Luís Gonzaga Gomes, um filho da terra

A sua obra é o exemplo de uma profícua actividade social e cultural e do seu empenho em desvendar o mundo do Outro, desfazendo equívocos que provocavam mal estar e, assim, aproximando portugueses e chineses.

 

Luis Gonzaga Gomes

 

Lurdes Escaleira

Professora-Adjunta do Instituto Politécnico de Macau

Han Lili

Assistente do Instituto Politécnico de Macau

 

Luís Gonzaga Gomes (1907 – 1976) nasce em Macau no seio de uma família culta e informada, economicamente desafogada, com gostos musicais e artísticos requintados (Aresta, 2001:1535). Estudou no Liceu de Macau, tendo sido aluno de Camilo Pessanha, José da Costa Nunes, Manuel da Silva Mendes, Mateus António Lima, entre outros intelectuais e, posteriormente (1925-1933), estudou tradução português-chinês na Escola de Língua Sínica.

Profundo conhecedor da língua e da cultura chinesas foi tradutor-intérprete principal da Repartição do Expediente Sínico, professor e director da Escola Primária Oficial Pedro Nolasco da Silva, conservador do Museu Luís de Camões (actual Museu de Arte de Macau) e director da Biblioteca Pública de Macau. A sua obra é o exemplo de uma profícua actividade social e cultural e do seu empenho em desvendar o mundo do Outro, desfazendo equívocos que provocavam mal estar e, assim, aproximando portugueses e chineses[1].

Sempre que se invoca este vulto macaense é realçado o seu contributo enquanto escritor, sinólogo, tradutor, filólogo, historiador, musicólogo, professor e colaborador de vários círculos intelectuais e culturais e da imprensa escrita, no entanto, tal como afirma Aresta (2001:1540-1541), Gonzaga Gomes foi sempre um Professor, desde a Escola até à tribuna da imprensa, passando pelas actividades sociais em que se empenhou, afirmando-se pelo seu esforço em compreender o mundo chinês, no qual Macau se inseria[2].

Notável investigador de Macau deixou-nos uma vasta bibliografia que, segundo Aresta (2001) se insere no campo da linguística, tradução de obras de chinês para português e vice-versa, estudos sobre a cultura chinesa, estudos sobre a história e a cultura de Macau e, ainda, História de Portugal, escrita em chinês.

Acerca da língua chinesa, Gomes afirmou ser esta língua riquíssima em tropos o que dificulta, enormemente, a sua aprendizagem. Sem o conhecimento das expressões metafóricas chinesas dificilmente se consegue apreender o sentido de certas frases empregadas pelos nativos, no seu colóquio quotidiano[3]. Para ajudar os tradutores a ultrapassar esta dificuldade publicou um conjunto assinalável de obras: Vocabulário Cantonense-Português (1941), Vocabulário Português-Cantonense (1942), O Estudo de Mil Caracteres (1944), Em Torno do Vocábulo Tou (1951), Citações Chinesas (1953), Vocabulário Português-Inglês-Cantonense (1954) e Noções Elementares da Língua Chinesa (1958).

Para além de um número considerável de traduções de obras chinesas[4] de referência para a língua portuguesa e de duas obras portuguesas[5] para a língua chinesa, publica, a partir de 1943, numerosos estudos versando a cultura chinesa e a história e cultura de Macau. Em 1955, publica, em língua chinesa, a História de Portugal.

A nível da sua participação na imprensa dirigiu e publicou o Boletim do Instituto Luís de Camões (nove volumes), os Arquivos de Macau (12 volumes), foi secretário-geral e redactor do jornal diário Notícias de Macau, chefe de redacção e administrador da revista Renascimento, colaborador da revista cultural Mosaico[6] e correspondente da Agência Noticiosa de Informação.

