aroma do copo.
- APRECIAR A COR
Observar a cor que resultou da infusão
- PROVAR
Saborear o chá através de três goles. O primeiro é para avaliar o sabor, o segundo a consistência e da terceira vez bebe-se até ao fim.