À distância de uma pincelada

A relação comercial entre a China e os países de língua portuguesa está a começar a desbravar novos caminhos. Artistas lusófonos estão atentos à expansão do mercado de arte chinês. Há todo um mundo por explorar

 

 

 

Arte Lusofona

 

Texto Alexandra Lages

 

A Feira Internacional de Arte de Hong Kong é a mais importante de todo o continente asiático. Na sua última edição, que decorreu em Maio de 2012, de entre as 266 galerias oriundas de 39 países e regiões, três vinham do Brasil, todas de São Paulo, e uma de Portugal. Eram na sua maioria estreantes. E, antes mesmo da feira arrancar, já sabiam que queriam voltar na edição seguinte. Sem grandes expectativas de fazer negócio, para já, as galerias lusófonas querem apalpar terreno e estabelecer contactos.

A Casa Triângulo foi fundada há 25 anos em São Paulo. Depois de participar em várias feiras internacionais pelo Ocidente e algumas no Japão, o director da Casa Triângulo, Ricardo Trevisan, quer explorar novos mercados.  “A gente participa em várias feiras pelo mundo inteiro e a Ásia é um novo mercado. Viemos sem grandes expectativas de vender milhões, porque o mercado asiático está em ascensão”, explica Trevisan.

O primeiro passo é analisar o mercado e avaliar para que tipo de negócio se poderá avançar. “Queremos começar a desenvolver um novo relacionamento e acreditamos que a feira é uma boa oportunidade para fazer uma troca com o mercado asiático”, explica o responsável.

Além da China, esta galeria brasileira está ainda a apontar armas para o Japão, Singapura e Austrália. “Queremos uma troca cultural e também de coleccionismo e vendas. Hong Kong funciona muito como essa porta para o mercado asiático e da Oceânia. A maioria dos nossos contactos asiáticos era no Japão e a ideia é poder expandir.”

 

Aproximar culturas

A galeria brasileira Nara Roesler também se exibiu pela primeira vez na Ásia este ano. “Temos participado em várias feiras internacionais, mas nunca tínhamos estado na Ásia. Achamos que o Continente tem um potencial de crescimento muito grande, porque o mercado de arte contemporânea na Ásia está crescendo de mais”, diz o director do espaço, Alexandre Roesler.

Como as relações comerciais entre Brasil e China estão cada vez mais maduras, Roesler acredita que chegou a altura de expandir a visão de negócios e parcerias, com a arte a puxar o carro. “O Brasil tem hoje a China como maior parceiro comercial, maior do que os Estados Unidos. Achamos que é preciso também na arte estreitar mais essas relações.”

Roesler está a contar que a primeira experiência seja difícil, apesar de ter fechado alguns negócios. “As pessoas costumam comprar aquilo que conhecem. A maioria dos chineses não conhece nem a nossa galeria, nem a maioria dos artistas. Então temos de explicar, para eles irem para casa pesquisar”, salienta.

É sempre uma aventura na primeira vez, diz o director da galeria, que está à procura de contactos com curadores, coleccionadores ou museus. “Queremos continuar a estabelecer contactos com a China. Esta relação com os mercados externos é sempre construída com o tempo. Isso aconteceu com todos os mercados onde fomos. É preciso voltar para as pessoas nos conhecerem melhor. É uma relação de longo prazo e vamos continuar a vir a Hong Kong nos próximos anos.”

Ao contrário das outras duas galerias de São Paulo, a Mendes Wood participou pela segunda vez na feira de Hong Kong. Este é o certame que interessa mais a Matthew Wood, um dos proprietários. Wood não tem ilusões de fazer grandes negócios. Quer apenas representar o Brasil e dar a conhecer os seus artistas, numa primeira fase. “Eu, na verdade, não estou aqui só pelo mercado. Isso é algo a ser construído ao longo do tempo. Não tenho expectativas de que o mercado asiático e o chinês especialmente se vão abrir muito facilmente. Eles compram os grandes nomes europeus e americanos. O Brasil realmente não existe para eles, é uma coisa totalmente imaginária,” admite.

