Texto Patrícia Lemos | Fotos Gonçalo Lobo Pinheiro
Os famosos vistos dourados estão a ter um sucesso retumbante, multiplicando-se as apresentações pelo mundo destes ARI (Autorização de Residência para Actividade de Investimento), sobretudo na China. Em Outubro, para além das muitas empresas portuguesas presentes na Feira Internacional de Macau a publicitar a venda de casas de luxo, um grupo de agentes e promotores imobiliários portugueses viajou à Ásia para um road show em Hong Kong, Macau e Xangai. O grupo formou-se a convite da empresa de consultoria PSO, de Paulo Soares de Oliveira, para quem “a união faz a força”.
Com esta acção, uma das muitas que os portugueses estão a dar pelo mundo, pretende-se “pôr os clientes que buscam a internacionalização em contacto directo com o público-alvo, uma vez que a economia em Portugal está muito parada”, explicou Soares de Oliveira, após a sessão de Macau que animou a Residência Oficial do Cônsul-Geral de Portugal em Macau e Hong Kong.
Estas investidas na China não são uma novidade para a PSO, que trabalha nove sectores de actividade. Foi em Março de 2012 que começou a dar maior atenção à Ásia e reparou também na importância de Hong Kong, “por onde passam 70 por cento dos negócios chineses”. Presente na iniciativa da RAEHK, António Duarte Guerreiro, director geral do grupo Entreposto, admitiu que o jantar de apresentação na RAEHK foi “relativamente restrito”. Apesar do mercado de Hong Kong não ter ainda sido alvo de muitas acções de promoção dos vistos dourados, “existe uma grande expectativa em relação a Portugal”, criada pela proximidade de Macau. Enfim, “fomos semear para ver se colhemos no futuro. Vamos cimentar esta relação”.
Vasco Ferreira dos Santos, administrador da Noronha Sanches, mostrou-se optimista em relação à acção em Macau, “porque há ligações históricas”, ainda que esta seja a primeira vez que a empresa se estreia na região. Relativamente a Xangai, a terceira e última paragem do road show, a expectativa também foi grande, “porque é uma zona com maior poder económico com muitos chineses interessados em colaborar connosco”, garante Ferreira dos Santos.
Durante a sua apresentação, o cônsul Vítor Sereno não poupou elogios a Portugal para convencer os investidores e consultores chineses presentes a formalizarem a sua aposta no país. E gabou também os resultados da sua jurisdição consular, que “garantiu para o país cerca de 33 milhões de euros” do total de 143,5 milhões que o governo luso já lucrou com os 226 vistos dourados atribuídos. Estes são dados do Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal até ao dia 27 de Setembro.
Com várias empresas em Macau interessadas neste negócio, como sejam a STDM, o BNU, a Midland Realty e outras imobiliárias e escritórios de advogados, a região dá provas de como funciona bem enquanto plataforma entre a China e Portugal. Sereno não sabe ao certo quantas empresas locais estão envolvidas nestas aquisições, mas sabe que há vários escritórios de advogados a constituir “um ramo especializado nesta área”. O mesmo se passa em Portugal, onde ainda se constata um crescente interesse generalizado de promotores e agentes imobiliários, bem como da banca.
Balcão que se faz ligeiro
Pouco depois de ter assumido funções no final de Março à frente do consulado português, Vítor Sereno criou um balcão e uma linha especial de atendimento telefónico (+853 8394 8132) para dar um tratamento personalizado aos potenciais candidatos ao visto dourado, cuja legislação, em vigor desde Outubro de 2012, sofreu ajustes em Janeiro. O resultado está à vista e “supera as expectativas”, garante o representante.
Mas é importante esclarecer que essas autorizações especiais não são atribuídas a todos os chineses endinheirados interessados. Mais: não é no consulado que “é concedida a autorização de residência para investimento”, conforme explica Sereno. Aí apenas se trata da atribuição de um visto normal de entrada no país. Já em Portugal, o potencial investidor faz a sua prospecção e se estiver interessado opta por um dos requisitos do visto dourado. É o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) que “trata da papelada toda”, nomeadamente investiga e garante que o candidato cumpre todos os procedimentos de segurança. O cônsul português garante que dos quase 90 por cento de autorizações de residência atribuídas à China, entre 30 a 35 por cento dizem respeito a Macau e Hong Kong, o que corresponde sensivelmente a 33 milhões de euros em investimento.
