Texto Mark O’Neill
A dinastia Qing começou a reinar na China a partir de 1644, tendo atingido no século XVIII o auge do seu poderio, com a conquista da Mongólia Exterior, do Tibete, de Taiwan e de Xinjiang. Mais de 13 milhões de quilómetros quadrados de território estavam sob a sua administração. Em 1820, a China era responsável por 36% do Produto Interno Bruto global, mais do que os 33% registados nos Estados Unidos em 2001.
O declínio dos Qing começou na primeira metade do século XIX devido à estagnação da economia, aos conflitos sociais e ao rápido crescimento da população, o que pôs problemas de escassez alimentar. Simultaneamente, a revolução industrial transformou a Europa Ocidental, dando-lhe uma larga vantagem militar e tecnológica sobre o resto do mundo. Isolada e autoconfiante, a China não se deixou afectar por esta revolução europeia. Mas também não fazia ideia das incríveis mudanças que operavam do outro lado do globo.
A maior ameaça ao regime da dinastia Qing sucedeu com a Revolta dos Taiping (1851-1864), liderada por Hong Xiuquan, um homem que tinha chumbado no concurso de admissão para função pública e se auto-denominou irmão de Jesus Cristo e “Rei Celestial da Grande Paz”. O seu programa incluía muitas políticas que seriam adoptadas pelos seguintes revolucionários. É o caso da proibição do consumo de ópio, dos casamentos forçados, do enfaixe dos pés e do concubinato, dos direitos de propriedade do Estado sobre as terras e da igualdade de estatutos entre homens e mulheres.
Inspirados por estes ideais, milhares e milhares de pessoas juntaram-se ao exército de Hong. Conseguiram conquistar a maioria do Sul da China e estabeleceram a nova capital em Nanjing. Contudo, nem este exército nem os manchus eram suficientemente fortes para saírem completamente vitoriosos, ficando assim o desenlace nas mãos dos governos britânico e francês. Preferindo um regime imperialista corrupto e fraco a um revolucionário e semi-cristão, os europeus enviaram os seus exércitos para lutar pelos manchus. Foi um factor que pesou na balança.
Em Julho de 1864, o exército manchu conquistou Nanjing, resultando em milhares de mortes num violento confronto, corpo a corpo, nas ruas da cidade. Durante os 13 anos de revolta, estima-se que tenham perecido 25 milhões de pessoas, fazendo deste o conflito mais sangrento da história da humanidade depois da Primeira Guerra Mundial.
Ao notarem a fraqueza do regime, tanto as potências europeias como, mais tarde, os japoneses e os norte-americanos tirariam partido desta vulnerabilidade. Além dos benefícios económicos, estes países ganharam com a concessão de terrenos e ainda privilégios que impediam o julgamento dos seus cidadãos em tribunais chineses . O exemplo mais flagrante desse aproveitamento foi o Tratado de Aigun, assinado em Maio de 1858, no qual os manchus concederam à Rússia czarista mais de um milhão de quilómetros quadrados de território da Sibéria e do Extremo Oriente. O acordo valeu a Moscovo o porto de Vladivostok, cortando o acesso da China ao Mar do Japão.
Após a derrota na Guerra Sino-japonesa (1894-95), os manchus foram obrigados a ceder Taiwan, as Ilhas Pescadores e a península de Liao-tung aos japoneses. Os chineses assistiram com raiva e consternação ao rápido declínio de um país orgulhoso; uma China que no século anterior tinha sido líder mundial. Como poderiam aqueles países europeus pequenos, com menos população que uma única província chinesa, dar ordens ao seu Governo? Quais eram os segredos do seu sucesso económico e militar?
Desde a década de 80 do século XIX que os chineses viajam para o estrangeiro com o intuito de estudar: inicialmente, para o Japão e, depois, para a Europa e os Estados Unidos. Viram em primeira mão os avanços tecnológicos, científicos e industriais ocorridos nestes países. Perguntaram por que é que a China não conseguiu o mesmo feito, tendo uma tão vasta extensão territorial, recursos minerais ricos e uma civilização com mais séculos de história do que estas nações. Assim surgiu o apelo à reforma e à mudança.
Reformistas e revolucionários
Aqueles que lutavam pela mudança estavam divididos em dois grupos. Um era constituído pelos partidários da reforma. Acreditavam que a mudança era possível no seio do próprio regime: o modelo imperial era mantido mas modernizado. No outro grupo estavam aqueles que não acreditavam na reforma do regime dos manchus. Estavam antes certos de que esse teria de ser derrubado pela violência. Assim pensavam os revolucionários.
