Texto e fotos José Simões Morais
Estamos para sair de Zhaoqing quando ouvimos falar do templo da Mãe Dragão, que fica em Yuecheng, na parte central da Província de Guangdong, a meio caminho da cidade de Deqing. O autocarro acompanha o terceiro mais longo rio chinês, Xijiang, enquanto, no outro lado, encostas de montanhas vão-se sucedendo. A estrada atravessa poucas povoações, mas próximo do nosso destino uma feira ocupa as ruas de uma aldeia, levando a viagem a demorar muito mais do que esperávamos. Vamos com pressa, pois nesse dia, o oitavo do quinto mês lunar, assinala-se o aniversário de Long Mu e não queremos perder as cerimónias.
A viagem dura já uma hora quando, numa curva, vemos um pequeno curso de água e à frente um amplo recinto, adornado no meio por um paifang envolto em fumo e pessoas, onde se faz o rebentamento de panchões. Pouco depois somos deixados na estrada em frente a um hotel, com a indicação de caminhar pela estreita rua para chegar ao templo. As tendas com incenso, papéis votivos e estátuas de deuses ocupam ambos os lados e escondem as casas da povoação.
O nome de Yuecheng apareceu no ano de 362, durante a dinastia Jin do Oeste, e por essa altura pertencia ao concelho de Jinkang (actual Deqing), estando relacionado com a história de Long Mu. O significado de Yue é de encanto e de Cheng, lugar, já que a história da deusa era já nessa altura muito popular e os habitantes do local viviam uma feliz existência. Anteriormente era chamado Chengshui, o lugar da água.
É em frente ao Templo da Mãe Dragão que três pequenos ribeiros, Yuecheng He, Yang Liu Shui e Jiangshui, desaguam no rio Xi. Ao contrário do esperado, aqui a junção das águas cria um espelho sem a ondulação e turbulência normal que ocorre nestas circunstâncias.
Em torno do templo encontram-se cinco colinas, conhecidas por Wu Long Shan (montanha dos Cinco Dragões), havendo uma montanha por trás mais alta, conhecida por Jin Ji Ling (Montanha do Galo Dourado). Daí se pode ver o templo como uma pérola, protegido por cinco dragões e um espelho formado pelas tranquilas águas. Na outra margem, duas colinas (Huangqishan, montanha da Bandeira Amarela e Qingqishan, montanha da Bandeira Verde) parecem estar em reverência. Com tal visão, os viajantes que aqui passaram em tempos antigos escreveram inúmeros poemas.
A história de Long Mu
Segundo diz a lenda, um dia no ano de 290 a.C. o pescador Liang San de Chengshui estava a pescar no Xijiang quando observou um tronco cavado a descer o rio. Ao aproximar-se encontrou uma recém-nascida no interior do tronco e com algum custo conseguiu resgatá-la. Cuidou da bebé, que ficou conhecida por Long Mu, a Mãe Dragão. Nesta história lendária subentende-se que a criança pertencia a uma tribo cujo totem era o dragão (Long) e vivia ainda matriarcalmente (Mu), estando por essa altura a realizar a passagem para o patriarcal. A tribo terá vindo do Norte da China, navegando até Guangxi e daí pelo rio Xi chegou a Chengshui.
Outra versão foi contada na dinastia Song, quando o templo se chamava Xiao Tong, que significa respeito pelos antepassados e amor filial. Long Mu Liang Liang, cujo apelido era Wen, vivia no concelho de Jinkang, povoação de Chengshui. Os seus antepassados eram de Tengxian, na actual província de Guangxi. O pai, Wen Tian Rui, quando viajava por Nanhai encontrou a sua mãe, cujo apelido era Liang, proveniente de Chengshui. Tiveram três filhas, sendo Long Mu a do meio, que à nascença era já uma rapariga muito bonita e trazia cabelos compridos. Ainda jovem tornou-se perita na tecelagem, sendo frequente vê-la a olhar para o céu parecendo estar a falar com alguém. Porém, vivia isolada numa gruta onde passava longos períodos em meditação e de jejum. Muitas pessoas vinham perguntar-lhe sobre o futuro e devido aos seus poderes de adivinhação era tratada com muita reverência.