Mas de onde são os chineses que fizeram escalar o número de vistos atribuídos via Macau? Muitos dos que são oriundos da RAEM são portadores de passaporte português, pelo que não são esses certamente os visados. O Consulado-Geral não tem jurisdição na província de Guangdong que, apesar de ficar próxima de Macau, pertence à Embaixada de Portugal em Pequim. É a província mais rica e populosa da China. Vítor Sereno reconhece que esta divisão cria uma situação “complicada ao nível burocrático, mas isso está a ser escalpelizado pelas nossas autoridades pois perdem-se muitos potenciais investidores”. Apesar desse facto, o Consulado- geral atribui visto de entrada em Portugal aos detentores de 通行证 – tong xing zheng”, um documento de estada temporária que os chineses utilizam para entrar em Macau e em Hong Kong.
Oportunidades da crise
A maior parte do investimento dos portadores de visto dourado tem sido na área imobiliária – 118,4 milhões de euros – com enfoque na zona de Lisboa e no Algarve. E o mercado português começa a reagir em resultado desta medida. Segundo uma nota da Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária (APEMIP) de Outubro, “só no terceiro trimestre (deste ano), estima-se que as transacções (de imóveis) tenham ascendido a 25 mil, registando-se um crescimento de 8,7 por cento face ao trimestre anterior. O mês de Agosto foi o mais representativo, com 38 por cento das transacções efectuadas”. A APEMIP adiantou ainda que cerca de 72 mil imóveis foram vendidos nos primeiros nove meses do ano. Um terço desse valor ocorreu no terceiro trimestre.
A autorização especial é ainda concedida segundo dois outros critérios: criação de emprego e transferência de capital. É de espantar que nenhum dos vistos dourados referentes a candidatos que deram entrada em Portugal via Macau tenham sido validados pela constituição de empresas. Hoje em dia, é muito fácil montar uma firma em Portugal e o visto apenas obriga à criação de dez postos de trabalho.
Com um discurso todo direccionado para a promoção do seu país, sobretudo ao nível económico, Vítor Sereno tem-se feito a mesma pergunta, mas está convencido de que “é uma questão cultural”. Ou seja, os chineses talvez prefiram comprar uma casa primeiro como forma de se ligarem ao país. Ou – pode ainda pensar-se – talvez estejam receosos da crise. Afinal é preciso não esquecer que o país está em apuros. Segundo o Instituto Nacional de Estatística, só em 2011 abandonaram o país cerca de 44 mil pessoas, quando em 2010 tinham sido apenas 23 mil.“A crise é uma oportunidade para os chineses”, assegura C. M. So, director da Companhia de Consultadoria, Investimento e Imigração Portugal, Limitada, com sede em Macau, que não faltou ao road show de Outubro. “Vim recolher informação para depois apresentar aos nossos clientes.” Aos que manifestarem interesse e disponibilidade, So promete levar a conhecer Portugal sem obrigações, “para ficarem com uma ideia do país ao nível da economia, do investimento e da cultura”. E não tem dúvidas de que serão os chineses do Interior do País a aderir em força e não tanto os de Hong Kong.
Concorrência já vem tarde
Portugal foi o primeiro país da União Europeia a lançar este programa, mas há mais países na corrida, como o Chipre, a Espanha e a Irlanda. E são competitivos na oferta. Os espanhóis, por exemplo, começaram por garantir como uma das condições para o visto a aquisição de imóveis no valor de apenas 160 mil euros, o que “foi entretanto corrigido para os 500 mil” como em Portugal, conforme explicou António Duarte Guerreiro, director geral do grupo Entreposto.
Segundo So, “Portugal é apelativo aos homens de negócio chineses”, porque pertence à Europa, com quem já têm relações comerciais. “Embora o Chipre, Hungria, Grécia e outros países tenham desenvolvido políticas de imigração que também são atractivas, Portugal é mais conveniente, porque não é preciso permanecer muito tempo no país (apenas sete dias por ano), é seguro e tem um bom ambiente de vida”, explica o empresário.
