Cinema | Em busca do sentido da vida

O realizador português Miguel Gonçalves Mendes passou por Macau para gravar algumas cenas do seu novo documentário, intitulado O sentido da vida. O filme, que deverá estrear apenas em 2017, acompanha Giovane Brisotto, um jovem de 28 anos com uma doença terminal, numa volta ao mundo e sete figuras públicas, entre as quais se contam o juiz espanhol Baltazar Garzón e o escritor português Valter Hugo Mãe

 

 

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Texto Luciana Leitão | Fotos Gonçalo Lobo Pinheiro

 

Na busca de respostas (ou perguntas) a esse dilema existencial que é o sentido da vida, Miguel Gonçalves Mendes filma Giovane Brisotto, um jovem que sofre de paramiloidose – mais conhecida por doença dos pezinhos –, numa viagem à volta do mundo. Paralelamente, o realizador português segue também a vida de sete figuras públicas, entre as quais se contam o juiz espanhol Baltasar Garzón e o escritor português Valter Hugo Mãe. Intitulado O sentido da vida, trata-se do novo documentário do cineasta português, co-produzido por Fernando Meirelles, responsável por filmes como Cidade de Deus e O Fiel Jardineiro.

Miguel Gonçalves Mendes tornou-se conhecido do grande público depois de realizar o documentário José e Pilar, sobre o escritor José Saramago e a mulher, Pilar del Río. “Jurei a mim mesmo que nunca mais voltava a fazer um documentário, tendo em conta o esforço emocional e financeiro”, afirma. Porém, não resistiu a levar a cabo uma ideia, que o acompanhou logo a seguir a terminar o filme premiado. Miguel resolveu fazer um documentário sobre o que “nos mantém vivos”, contrariando um pouco o seu trabalho anterior, centrado no medo da morte.

Giovane Brisotto é o herói da história. Trata-se de um jovem que sofre de paramiloidose familiar. Como fio condutor, “há o Giovane, que é uma espécie de cidadão-comum e que, na iminência do transplante, e por ter uma doença rara e incurável, decide dar uma volta ao mundo à procura do sentido da vida”. Tratando-se de uma patologia de origem portuguesa e, sendo o Giovane um cidadão brasileiro, era a “premissa perfeita para abordar os processos de globalização e a evolução da humanidade”.

Tirando o trajecto entre Brasil e Portugal, toda a viagem de Giovane é feita por terra e mar, sem recorrer a aviões. “Saímos de Lisboa em Dezembro, fomos de barco até à Índia, subimos a Índia toda de comboio e chegamos até Macau. Vamos agora de comboio até Xangai, depois de barco até ao Japão e barco até aos EUA”, conta o realizador, de passagem pela RAEM em Abril.

Não revelando muito do que se pode ver no documentário, Miguel diz que no filme Giovane relaciona-se com locais, explora locais turísticos e não só. “No Nepal, houve um miúdo novo, que fez de vidente e viu o futuro”, diz, a título de exemplo, acrescentando: “Quando estávamos a filmar em Portugal, em Sagres, batemos à porta de um restaurante e entramos e quem estava a atender, vestida de Capuchinho Vermelho, era a Marga, ex-vocalista do grupo [musical] Cool Hipnoise. Abandonou tudo em Lisboa, abriu um restaurante e estava a servir medronhos vestida de Capuchinho Vermelho. Há uma cena de diálogos entre eles [Giovane e Marga]”.

Seguindo um trajecto que corresponde à Peregrinação do autor português, Fernão Mendes Pinto, o filme termina no pólo sul, passando ainda pelo Japão, onde existe o segundo maior núcleo de paramiloidose do mundo.

Em Macau, acabou por passar por pontos turísticos históricos, mas também pelos grandes hotéis-casinos, encontrando-se pelo caminho com algumas figuras da terra. “O que vamos fazer [em Macau] é esta oscilação entre o resquício de uma cultura oriental misturada com uma cultura ocidental, mas sobretudo este novo mundo alucinado”, diz.

 

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Crescer e divulgar

Quis fazer uma coisa que de outra maneira não teria oportunidade de fazer. Giovane Brisotto aceitou o desafio de ser filmado numa volta ao mundo, em busca de crescimento pessoal, uma experiência memorável e a possibilidade de alertar outras pessoas para esta doença. “Talvez isso possa ajudar as pessoas a conhecer os sintomas”, diz o protagonista.

Inicialmente, Miguel desafiou Giovane e o irmão – que também é vítima da doença – a participarem no documentário. “Ele [Miguel] queria que fôssemos os dois, mas o meu irmão não quis. Não gosta [de exposição] e, como estávamos na fila do transplante [de fígado], ele pensou em ficar descansando”, revela, acrescentando: “Uma volta ao mundo é uma coisa cansativa, eu topei e vim, até porque acho que nunca mais teria essa oportunidade depois de fazer o transplante”.

Descobriu que sofria da doença há cinco anos, depois de a irmã ter marcado um exame para toda a família. “A minha mãe teve essa doença durante dez anos e só nos últimos dois é que descobriu. Não tinha muito o que fazer, o transplante era arriscado”, recorda.

Já vão quatro meses e meio desde que Giovane iniciou esta viagem e até agora o saldo tem sido positivo. “Acabei conhecendo vários lugares. Conheci a Índia e a China, com culturas totalmente diferentes. Para mim, não tem preço conhecer esses lugares”, diz o jovem, que é engenheiro cartógrafo de profissão. E são essas experiências que vão contribuir também para o seu crescimento pessoal. “Sinto que já sou diferente do que era antes. Dantes, parecia que a minha cidade no Brasil era o centro do universo.”

