O arrojado plano para reciclar água

O Governo revelou um ambicioso projecto para reutilizar água e convencer tanto os habitantes como as empresas a pouparem este bem precioso

 

Agua

 

Texto Ou Nian-le / Macao magazine

 

No início de Janeiro, o Grupo de Trabalho sobre o Desenvolvimento de uma Sociedade de Conservação da Água (GT) apresentou um plano de dez anos (2013-2022) que propõe a construção de duas unidades de reciclagem de água. Esta água deverá constituir dez por cento do consumo total na RAEM em 2022. “A falta de água doce é um dos maiores problemas mundiais”, afirma a encarregada do plano, Susana Wong Soi-man, líder do GT e directora da Capitania dos Portos. “Macau tem um problema sério de falta de água doce e as nossas fontes estão sob ameaça constante de contaminação por água salgada. Devido ao rápido desenvolvimento económico e à dramática subida de visitantes, o consumo nos últimos anos também aumentou bastante depressa. Apesar de a cidade receber muita água proveniente do interior do País, é nossa responsabilidade poupá-la e usar os recursos naturais de forma mais sustentável.”

O consumo diário na RAEM atinge entre 240 mil e 250 mil metros cúbicos. Wong calcula que em 2022 este valor passe a 300 mil, devido ao crescimento da indústria do turismo e à construção de mais hotéis de grande dimensão e resorts de casinos. Toda a água de Macau própria para beber vem do interior da China. Tal não é problema durante a estação chuvosa, entre Março e Setembro. Porém, na época seca, entre Outubro e Fevereiro, as águas fluviais aproveitadas na RAEM têm índices salinos muito altos. Nesse período, é necessário transferir água potável para a região. Com o apoio e a coordenação dos respectivos departamentos no continente, a água é transferida a partir de reservatórios em Cantão, Guangxi e Guizhou, ajudando assim a superar o problema da salinidade em Macau.

“Sentimos que devemos fazer mais e encontrar novas maneiras de gastar menos água”, realça Wong. “Devemos sensibilizar o público a poupar água, instalando equipamentos que reduzam o consumo e utilizando o mecanismo do preço para fazer as pessoas perceberem o bem precioso que é.”

 

Pesquisa em reciclagem

Desde 1 de Janeiro de 2011 que o GT implementou um novo sistema de cobrança da conta da água. Foi fixado o preço mais baixo pelo fornecimento básico aos residentes. Só se consumirem acima da quantidade estipulada nesse pacote é que pagam mais. Ou seja, um sistema onde quem poupa menos é mais penalizado. As empresas pagam mais do que os cidadãos e o preço mais alto é cobrado aos casinos e outros utilizadores de consumo em grande quantidade.

No ano passado, o GT iniciou uma pesquisa exaustiva sobre os ganhos obtidos com a reciclagem. Visitou Japão, Austrália e Singapura, para ver de perto o trabalho na área desenvolvido por estas nações. Uma companhia deste último país, a CPG Consultants Pte Ltd, foi contratada para fazer pesquisa em Macau. “Singapura lidera esta área na Ásia”, explica Wong. “Define a água reciclada como ‘água nova’, colocando-a num patamar mais elevado do que a própria água para beber. Cerca de 30 por cento é usada na indústria, incluindo na área dos semiconductores. Os níveis de poupança são enormes.” O GT recorreu à pesquisa efectuada pela CPG Consultants Pte Ltd para elaborar o plano apresentado em Janeiro.

 

Projecto de uma década

O plano do GT implica um investimento de 500 a 600 milhões de patacas, a maior parte para custear as duas unidades de reciclagem de água. A primeira será construída em Coloane e terá uma produção diária de 12 mil metros cúbicos, a partir de 2015. Esta água irá fornecer a área de habitação pública em Sec Pai Van e o novo campus da Universidade de Macau, na Ilha da Montanha. Todas as casas em Sec Pai Van estarão equipadas com canalizações para água reciclada, distinguindo-se pela sua cor púrpura. “Os sistemas de água reciclada e doce são separados, sem qualquer ligação”, garantiu Wong. “A água reciclada será só para autoclismos, jardins e fontes ornamentais, nunca para beber.”

Como a água vinda das estações de tratamento precisa de canalização própria, este sistema não pode ser usado nas áreas residenciais já existentes. Só em novas propriedades. O que não é pouco, porque incluem casinos gigantescos a erguer na Taipa e os prédios que serão feitos nos 350 hectares de terra que Macau vai tirar ao mar na próxima década.

A segunda unidade de reciclagem está prevista para entre 2020 e 2022, na Península de Macau. A sua produção diária foi calculada em 40 mil metros cúbicos de água tratada, para fornecer prédios na área da Península e no norte da Taipa. Esta estação poderá ficar numa das zonas de novo aterro.