Gonzaga Gomes, um distinto vulto macaense, ajudou a compreender e a decifrar alguns enigmas da pragmática chinesa (Barreira[7], 1994),  colocando na sua visão da vida macaense e sobretudo das lendas e superstições chinesas (…) uma ponta de humor risonho a temperar a aparente ingenuidade da narração (Gomes, 1979).

A mestria da língua falada reflecte-se, positivamente, nas suas escritas e traduções e isto é particularmente visível na linguagem empregada por Gonzaga Gomes, na descrição dos acontecimentos e contos chineses, Lendas e factos de Macau, Curiosidade de Macau Antiga, Chinesices, entre outros livros, muito próxima do registo linguístico dos narradores populares. Recorrendo ao emprego de um enorme número de advérbios e adjectivos[8], na transposição cultural dos contos chineses para português, Gomes marcou o seu estilo com forte sabor chinês, apesar de o texto ser redigido em português.

O seu contributo para o estudo  de lendas, costumes, tradições e mentalidades dos homens e da história [da China] permitiu consolidar uma matriz interpretativa com a qual se identificava e que era mutuamente enriquecedora das comunidades de Macau (Aresta, 2001:1541). A sua vasta obra permite-nos conhecer e compreender a vida da sociedade de Macau e factos determinantes da história deste recanto onde o Oriente e o Ocidente se cruzaram e convivem há largos séculos.

 

Referências Bibliográficas

Aresta, A. (1997). A Sinologia Portuguesa: Um Esboço Breve. Revista de Cultura n.32, pp.9-18.

Aresta, A. (2001). O Professor Luís Gonzaga Gomes e a Divulgação Pedagógica Da Cultura Chinesa. Revista Administração N.º 54, pp. 1535-1558.  

Barreira, N. (1994). Ou Mun: Coisas e Tipos de Macau. Macau: Instituto Cultural de Macau.

Gomes, Luís Gonzaga, Revista MOSAICO, Círculo Cultural de Macau, Setembro de 1950 a Fevereiro de 1951, números 13-24, pp. 392-393. Macau: Fundação Macau (edição), 2000.



[1]Esta tarefa, que parece ter tomado como uma indeclinável responsabilidade ética, permitiu encaminhar os macaenses e os portugueses metropolitanos não só para uma maior compreensão mútua, reconhecendo raízes e afectos no labirinto da história, mas, sobretudo, para encorajar todas as tentativas sérias de conhecimento da cultura e civilização chinesas (Aresta:2001:1541).

[2]Em 1951, oGovernadorAlbano de Oliveira manda publicar um louvor público, ao Professor Primário Luís Gonzaga Gomes pelas excepcionais qualidades de inteligência, trabalho e dedicação pelo serviço, de que sempre deu provas no exercício das suas funções e, ainda, pela excelente colaboração prestada para uma maior aproximação luso-chinesa, através da publicação de vários trabalhos sobre temas chineses, em que se revelou como investigador muito competente e erudito (Boletim Oficial de Macau citado por Aresta, 2001:1538).

[3] Tropos Usados na Gíria Chinesa. MOSAICO, Círculo Cultural de Macau, números 13 -24, pp. 392-393.

[4]O Clássico Trimétrico (1944), O Clássico da Piedade Filial (1944), As Quatro Obras (1945), Ou Mun Kei Leok (1950), Livro da Via e da Virtude de Láucio (1952), entre outras.

[5] Em 1959,  Mensagem, Fernando Pessoa e, em 1972, Os Lusíadas Contados às Crianças, João de Barros.

[6] Gonzaga Gomes foi um dos membros fundadores do Círculo Cultural de Macau, associação cultural de matriz portuguesa fundada em 1950 e responsável pela edição da Revista Mosaico.

[7]Ninélio Barreira na dedicatória de Ou Mun: Coisas e Tipos de Macau de Luís Gonzaga Gomes, 1994.

 [8] Vidé artigo Han Lili Estratégias Narrativas de Luís Gonzaga Gomes na Obra Curiosidade de Macau Antiga, não editado.