A tentativa de mudança mais significativa no seio do Governo foi protagonizada pelo Movimento de Auto-Fortalecimento, de 1861 a 1895. Foi lançado pelas autoridades que acreditavam que a China tinha de se modernizar. Construíram estaleiros e fábricas para a produção de armamento moderno. Criaram escolas na área da mecânica e da navegação, para as quais contrataram especialistas estrangeiros. Também importaram navios de guerra e armamento.
A partir da década de 70 do século XIX, o Governo criou e financiou empresas focadas na modernização, em campos como a navegação, os caminhos-de-ferro, a exploração mineira, a produção têxtil e a telegrafia. A ideia era concorrer com os monopólios estrangeiros nesses sectores industriais.
A esperança dos reformistas residia no imperador Guangxu (1871-1908), que assumiu a liderança do país em 1875, mas só exerceu de facto o poder depois de 1889. Era um líder sensível à necessidade de reforma e de modernização. Contudo, a derrota pelo Japão foi como um tremor de terra na China. Como poderia o Império do Meio ser derrotado por um país asiático que constituía uma fracção da sua dimensão, que tinha sido um Estado tributário durante grande parte da sua história e que devia à China a sua linguagem escrita, o budismo e muito da sua cultura?
Os reformistas ganharam força com essa derrota. Em Junho de 1898, Guangxu lançou uma série de medidas radicais, incluindo a abolição do sistema de exames imperiais, a modernização do ensino, o estabelecimento da monarquia constitucional, o rápido reforço do poderio militar e uma ampla industrialização. Este era o plano reformista, executado pela figura mais importante do Estado. Todavia, os conservadores da corte opuseram-se ao projecto, acreditando que aquela era uma trama controlada por estrangeiros. No dia 21 de Setembro de 1898, a imperatriz Cixi mandou prender Guangxu, que morreu no dia 14 de Novembro, provavelmente assassinado por ordem de Cixi. Foram acontecimentos que puseram termo às expectativas de reformar o seio do regime imperial.
Revolucionários
Sun Yat-sen, aquele que viria a ser o líder dos revolucionários, estava inicialmente do lado dos reformistas. Era um daqueles casos típicos de chineses que tinham estudado no estrangeiro e tinham ficado descontentes com o Governo do seu país. Em 1878, deixou a sua casa no distrito de Xiangshan, perto de Macau, e foi para o Havai viver com o seu irmão mais velho. Aí aprendeu inglês e leu os escritos de Abraham Lincoln, que passou a ser um dos seus ídolos políticos.
O discurso de Gettysburg de Lincoln, incluindo a frase “um governo do povo, pelo povo e para o povo”, foi uma das fontes de inspiração do programa político de Sun: “Os Três Princípios do Povo” – nacionalismo, democracia e bem-estar social.
Do Havai rumou a Hong Kong, onde se formou em medicina ocidental e foi baptizado na igreja congregacional cristã, abraçando assim dois dos mais importantes presentes que o Ocidente deu à China – a medicina e a cristandade.
À semelhança dos seus compatriotas que tinham estudado no estrangeiro, Sun Yat-sen não se conformava com a recusa do Governo em adoptar a ciência, o conhecimento e a tecnologia dos países desenvolvidos. Inicialmente, apoiava os reformistas, incluindo Kang Youwei e Liang Chichao, que ajudou o imperador Guangxu a redigir o programa da reforma. Em 1894, Sun escreveu mesmo uma longa carta a Li Hongzhang, o reformista de topo dentro do Governo com um papel preponderante no Movimento de Auto-Fortalecimento. Sun enviou ao Governo uma série de propostas da sua autoria com medidas para reforçar a China, mas não obteve resposta. Consternado, começou então a apelar à supressão do imperador e à implantação de uma república.
Em Outubro desse mesmo ano, Sun regressou ao Havai e fundou, um mês mais tarde, o seu primeiro partido revolucionário – a Sociedade para a Regeneração Chinesa. Os primeiros elementos a integrarem este grupo foram os chineses expatriados e os pobres. A revolução durou 16 anos e custou milhares de vidas. A primeira insurreição, em Cantão, em 1895, falhou e Sun passou a ser procurado pelas autoridades. Se pusesse os pés na China seria preso, por isso esteve exilado na Europa, Estados Unidos, Canadá e Japão.
Em 1896, em Londres, foi preso por agentes da dinastia Qing e levado para Portland Place, onde ainda hoje fica situada a Embaixada chinesa. O Governo tencionava executá-lo. Porém, uma campanha lançada pelo jornal The Times, o Ministério dos Negócios Estrangeiros de Inglaterra e o seu amigo James Cantlie, um médico escocês, teve efeito e o revolucionário saiu ileso da Embaixada. Em todo o mundo os jornais deram a notícia da sua libertação, o que fez de Sun Yat-sen uma figura popular.