É de nacionalidade norte-americana, mas reside no Brasil há três anos e tem sócios brasileiros. Fala português fluentemente, mas está concentrado na expansão além-fronteiras. “Faço a gestão da parte internacional da galeria. Como brasileiros, ainda não conquistámos um espaço muito grande fora do Brasil. O espaço devido e merecido. As notícias que chegam da Ásia são histórias estratosféricas de que o mercado asiático ultrapassou qualquer outro mercado em valores. Mas as pessoas mais interessadas têm conhecimento de que é um mercado novo, que tem regras diferentes, dados obscuros que são conflituosos,” explica Wood.

Alexandre Roesler lembra que existe um desconhecimento mútuo entre a China e o Brasil em termos artísticos. “O mercado brasileiro também não conhece os artistas chineses, talvez só o Ai Wei Wei. Praticamente não tem acesso à arte chinesa. O mercado chinês compra muito a arte chinesa ou blue chips como Picasso ou Andy Warhol. Compra muita marca. Temos que resolver melhor essa questão para também transformarmos os nossos artistas em marcas reconhecidas aqui”, afirma.

No futuro, “tudo vai mudar, mas é uma questão de tempo e insistência,” continua o proprietário da Mendes Wood. O director acredita que são precisos pelo menos cinco anos para construir um mercado na China.

 

A fugir da crise

O mercado de arte brasileiro, à semelhança do chinês, está a crescer ao sabor do desenvolvimento económico. Nos últimos dois anos, Rodrigo Editore, proprietário da Casa Triângulo, tem visto cerca de 20 galerias novas a abrir no país, a maioria em São Paulo. “O mercado no Brasil está muito forte, o que possibilita mais espaço para criação, venda, promoção e mais interesse do público. Acho que o Brasil, nos últimos dez anos, conseguiu abrir as portas para o mercado internacional. A nossa galeria já existe há 25 anos, mas na última década o interesse é crescente”, aponta Ricardo Trevisan.

O mesmo já não acontece em Portugal e na Europa em geral. É por isso que a galeria lisboeta Filomena Soares mudou de estratégia e está a apostar na China. Manuel Santos, um dos directores do espaço, decidiu começar a participar na Feira de Hong Kong depois de uma primeira experiência em Xangai há três anos. A Filomena Soares veio para ficar. “Os mercados emergentes têm um grande potencial. São estes mercados que nós europeus agora mais procuramos, dados os problemas financeiros e económicos na Europa e nos Estados Unidos. Penso que tem futuro e é de apostar,” diz o responsável.

Não se pense, contudo, que a economia em recessão está a afectar a criação artística portuguesa. Muito pelo contrário. “Não é do conhecimento de muita gente, mas é evidente que é reconhecido, principalmente na Europa e Estados Unidos, que Portugal está a passar um bom momento de jovens artistas portugueses reconhecidos a nível mundial. Portanto, é do nosso grande interesse e aposta divulgar os nossos jovens artistas a nível mundial,” defende Manuel Santos.

O mesmo não se pode dizer da actividade galerista. De todas as galerias que a revista MACAU tentou contactar, nenhuma se mostrou interessada em explorar o mercado asiático devido a dificuldades económicas. O mesmo aconteceu com artistas portugueses. Manuel Santos começa por explicar que o número de galerias existentes em Portugal é reduzido, dada a dimensão do país e as condições financeiras. “Em segundo lugar, das poucas galerias que há, são poucas as que têm poder económico-financeiro para se poderem deslocar a feiras internacionais. Mas é esse o nosso trabalho e, como diz o ditado, é preciso semear para colher”, afirma.

 

Angola recupera tempo perdido

A arte de um país pode medir-se através da sua economia e Angola não é uma excepção. Há galerias e projectos artísticos a surgir em Luanda, mas ainda há falta de apoios e outros problemas.

Hildebrando de Melo é um dos artistas mais proeminentes de Luanda. Abriu o seu atelier na capital  há 12 anos, depois de ter feito a sua escola artística em Lisboa. Já expôs nos Estados Unidos, Europa e agora tem o Brasil na mira. “O mercado asiático julgo que vem a seguir”, revela à MACAU. “A China é um grande mercado. Sei que a arte contemporânea está bastante forte na China, é um mercado em franco crescimento económico. Sem dúvida que é importante estar presente nesse espaço”, refere o artista. Ainda assim, Hildebrando não tem pressa. Tem esperança que a China um dia se vá atravessar o seu caminho.