Porém, reconhece alguns aspectos menos positivos, nomeadamente o risco que para ele envolve participar num projecto deste calibre. “A minha doença está a evoluir. Desde que eu saí do Brasil e quando voltar, vou perceber uma evolução que se calhar agora eu não percebo tanto”, afirma. É por isso também que a equipa de filmagem procura minimizar o impacto para Giovane. “Tenho dificuldade em caminhar e eles evitam que eu caminhe muito.”

Ao longo do tempo, Giovane já se habitou a ter uma câmara a acompanhá-lo no dia a dia. “O início foi bem difícil, mas agora tudo tranquilo, ela [câmara] não incomoda mais.”

Na lista de espera para fazer o transplante de fígado, Giovane diz que deixou tudo em suspenso para participar neste projecto. “Em Junho posso começar a ser chamado e se for vou voltar, antes mesmo do fim do documentário”, confessa.

 

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As figuras públicas

Além de Giovane, Miguel decidiu pegar em várias personagens públicas que admira e segui-las durante algum tempo. “Temos seis figuras públicas que funcionam como uma espécie de novos heróis – um político, um escritor, um juiz, um músico, um astronauta”, diz.

Tal como em José e Pilar, o realizador optou por não usar entrevistas, numa tentativa de “construir a história como se fosse uma narrativa clássica de ficção”. E, mais do que procurar respostas para o que é o sentido da vida, Miguel espera que surjam várias questões. “O que é que são os legados da humanidade – há efectivamente o universo cultural e o universo político, há a ânsia de poder por parte do ser humano e há o legado científico que deixamos as obras-primas que conseguimos. Por isso é que precisávamos de um político [para abordar] a questão da justiça; no caso da ciência, é o espaço através do astronauta; havia também o universo cultural e por isso é que temos o escritor e a figurinista”, diz, explicando: “Aqui a ideia era que cada um deles, para além de espelhar a sua profissão e a forma como se relaciona com a fama, com os seus fãs, fosse também exemplificativo da sua própria cultura”. Assim, além da volta ao mundo de Giovane, Miguel espera ter um “retrato fidedigno” de diferentes sectores e países. “No fundo, o que eu vou estar a dar às pessoas são sete formas de estar na vida, sete formas de olhar para vida e sete formas do que é o sentido da vida.” É da soma dessas diferentes visões que espera que o espectador reflicta sobre a sua própria vida.

A escolha das figuras públicas recaiu sobre “quem mais admira”. Entre os já confirmados, contam-se o escritor português Valter Hugo Mãe, o juiz espanhol Baltasar Garzón, a figurinista japonesa Emi Wada, o músico islandês Hilmar Orn Hilmarsson, o astronauta dinamarquês Andreas Mogensen e o organizador de festas de sexo britânico Chris Gordon.

No documentário há sete histórias que se cruzam. “Tens o astronauta que vai para o espaço. Tens o Valter, em que acompanhas todo o processo, desde a ideia inicial do livro, a escrita, ao lançamento.” E o Giovane acaba por ser “a desculpa perfeita para falar sobre a história do mundo”, fazendo a ligação entre as diferentes figuras.

As filmagens deverão terminar apenas daqui a um ano e o documentário estreia em 2017. “O astronauta dinamarquês Andreas Morgensen vai ser lançado a 2 de Setembro, estive na ESA [Agência Espacial Europeia] a acompanhar os treinos, vou para a NASA com ele, vou para a Star City na Rússia e depois vou para o Cazaquistão, onde é o lançamento. Ele vai levar uma câmara para o espaço e nós vamos comunicando, vou estar a acompanhar a mulher e a filha”, revela.

Por confirmar, estão figuras como o papa Francisco e a presidente do Brasil Dilma Rousseff. “Está tudo em negociações. À revista brasileira IstoÉ, Dilma Rousseff disse que estaria interessada em participar no filme, mas já estamos neste processo há três anos”, diz.

Com um orçamento de cerca de um milhão e meio de euros, Miguel Gonçalves Mendes continua em busca de patrocínios. “Temos um orçamento caro, são quase quatro anos de filmagem e uma volta ao mundo.”

 

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Quem é quem

Giovane Brisotto

Natural do Brasil, este jovem de 28 anos sofre de paramiloidose, uma doença rara e incurável.

 

Emi Wada

O figurinista japonês trabalha com grandes nomes do cinema, como o realizador Peter Greenaway. Já venceu o Óscar de melhor guarda roupa pelo filme RAN, de Akira Kurosawa.

 

Baltasar Garzón

Conhecido sobretudo por ter emitido a ordem de prisão do antigo presidente chileno Augusto Pinochet. É frequentemente indicado para Nobel da Paz.

 

Hilmar Hilmarsson

O músico islandês ajudou a lançar a carreira de Bjork e Sigur Ros, mas é também conhecido por ser o último padre viking no mundo.

 

Valter Hugo Mãe

O escritor já venceu o prémio Saramago e o Grande Prémio da Literatura Portuguesa. É hoje apontado como um dos grandes nomes da literatura portuguesa.

 

Andreas Mogensen

O engenheiro aeroespacial foi o primeiro dinamarquês escolhido para ser astronauta, em Maio de 2009. Seguirá numa missão a bordo da Estação Espacial Internacional em Setembro.

 

Chris Gordon

Aos 18 anos, viu uma promissora carreira em atletismo terminar, devido a problemas familiares. Mais tarde, veio a perder a fortuna com a recessão. Hoje em dia é famoso por organizar festas de sexo em Londres.

 

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