Em 1900, pôs em curso a segunda insurreição em Huizhou, na Província de Guangdong, mas saiu gorada. No decorrer da década seguinte, oito novas tentativas falhadas ceifaram a vida de pessoas de grande valor, esgotando a paciência e o financiamento dos seus apoiantes. Exilado em Tóquio, funda, em 1905, a Sociedade da Aliança Unida – o embrião do Kuomintang, o Partido Nacionalista Chinês.
Apoiantes
Para o presidente da Federação da Indústria e Comércio de Taiwan Ásia-Pacífico, Alexander Pann Han-tang, que é um especialista em Sun Yat-sen, existem dois tipos de revolucionários: “Uns são filósofos e pensadores, enquanto os outros são activistas. Sun era as duas coisas. Tinha a sua própria teoria e punha-a em prática. Era um homem bastante metódico e o seu carisma inspirava os outros, que continuavam a lutar e a subsidiá-lo”.
Em 1907, a pressão dos manchus forçou os nipónicos a expulsar Sun do Japão. A partir dessa altura, o líder dos revolucionários concentrou os seus esforços junto dos chineses ultramarinos no sudeste da Ásia. Da sua “estratégia do sul” faziam parte as rebeliões em Yunnan e Guangdong, com o objectivo de conduzir a revolução para norte.
Os seus seguidores, incluindo os estrangeiros, eram-lhe profundamente leais. Muitos eram japoneses, mas Sun não falava o idioma desses apoiantes, mesmo depois de, no total, ter vivido aproximadamente dez anos no Japão. Sun inspirou-os com a sua visão de uma China democrática e republicana, que poria termo ao declínio do país e se faria aliada do Japão contra as potências ocidentais. Esses japoneses queriam que a China seguisse o exemplo da sua própria nação e se modernizasse, industrializasse, ganhando assim a sua independência.
“Os japoneses que lutaram pela revolução chinesa foram inspirados pelo fervor de Sun”, escreveu o jornalista Nagatomo Kayano nas suas memórias. Este nipónico ajudou o revolucionário chinês a angariar fundos para a compra de armas. Lançou ainda uma revista em japonês intitulada Crítica Revolucionária (Revolutionary Review), que promovia as ideias de Sun, e lutou nos movimentos de revolta na China. “Quando falei com ele, percebi que lutaria até ao fim. Por isso, decidi juntar-me à sua causa, viver e morrer com ele”, escreveu Kayano.
Um dos mártires da revolta de Huizhou foi um japonês chamado Yoshimasa Yamada. Em 1890, foi trabalhar para Xangai, no escritório de uma sociedade comercial nipónica. Aí testemunhou as condições lastimáveis em que vivia o chinês comum. Em Julho de 1898, conheceu Sun em Tóquio e jurou fidelidade ao revolucionário chinês. Participou na revolta de Huizhou e foi morto com apenas 32 anos. Outro grande admirador japonês foi Shokichi Umeya que, durante mais de 20 anos, angariou muitos milhões de ienes. O dinheiro pagava o sustento de Sun, as armas e munições e ainda financiou uma escola de aviação para formar pilotos chineses. Após a morte de Sun, Umeya encomendou quatro grandes estátuas de bronze, cada uma pesando uma tonelada. Uma destas peças está na Casa Memorial do Dr. Sun Yat-sen em Macau.
O carisma do líder revolucionário e a sua capacidade para inspirar os outros manteve acesa a luta ao longo de 16 amargos anos e muitos contratempos. Estas qualidades foram as razões pelas quais foi escolhido para presidir ao novo Governo, apesar de estar a milhares de quilómetros de distância da China.
O sucesso da revolução
A última tentativa de Sun Yat-sen de mudar o rumo do seu país foi a insurreição de Huanggang, em Cantão, em Maio de 1907. Os rebeldes pretendiam capturar o governador da cidade mas este fugiu. Mal equipados e em minoria, foram facilmente derrotados pelo exército manchu. Morreram 86 rebeldes, incluindo muitos dos seus líderes. A revolta foi um falhanço total. Sem dinheiro e gente para lutar a seu lado, não restou a Sun outra alternativa que não fosse a de fugir para os Estados Unidos.