A galeria Celamar abriu portas em 2002 na capital angolana. Questionada sobre a importância do mercado chinês, a curadora Marcela Costa refere que é um caminho a seguir, mas que ainda é cedo. “O mercado de arte em Angola é muito novo. Depois do fim da guerra, a sociedade começa a desabrochar. Há uma busca constante de reaver o tempo perdido.”

Hildebrando de Melo aponta que há um movimento novo de artistas, mas “é tudo muito novo”. Há falta de galerias e salas de exposição. “O artista é o produtor e muitas vezes o curador da própria exposição”, diz. Também não é fácil expor fora de Angola. “Não há estruturas culturais ainda para este fim. O artista é que tem que abarcar com todos os custos. É tudo por conta do artista”, lamenta.

 

Redes criativas

Há em Pequim uma instituição sem fins lucrativos que tem o objectivo de estabelecer uma ponte entre artistas chineses e brasileiros. A Currents foi fundada em 2006 pela curadora Sarina Tang. “Naquela época, ainda não existiam praticamente espaços para artistas fazerem projectos sem fins lucrativos e eram poucos os artistas que viajavam para o estrangeiro. Achei que se eu criasse um espaço onde pudesse convidar artistas e músicos para fazerem projectos, poderiam fazer obras bem interessantes”, diz a responsável pelo projecto.

O espaço Currents tem 430 metros quadrados e inclui um apartamento de dois quartos para poder hospedar artistas em residência e um atelier para exposições e concertos. Durante este ano, o resultado de todo este intercâmbio entre a China e o Brasil vai ser revelado numa exposição. “O Currents Art and Music tem trazido vários artistas do Brasil, e cada vez mais, os apresenta no meio de arte contemporânea em Pequim, Xangai e, dependendo do artista e do projecto, em outras partes da China. Colocamo-los em contacto com artistas, curadores, galeristas e directores de museus locais”, explica Tang.

Marcos Chaves foi um dos artistas brasileiros que agarrou esta oportunidade e passou 45 dias em Pequim.  “Essa experiência proporcionou-me olhar para o mundo de uma maneira mais ampla, mais global, confirmando que a linhagem do meu trabalho é mais internacional, além do circuito de arte ocidental. A outra coisa que percebi e acabei por incorporar nos meus trabalhos é a escala. Pude trabalhar com dimensões maiores, já que tinha um estúdio de quase 500 metros quadrados”, conta.

Apesar desta participação, o artista não tem planos concretos para entrar no mercado de arte chinês. “Acho que deve ser um caso espontâneo. É o que normalmente vem acontecendo, o trabalho tem circulado mais internacionalmente e o interesse acontece aos poucos pela comunidade local de onde ele é exibido”, defende. “A China é um enorme país com um potencial e uma cultura riquíssima. Não existe a possibilidade de pensar o mundo excluindo a China. Se pretendo que o meu trabalho dialogue universalmente, a China é uma enorme parte desse universo.”

 

Experimentações

Chamam-se Liana Brazil e Marcelo Pontes e formam, juntamente com Russ Live, o grupo de criativos SuperUber. São brasileiros e estrearam-se na China em Setembro de 2012, através do Creators Project.

Fruto de uma parceria revolucionária entre a Intel e a VICE, o Creators Project apoia artistas visionários de diversas disciplinas que utilizam tecnologia de formas inovadoras para explorar os limites da expressão criativa. Criado há cerca de três anos, este projecto já apoiou e uniu mais de 150 artistas de todo o mundo.

A SuperUber é a união entre atelier criativo, laboratório de tecnologia e estúdio de arquitectura. Este projecto converge arte, tecnologia e design, criando produtos arquitectónicos multimédia, nas áreas da cultura, educação, entretenimento e publicidade.

Liana Brazil é designer com mestrado em multimédia pela Universidade de Nova Iorque. Marcelo Pontes é arquitecto e cenógrafo, enquanto Russ Rive é engenheiro electrónico com quatro patentes na área de tecnologia nos Estados Unidos. A SuperUber reúne ainda uma equipa de designers de interacção, motion designers e editores, arquitectos, engenheiros de software e electrónica, produtores e técnicos em sedes no Rio de Janeiro, São Paulo e Nova Iorque.