Além disso, as consultoras portuguesas fazem o serviço completo, não abandonando os detentores de visto após a compra. Soares de Oliveira garante “apoio de A a Z” após a compra do imóvel das imobiliárias que representa. As casas em carteira têm de cumprir alguns critérios, como sejam a boa localização geográfica, o potencial de “sociabilização com a comunidade chinesa local” ou a proximidade de serviços para “manutenção da casa”. E são, sobretudo propriedades de luxo. Mas nem tudo é perfeito no visto “eldorado”. A lei portuguesa ainda pode melhorar, avisam. “O problema que se tem notado é o facto de haver renovações custosas e constantes”, explica Duarte Guerreiro. Também Vítor Sereno admite que o programa “tem de ser burilado à medida que as dificuldades forem surgindo”.
Números dourados
226 vistos dourados emitidos
21% em transferência de capital
205 compra de imóveis
252 autorizações de residência a familiares dos detentores do ARI
Total de 478 vistos emitidos
143 482 470,93 milhões de euros
25 046 552,82 em transferência de capitais
118 435 918,11 em compra de imóveis
Condições de candidatura
Os candidatos ao visto dourado têm de pelo menos satisfazer um dos seguintes requisitos:
– compra de imóveis no valor igual ou superior a 500 mil euros (5,4 milhões de patacas)
– transferência de capital igual ou superior a 1 milhão de euros (10,7 milhões de patacas)
– criação de uma empresa com pelo menos 10 postos de trabalho
Processo de candidatura
É nos postos consulares portugueses que se dá o mote ao processo do visto dourado. Aí se recolhem as informações detalhadas sobre as autorizações especiais. O candidato pode também pedir um visto para circular no espaço Schengen por um período de 90 dias e assim visitar Portugal para fazer a necessária prospecção de mercado. Para pedir o visto dourado, basta apresentar a candidatura nos Serviços de Estrangeiros e Fronteiras que analisam o caso e decidem sobre a atribuição do documento.
História a olhos vistos
O regime especial de Autorização de Residência para Investimento (ARI), conhecido como visto dourado, foi criado em Setembro de 2012 em conjunto pelos ministros de Estado e dos Negócios Estrangeiros e da Administração Interna. O diploma foi implementado por esses dois órgãos do governo, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras e pela Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP) e entrou em vigor em Outubro desse ano. À época foi constituído um grupo de acompanhamento para analisar a aplicação da lei e recomendar melhorias e adaptações a fazer.
A medida, pioneira na Europa, foi bem acolhida mas sofreu entretanto algumas alterações com vista a simplificar o regime. Entre essas modificações consta uma nos requisitos mínimos de aplicação. Assim, em vez da criação de 30 postos de trabalho, os candidatos passaram a só ter de garantir a criação de empresas com apenas dez empregos.
Também os requisitos relativos à aquisição de imóveis foram alterados. Antes a lei previa que esses só poderiam ser comprados livres de quaisquer encargos. Agora, os investidores podem comprar em conjunto (ainda que o requisito do valor mínimo do investimento se mantenha nos 500 mil euros por cada um dos comproprietários). Passa ainda a ser possível realizar contrato-promessa, onerar os imóveis a partir de 500 mil euros e arrendar ou explorar os imóveis adquiridos com objectivo comercial, agrícola ou turístico.
De notar que só são considerados para este visto os cidadãos que não pertençam ao território da União Europeia ou do espaço Schengen.
Uma vez atribuída, a autorização de residência para investimento tem carácter temporário. Ou seja dura apenas um ano, sendo renovável por mais dois períodos de dois anos e por um final de um ano. Passados esses seis anos, os portadores do visto dourado podem requerer a nacionalidade portuguesa, mediante prova de conhecimento suficiente da língua portuguesa, o que está previsto na lei.
O investimento feito à cabeça tem de ser mantido durante todo esse tempo. Pode ainda ser pedido ao investidor que comprove a sua permanência em Portugal pelo período exigido (pelo menos sete dias por ano). Também os familiares mais próximos do portador do visto dourado pode requerer o mesmo documento.