No final, a dinastia Qing não foi derrubada por rebeldes enviados do estrangeiro, mas pelas suas próprias tropas. Muitos soldados tinham recebido formação no Japão de instrutores militares desse país, onde ainda tinham sido expostos à propaganda dos revolucionários. Soldados e jovens oficiais do Novo Exército revoltaram-se em Outubro de 1911, na capital de província de Hubei, Wuhan, aproveitando-se do facto de muitas unidades de combate terem sido enviadas para Sichuan para acalmar as hostes. O governador da província fugiu.
Para o professor de história da Universidade do Povo da China, em Pequim, Zhang Ming, o Governo manchu contribuiu para a sua própria queda. O estudioso chinês, que este ano tenciona lançar uma obra que está a preparar sobre a revolução, explicou que esse tiro no pé se deveu a erros ao nível das políticas, como a envolver a nacionalização dos caminhos-de-ferro e os direitos sobre os minérios. Registou-se um franco progresso nestes sectores, mas os governos locais responsáveis pelo incentivo não deram seguimento às reformas.
Segundo Zhang, antes da revolta de Wuhan, os manchus queriam corrigir os erros cometidos, mas era tarde demais: “Tinham perdido o apoio da classe intelectual, a oportunidade da reforma constitucional e a transição pacífica. Estes factores conduziram a um período de agitação social, o que acabou em tragédia para o povo manchu e para a China”.
Na visão de outro professor de história, Wong Young-tsu, o partido revolucionário era o mais fraco das três forças que provocaram a queda da dinastia Qing. As duas forças mais importantes eram camponeses desesperados e a burguesia e a nobreza. Todos estavam a favor da reforma constitucional, especificou Wong. Este académico da Universidade Nacional Central de Taiwan garantiu que “o ponto forte do partido [revolucionário] estava na propaganda e no medo que incutia no Governo que, por sua vez, sabia que os revolucionários fariam uso da violência”. Contudo, adiantou, essa facção operava fora da China e “todas as revoltas que organizou falharam”.
“A pesada factura da indemnização a pagar aos Boxers, após a respectiva revolta em 1900, calhou aos camponeses, muitos dos quais nem ganhavam para viver. A somar a esta conjuntura estiveram as cheias do rio Yangtze, em 1910. Os camponeses saquearam lojas e tulhas, causando o caos social”, explicou o especialista. Quem mais perdeu com isso, segundo Wong, foi a elite que, aspirando sobretudo a uma sociedade estável, viu como o Governo Central era incapaz de manter a lei e a ordem.”
“Por isso, esta classe, incluindo homens de negócios e aristocratas, foi a primeira a declarar a independência depois da revolta de Wuhan. Das 18 províncias que então existiam na China, 15 declararam a independência. Era uma forma de autoprotecção”, salientou. “Foi esta elite que destronou a dinastia e não o partido revolucionário. Tinham o poder, o dinheiro e as forças armadas.”
Enquanto isso, em Denver, nos Estados Unidos, Sun lê a notícia da revolta num jornal. Regressa à China, via Reino Unido e França. Conforme afirmou o professor de história Yang Tianshi, do Centro de Pesquisa da República da China da Universidade de Nanjing, Sun procurou regressar com o reconhecimento diplomático e o apoio financeiro dos governos e dos bancos. “É claro que os capitalistas lhe disseram que o Governo da dinastia Qing estava de um lado e ele do outro: ‘Estão a lutar um contra o outro até à morte. Não sabemos quem vai ganhar’. Mesmo assim, decidiu voltar sem ter pedido um cêntimo emprestado. Quando regressou à China, admitiu que, apesar de não ter dinheiro, tinha espírito revolucionário. É uma frase bonita, mas como é que se faz uma revolução sem dinheiro?”
No dia 29 de Dezembro de 1911, os representantes das províncias chinesas reuniram-se em Nanjing e escolheram Sun para presidente interino, um cargo que o médico assumiu no dia 1 de Janeiro de 1912. Porém, faltavam-lhe alguns atributos para exercer o poder: não tinha dinheiro, exército ou o apoio de qualquer governo estrangeiro. Tinha vivido fora do país durante 16 anos e não possuía quaisquer ligações pessoais aos generais e aos “senhores da guerra” que controlavam grande parte da China.
Quando aprovou a emissão de uma obrigação do Governo no valor de 100 milhões de yuans para os militares, ninguém a quis comprar. Apenas 7% foi vendido, daí que Sun se tenha visto obrigado a recorrer aos conglomerados para angariar mais dinheiro, oferecendo-lhes em troca minas e fábricas chinesas.