Com a conclusão das duas estações, o GT prevê que a água reciclada cubra dez por cento do consumo total, em 2022. “Faremos leis e regulamentos que obriguem os construtores civis a instalar os equipamentos para a água reciclada nos seus projectos. Não é sequer um grande investimento. Estamos em contacto com eles, a protecção ambiental beneficia-os, assim como às suas marcas.”

O Governo espera completar até ao fim do ano um estatuto para regular o serviço de fornecimento de água reciclada. No ano seguinte, será feito um concurso público. O futuro operador obterá os seus lucros a partir da venda do serviço a residentes, empresas e Governo. O GT será responsável pelo fornecimento da água reciclada, enquanto a Direcção dos Serviços de Protecção Ambiental zela pela sua preparação.

 

Boa resposta

A líder do GT considera que a resposta do público ao sistema de preços da água lançado no dia 1 de Janeiro de 2011 foi favorável. “Nos últimos dois anos, o consumo dos utilizadores domésticos desceu um por cento. O consumo médio diário em Macau é de 150 metros cúbicos por pessoa, o mesmo de Singapura e abaixo dos 180 em Hong Kong. Em Singapura, o objectivo é descer para 140.”

Os idosos são mais frugais no uso da água do que os seus netos adolescentes, que gastam duas a três vezes mais, porque não sentem necessidade de poupar. A redução do consumo não foi similar nas empresas. “Não houve oposição aos preços mais altos, porque a água ainda ocupa um lugar muito pequeno nas despesas que os empresários têm.”

O GT convidou responsáveis dos 30 maiores hotéis da cidade e mostrou-lhes equipamentos de poupança de água para chuveiros, sanitas e outras aplicações. “Envolve um gasto inicial para o hotel, mas traz uma poupança de consumo na ordem dos 30 a 40 por cento. É um bom investimento.”

Quatro dos hotéis – Venetian, Melco Crown, Westin Resort e Grand Lapa – instalaram equipamentos de poupança de água nos chuveiros, equiparam as sanitas com sistemas inteligentes de descarga de autoclismo e instalaram torneiras com auto-sensores, que limitam o fluxo. Usam a água das piscinas para os autoclismos e construíram torres para recolha de água da chuva, com que regam os jardins. Também lançaram campanhas internas para sensibilizarem os seus empregados a poupar.

Desde que aplicou estas medidas, o Venetian poupou 342 milhões de metros cúbicos de água, quantidade que daria para encher120 piscinas olímpicas. “Os hotéis são grandes apoiantes do nosso plano, em especial os mais recentes”, revela Wong. “Têm as competências necessárias. Alguns instalam mesmo medidores do consumo de água em diferentes secções do hotel, para ver quem gasta menos, encorajando assim o pessoal a poupar. É bom para a imagem do hotel. Nós iremos premiar quem mais se destacar.”

A responsável do GT prevê uma subida anual da utilização da água de quatro a cinco por cento para os próximos dez anos em Macau. Entre os grupos de consumidores individuais, o maior é o dos turistas que chegam à RAEM. Só no ano passado vieram 28 milhões, dos quais 25 milhões eram do Continente, de Hong Kong e de Taiwan. Wong diz que é complicado sensibilizar os turistas. “Temos publicidade nos pontos de entrada em Macau – pósteres, filmes e postais –, explicando a importância de poupar água. Contudo, desconhecemos o seu grau de eficácia. Não é fácil mudar hábitos de um dia para o outro.”

 

Em negociações

Macau compra água à China segundo o Acordo de Fornecimento de Água, pagando 2,07 patacas por metro cúbico. Segundo esse acordo, o preço deve ser ajustado a cada três anos. O ano de 2013 marca o fim de mais um triénio, por isso o GT irá negociar o novo acordo, para o período 2014-2016.

O preço é estabelecido tendo em consideração vários índices, incluindo o preço para o consumidor e os preços da água e da electricidade no interior do País. “Antevejo um aumento de cerca de 15 por cento no próximo contrato”, diz Wong.

Após receber a água vinda do Continente, as unidades sob supervisão da Sociedade de Abastecimento de Águas de Macau processam-na, antes de distribuí-la pelos consumidores locais. Estes não pagam o valor real da água, porque o Governo suporta um subsídio. No ano passado, atingiu 1,25 patacas por metro cúbico, correspondendo a 95 milhões de patacas gastos em 2012 por esta razão. Wong revela que esta política é para manter e que, com o esperado aumento do preço em 2014-2016, o subsídio governamental também deve crescer.

O GT quer estabelecer o preço da água reciclada a 85 por cento da água potável, para estimular o seu consumo. Porém, também não quer que o seu preço seja muito baixo, para que os consumidores entendam que se trata de um valioso activo. O plano do GT pretende ajudar Macau a ser uma cidade mais verde e a população mais consciente da importância da água, um recurso imprescindível no seu dia-a-dia.