Aqui entra outra história também tauista. Lai Puyi, um geomante de Jiangxi, seguia uma poderosa corrente de energia quando, pelo convergir de vários desses veios auspiciosos, chegou à encosta do monte de Zhushang em Yuecheng. Sentindo a concentração de um grande poder, entrou na gruta conhecida por Boca do Dragão. Aí, Long Mu, uma jovem ermita, procurava a imortalidade pela purificação do espírito, vivendo em reclusão e distribuindo amor aos seres seus companheiros.
Ao encontrar ocupado o lugar com que durante a sua demanda vinha sonhando, Lai Puyi procurou entender o estado de espírito de Long Mu e para tal usou poderes mágicos. Afirmando o direito de ter encontrado tal fonte, pois aí deixara uma moeda com um furo quadrado ao centro a marcar o lugar, logo Long Mu lhe replicou que já antes tinha lá deixado uma agulha. Depois de confirmar o facto, Lai Puyi deu-se por vencido, renunciou ao lugar tão privilegiado onde hoje se encontra o Templo da Mãe Dragão, e partiu.
Mãe dos Dragões
Voltamos à versão contada na dinastia Song. Um dia quando Long Mu foi pescar ao rio encontrou um ovo muito grande, onde de dentro saía um intensa luz. Feliz, trouxe-o para casa e no dia 27 do sétimo mês lunar o ovo abriu-se e daí saíram cinco serpentes. Viviam dentro da água e Long Mu alimentava-as como uma mãe. Quando as serpentes cresceram, Long Mu passou a criá-las no rio. Quando pescava, os animais ajudavam-na. No dia em que apareceram grandes peixes, as cinco serpentes os rodearam ajudando assim a mãe a capturá-los. Long Mu tentou apanhar um, mas a faca cortou a cauda do seu filho mais velho e logo todos desapareceram. Anos depois regressaram, trazendo já cornos na cabeça, o corpo com escamas e quatro pernas, cada um com cores diferentes. Só então Long Mu percebeu que os seus cinco filhos eram dragões. O governador reportou tal acontecimento ao imperador e Qin Shi Huang ficou muito contente enviando ouro e jade para a convencer a casar com ele. Long Mu rejeitou tal pedido, mas foi forçada a fazê-lo, já que os desejos do imperador eram ordens. Quando o barco chegou a Shi An (actual Guilin) parecendo ser movido por forças estranhas, deu meia volta e regressou a Chengshui. Por três vezes foi repetida a viagem, mas aconteceu sempre o mesmo. Reportado o acontecimento ao imperador, este percebeu que nada havia a fazer e aceitou deixar a rapariga em paz.
Já o livro Guangdong XinYu, escrito por Quda Jun durante a dinastia Qing, refere que, ao fim da quarta tentativa, Long Mu chegou a Chengshui desesperada por o imperador não a deixar em paz, por isso atirou-se às águas do rio Xi afogando-se. Apareceu então o dragão responsável por a embarcação não chegar à capital e com a areia fez-lhe um túmulo. Uma tempestade levantou-se e levou o túmulo para o lugar onde ele hoje se encontra.
Retomando a versão anterior, Long Mu alimentava um veado branco, mas este gostava de fugir e ir comer o arroz que secava na eira dos vizinhos. Farta dos queixumes dos vizinhos que se propunham a dar cabo do veado se ela não tivesse mão nele, resolveu cortar-lhe uma perna e colocá-lo na outra margem. Um dia foi de barco visitar o veado, mas a embarcação afundou-se e, como não regressou à tona, as pessoas pensaram ter-se afogado. Mas no dia seguinte ela apareceu e querendo saber onde estivera, ouviram como resposta ter ido visitar os filhos.
Um ano depois, ficou doente e morreu em 210 a.C. No seu funeral, apareceram cinco homens vestidos com diferentes cores, que se mostraram muito condoídos, chorando sem parar. O corpo foi sepultado na colina de Qingqishan, a montanha da Bandeira Verde. Uma noite, de repente, formou-se uma grande tempestade, da água levantaram-se ondas enormes com raios. Ouviu-se durante toda a noite o som dos gongos e tambores e uma multidão a chorar. No dia seguinte, as pessoas viram com espanto que o túmulo de Long Mu tinha mudado para a outra margem, onde hoje se encontra sepultada.
