Texto Sandro Mendonça*
* Professor de Economia, ISCTE Business School – Instituto Universitário de Lisboa. Lecciona em programas doutorais ministrados em universidades do Interior da China
A gestão territorial como política de cuidado e delicadeza
Pensarmos o território como uma galeria de arte é, talvez, uma comparação apropriada. O sucesso de uma galeria depende primeiramente da localização. O lugar fixado é um activo crítico e insubstituivelmente fundador. Mas esse dado geográfico é apenas o ponto de partida; a cada dia que passa as sortes dependem menos do que aconteceu e mais da condução dos eventos que se vão sucedendo. E, assim, tal como no caso de um estabelecimento de cultura e negócio também a gestão de um território depende de um hábil e sensível talento na curadoria cuidada dos seus recursos físicos bem como na programação de eventos imateriais para gerar actividades que se projectem no futuro.
Este é, portanto, um primeiro ponto: a gestão de um território assemelha-se à orquestração de energias através de um pólo que, por sua vez, as dinamiza e as reorienta. Esta noção entende a estratégia territorial como um exercício de “política pública delicada”. Ou seja, o conceito de “economia delicada” é uma abordagem que assume que a pequena escala física não tem de ser entendida como uma limitação. Admite-se ainda, nesta concepção, que a quantidade terá de dar a vez a uma preferência pela qualidade. Entende-se, também, que a eficiência não deve ser inimiga da eficácia e que o cálculo não deve interferir com a aprendizagem.
Diferenciação dinâmica como estratégia-base dos pequenos territórios
Assim, por um lado, a pequena escala poder ser uma característica herdada. Mas, por outro, pode impor pela positiva um movimento orientado para a “qualidade dinâmica”. O sistema territorial é um nexo de características e o que conta é o progresso dessas características: tanto das que já existem e como no desdobramento de outras. Isto é, mais qualidade (muitas vezes definida como “diferenciação vertical”) e novas qualidades (muitas vezes denominada como “diferenciação horizontal”). Numa palavra: inovação.
O mundo é finito. Assim, portanto, um território pequeno apresenta já desafios que grandes países de dimensão continental podem querer observar como laboratórios de experimentação. Claro, a China já o fez: foi a ideia das “zonas económicas especiais”. Na sequência da bem conhecida política de reforma e abertura foi permitido, dentro das fronteiras chinesas, que se estabelecessem novos perímetros para áreas estratégicas. Delimitações claras protegiam inicialmente espaços intensivos em optimização e troca. No entanto, e desde estas bolsas experimentalistas, o resto da China começou a absorver as práticas de processamento produtivo e de competitividade exportadora que, mais tarde, vieram a abalar o mundo. De pequenos pontos de apoio começou-se a ganhar velocidade.
O mundo emergente das mega-cidades
Depois do arranque comercial e tecnológico de Shenzhen, Xiamen, Shantou e Zhuhai muitos outros centros emergiram e se expandiram. Esses pólos puxam hoje províncias inteiras e grandes áreas geográficas. E, sem dúvida, a economia de um país é tanto mais dinâmica quanto mais aglomerações urbanas em crescimento tiver. A verdadeira macroeconomia é mais um fenómeno orgânico que mecânico. E a economia mundial prepara-se para se estruturar sobretudo como rede de cidades-território/cidades-região.
A consultora McKinsey, na última actualização do estudo “Global Cities of the Future”, contabilizou que as 100 maiores cidades do planeta geram 36 por cento do PIB mundial e as 600 maiores uns portentosos 60 por cento. As maiores cidades em termos de contributo económico são urbes como Nova Iorque, Tóquio, Londres, Chicago ou Paris. Mas num horizonte de uma década, em 2025, as cidades mais influentes serão menos norte-americanas e europeias. Até esse ano 136 novas cidades deverão ascender ao clube e destronar outras tantas no top 600, todas elas de países emergentes; e a maior parte destas (100!) será da China. Perante este cenário a revista de relações internacionais Foreign Policy refere que os Estados Unidos serão afastados do pódio e que a Europa ficará praticamente eclipsada.
