Cooperação | O poder dos livros

As mostras e festivais são importantes para ver e conhecer as diferentes culturas, mas é nos livros que se firma o pensamento do outro. A estrada aberta pela tradução é um caminho longo a percorrer

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Texto Diana do Mar e Fátima Valente | Foto Gonçalo Lobo Pinheiro

 

Uma mesa de café em Paris põe um grupo de amigos de roda de Fernando Pessoa. O Livro do Desassossego é o grande banquete dos franceses, de que o autor chinês Han Shaogong ouve falar pela primeira vez. Mas o entusiasmo na tertúlia é tal que faz o escritor entrar numa livraria para comprar a versão inglesa da obra e, mais tarde, aventurar-se na sua tradução para a língua chinesa. Por essa altura, na viragem do século, tanto em Macau como na China já havia obra publicada de Fernando Pessoa, mas esta ainda “não tinha provocado fogo entre os chineses”, discorre Yao Jing Ming. “Como Han Shaogong é muito conhecido na China, os leitores ficaram muito curiosos: Han Shaogong traduziu Fernando Pessoa? Quem é Fernando Pessoa?”, conta, ao relatar o episódio “decisivo” para a projecção ganha, entretanto, pelo poeta português. “Hoje em dia, [José] Saramago e logo a seguir Fernando Pessoa estão entre os escritores estrangeiros preferidos dos chineses, mas ainda me lembro que na década de 1990 pouca gente conhecia esses autores portugueses”, relata Yao Jing Ming.

O facto de Macau ser um “mercado muito pequeno e de as publicações feitas localmente não poderem circular na China” também explica, segundo o académico, o desconhecimento da literatura portuguesa entre os falantes de língua chinesa. Mas essa é uma barreira que na perspectiva de Yao Jing Ming – que esteve envolvido no projecto “Biblioteca Básica de Autores Portugueses”, uma co-produção do Instituto Cultural com uma editora do Interior da China que incluía Eça de Queiroz – pode ser ultrapassada. “Acho que é boa ideia reeditar alguns livros com interesse para o leitor chinês. Também podemos fazer uma nova colecção que poderá incluir escritores da nova geração. De facto, não param de aparecer bons escritores”, atenta. O crescente interesse de alguns autores chineses por escritores portugueses também abre portas à negociação para dividir responsabilidades na produção e distribuição entre Macau e a China. “É bom pensar e começar”, sugere Yao Jing Ming.

 

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Exportar os clássicos

Para vencer a exiguidade de Macau, o editor Rogério Beltrão Coelho mantém as esperanças na dinamização de uma associação de editores para atacar o mercado da lusofonia. Mas dentro de portas também defende uma política cultural com linhas fundadas no princípio da divulgação. “Eu falo de (…) traduzir para português obras de referência chinesa, de recuperar edições antigas, com boas biografias de autores e o aparato crítico das suas obras. Há uma série de coisas que é obrigatório fazer em que, obviamente, o investimento não vai ser recuperado”, acrescenta. Para o responsável da Livros do Oriente, “Macau tem a obrigação de ser a ponte, de, enquanto terra que trabalha com duas línguas, levar para as línguas ocidentais, através do português, uma série de obras desconhecidas do Ocidente”.

Carlos Morais José considera que esse labor minucioso é “silencioso” mas necessário. “A tradução de todos os clássicos chineses [para português] é um trabalho que já se deveria ter começado a fazer, já devia haver grupos de trabalho para isto. (…) Se calhar já não era preciso ler Confúcio em inglês ou francês, lia-se em português. E ler em português tem uma dimensão especial.” É também no sentido de dar a conhecer a literatura e o pensamento chinês que Carlos Morais José olha para o mercado lusófono numa visão alargada, sugerindo, por exemplo, que o governo subsidie os livros para assim chegaram às livrarias destes países. “Pagar a divulgação da cultura chinesa nesses países era uma coisa que deveria existir de facto”, afirma, defendendo uma estratégia de marketing baseada no conceito de ‘Livro de Macau’, a desenvolver pelo Instituto Cultural.

Nessa senda da divulgação da cultura chinesa, Carlos Morais José assumiu, através da sua editora Livros do Meio, a empreitada de reunir em português Quinhentos Poemas Chineses, uma obra lançada em parceria com a Casa de Portugal em Macau. Yao Jing Ming, que também deu o seu contributo ao livro não lhe poupa elogios. “Quinhentos Poemas Chineses é fantástico. Ele [Carlos Morais José] disse-me que é uma prenda dos portugueses para os chineses. E já começámos a falar em fazer o inverso com poetas portugueses”, acrescenta entusiasmado. “Acho que seria possível arranjar uma editora para publicar esse livro. De facto Portugal tem bons poetas. (…) E tem de exportar mais literatura – não só a lata de sardinha.”