O templo
Lai Puyi regressou e instalou-se próximo, demonstrando a sua admiração à Mãe Dragão ao prestar-lhe cultos diários. O túmulo exalava um suave perfume, atraindo a curiosidade dos aldeãos. Quando abriram o túmulo, viram o corpo incorrupto de Long Mu. Alcançara a imortalidade, pelo que passou a ser invocada pelo povo nas suas aflições e os pedidos feitos à deusa, logo que não sejam de riqueza material, realizam-se.
No templo construído junto ao túmulo entre as dinastias Qin e Han, as pessoas encontravam no recinto um veado branco com três pernas e duas grandes serpentes, enquanto nas proximidades do túmulo estavam outras três, mais pequenas. Quando as pessoas ofereciam vinho às serpentes, estas bebiam-no. Se houvesse música, mais elas bebiam, por isso passaram a designar este templo como Wu Long Miao (Templo dos Cinco Dragões). Desde então poucas inundações houve nessa área e por isso, todos os que vivem nas margens do rio Xi oferecem sacrifícios a Long Mu, como deusa do rio Xi.
O primeiro imperador Han, Gaozu, ofereceu a Long Mu o título Cheng Xi Fu Ren em 195 a.C. Nessa altura, Yuecheng tinha o nome de Chengxi e FuRen era usado como forma de respeito para designar “senhora”. Por ordem do imperador, foi celebrado um grande funeral em homenagem a Long Mu.
Em 904, o imperador Tang Ai Di conferiu-lhe o título Yong An Fu Ren, que em 905 mudou para Yong Ning Fu Ren, sendo nesta dinastia o templo reparado. Em 1078, durante a dinastia Song, foi-lhe dada outro título, Yong Ji Fu Ren, e em 1375, no período Ming, passou a ser Cheng Xi Long Mu Liang Liang. Já na dinastia Qing contava com 22 caracteres. Em 1666 o templo foi reconstruído, sendo o actual de 1907. Desde 2001 é uma relíquia cultural sobre protecção nacional.
A construção do templo foi feita com uma tal perícia que está resguardado de inundações, do fogo, preparado contra os tremores de terra e de todos os insectos, como a formiga branca. Quando há cheias e a água galga as margens, esta vem cheia de sujidade, mas quando se aproxima do túmulo fica pura e límpida. No meio do enorme pátio do recinto, um paifang foi edificado em 1449 como porta de entrada.
A deusa fará desaparecer quem colher, sem a sua permissão, uma flor (lanhua) que existe nas montanhas em redor. O mesmo acontece às árvores cujo espírito (ling) é de Long Mu e, se não lhe for pedida permissão para as cortar, não as podem levar. Conta a lenda que certa vez um marinheiro, cujo barco tinha o leme partido, foi ao templo e após uma oferenda a Long Mu seguiu logo para a floresta onde abateu uma árvore, usando a madeira na construção de um novo leme. Com o barco arranjado seguiu viagem e após um navegar seguro, já no destino reparou que o leme tinha desaparecido. Logo um peixe muito inchado saltou para o convés da embarcação; o marinheiro abriu-o e aí encontrou o dinheiro que tinha deixado no templo.
Para os tauistas, Long Mu tornou-se uma imortal no dia 8 do oitavo mês lunar. No ano de 1999, no primeiro dos oito dias das celebrações à deusa, após o final das orações realizadas no interior do templo, às 16 horas as pessoas seguiam para o grande átrio e começaram a ver formar-se a partir das águas do rio uma brilhante áurea branca. Esta foi-se elevando sobre o templo, rodopiou pelas cinco colinas dos dragões e depois desapareceu, ficando o fenómeno registado em fotografia. As centenas de crentes que por essa altura aí se encontravam logo se ajoelharam para homenagear a deusa que dessa forma se revelara.
Em muitas povoações ao longo das margens do Xijiang existem templos dedicados a Long Mu e, apesar de em Macau, por onde passa um dos ramais do delta do rio Oeste, não haver nenhum templo dedicada à deusa, encontra-se a sua imagem nos templos de Nuwa e Lin Fong.