Que margem para os micro-territórios?
Há plataformas únicas na adequação aos desafios do século XXI. Certamente Macau tem ingredientes que lhe dão um elevado potencial de sucesso. No entanto, é possível definir o que se entende por “sucesso” de muitas maneiras, e umas são mais importantes e outras mais sustentáveis.
O que tem, então, Macau de tão especial no presente momento do processo de globalização? E como é que isso importa? E como é que os princípios de estratégia podem ajudar a navegar um conjunto de circunstâncias difíceis?
Por exemplo, o que pensar destes três desafios? Primeiro, Macau é o segundo território do mundo (a seguir ao Mónaco) em termos de densidade rodoviária, ou seja, quilómetros de alcatrão sobre área total: como deve este facto ser contemplado? Segundo, se um simples lojista quiser hoje montar o seu próprio negócio depara-se muitas vezes com uma renda de cerca de 250 mil patacas: como pode ser isso suportável? Terceiro, o influxo de turistas nunca esteve tanto em alta: porém, como são distribuídos os custos e benefícios desta tendência pelos actores-chave e pela população em geral? Solucionar o quebra-cabeças como um todo certamente implica um refrescar de perspectiva.
Uma estratégia de dupla diferenciação
Macau sempre foi uma “zona social especial”, uma área de tolerância e de mistura, de abertura à novidade e de preservação da tradição. Por um lado, é a longamente trabalhada profundidade da sua identidade que lhe confere “diferenciação vertical” numa arena global de mega-cidades competindo entre si e procurando superar-se a si mesmas pela sua modernidade – isto é, pela sua aproximação face ao mesmo idealizado padrão de referência. Por outro lado, é a diversidade e multiculturalidade de Macau que lhe confere “diferenciação horizontal” numa fase de globalização em que as referências culturais e simbólicas se vão homogeneizando – isto é, perdendo as suas características originais. Como “cacho crítico” de actividades uma cidade-plataforma é um todo que impõe de uma abordagem integrada (porque é rico em história e variedade) e dinâmica (porque é evolutivo e emergente).
O Presidente Xi Jinping exortou Macau a seguir um modelo de desenvolvimento “consistente” e “harmonioso”. É possível que a “consistência” seja garantida pela curadoria da sua “diferenciação vertical”, enquanto a “harmonia” seja alimentada pelo respeito da sua “diferenciação horizontal”. A combinação prudente e integrada destes dois modos complementares de desenvolvimento pode ser uma fórmula de sustentabilidade para o ecossistema delicado mas resiliente que é Macau.
Macau através da água, o seu elemento
Por outras palavras, Macau ganha ao ser uma justaposição fluida de ambientes simultâneos. Decisões quanto ao aparente (sobre-)dimensionamento da rede rodoviária que seja também reorientada para “eco-mobilidade”, sobre a necessidade de uma quota mínima de rendas “frugais” que permita não asfixiar o empreendorismo, e sobre “capacidade social de carga” do território perante o influxo turístico devem reflectir estratégias claras e visões sustentáveis de diferenciação territorial.
A rocha da história é certa e concreta. Os ventos da mudança sempre contraditórios e caprichosos. Porém, entre os dois estados da matéria – isto é, o sólido e o gasoso – e entre o permanecer e o passar (isto é, continuar e mudar), as virtudes da resiliência estão hoje na capacidade líquida de inovar, ou seja, na capacidade de vencer os obstáculos abraçando-os. Como diria Lao Tsé, a água é um meio suave que desgasta a rocha e tonifica a atmosfera.
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Maiores cidades mundiais em 2025
1. Xangai, China
2. Pequim, China
3. Tianjin, China
4. São Paulo, Brasil
5. Cantão, China
6. Shenzhen, China
7. Nova Iorque, EUA
8. Chongqing, China
9. Moscovo, Rússia
10. Tóquio, Japão
Fonte: Consultora McKinsey e revista Foreign Policy