O estudioso da Universidade de Nanjing acredita que, durante o tempo em que foi presidente, Sun vivia atormentado com a falta de dinheiro para alimentar as tropas que o tinham levado ao poder e construído o país. “Em Janeiro de 1912, o Governo decidiu usar a Companhia de Navegação Mercante da China como garantia de um empréstimo entre 10 e 20 milhões de taels, mas os directores da empresa opuseram-se veementemente. Sun não estava disposto a usar o exército para impor a sua decisão, o que fez cair por terra o empréstimo.”
Conforme Yang, Sun Yat-sen “negociou depois um empréstimo de 10 milhões com o Japão e em troca concedia-lhes a Manchúria, mas os militares japoneses vetaram a proposta”. Isto porque “acreditavam que tinham ganho a Manchúria com o sangue dos seus soldados e não deveriam estar a pagar dinheiro por isso. E assim as negociações falharam”.
Yang recorda ainda mais uma tentativa de Sun que “pediu a um banco russo um empréstimo de 1,5 milhões de libras, oferecendo como garantia as receitas fiscais”, mas também este foi vetado, desta feita pelo parlamento. Ao fim de apenas três meses no poder, Sun viu-se obrigado a abdicar da presidência para Yuan Shikai, comandante em Pequim do Exército de Beiyang, a força militar mais moderna da China, como condição para o seu apoio.
O historiador da universidade taiwanesa, Wong, explicou que Sun não pretendia abdicar do cargo, apenas se vendo obrigado a afastar-se pela burguesia e pelos aristocratas, que acreditavam que Yuan Shikai seria a pessoa com mais capacidade para dar estabilidade ao país. E assim foi: Yuan foi presidente durante três anos, proclamando-se imperador em Dezembro de 1915.
Por todo o país, os chineses opuseram-se firmemente ao regresso da monarquia, incluindo Sun, que começou a organizar uma segunda revolução. Enquanto alguns governos estrangeiros manifestaram hostilidade, outros deram nota da sua indiferença. “Fora de Pequim, entre os agricultores dizia-se que se tinha trocado um imperador por outro, chamado Yuan”, lê-se na edição de Novembro de 2009 da revista chinesa História Nacional. A mesma publicação adiantou que era difícil de imaginar que na China iria nascer a primeira república asiática, sendo este um país tradicionalmente imperialista com 400 milhões de pessoas. Yuan morreu com uremia devido a complicações renais, em Junho de 1916, aos 56 anos de idade.
Sun Yat-sen morreu de cancro no fígado, em Pequim, no dia 12 de Março de 1925, sem nunca assistir à unificação de um estado republicano. O país foi governado por “senhores da guerra” provinciais e líderes militares, cuja lealdade mudava conforme os seus próprios interesses.
Falta de sangue por derramar
Comparativamente às revoluções russa e francesa, a de Xinhai não fez derramar muito sangue. Além de ter-se poupado a vida ao imperador Pu Yi e de o terem deixado permanecer em território nacional, foi-lhe ainda permitido que vivesse no Palácio Imperial com as suas concubinas e criados. Inclusivamente, teve direito a uma generosa pensão de sobrevivência por parte do Estado. Só foi expulso do país em 1924, quando passou à condição de suspeito de incentivar os seus apoiantes a repô-lo no trono e de roubar tesouros do palácio.
O historiador Yang Tianshi salientou que Xinhai foi uma das mais rápidas e menos sangrentas revoluções da história. “Entre o dia 11 de Outubro de 1911 e a formação do Governo interino, a 1 de Janeiro de 1912, passaram menos de três meses. E foi durante esse período que se implantou uma república democrática. Em muitos locais não se registaram mortes. Veja-se o exemplo de Hangzhou: entre a entrada do exército revolucionário e a rendição das autoridades da dinastia Qing decorreram apenas 40 minutos”, adiantou Yang.
Zhang Ming explicou que não houve muito caos social e destruição após a revolução, por causa da enorme classe média da nobreza, da qual faziam parte muitos chineses que apoiavam a revolução. “A estrutura social caracterizava-se por agricultores que aspiravam à baixa aristocracia e a pequena nobreza ambicionava à mais alta”, sublinhou Zhang. Houve ainda outro factor para a estabilidade: “Também a participação dos apoiantes do Governo constitucional reduzia o poder destrutivo da revolução”.
“O partido revolucionário acendeu a chama da revolução mas não teve um papel decisivo. Esse poder estava nas mãos destes movimentos internos que não queriam a morte do imperador”, assegurou Zhang.
Só em 1927, após uma operação militar lançada a partir de Cantão, é que o sucessor de Sun, Chiang Kai-shek, conseguiu estabelecer um Governo nacional com capital em Nanjing. Mesmo nessa altura, Chiang controlava apenas uma parte do território nacional. A construção da república só sucederia muito mais décadas depois.
Bao Pu, editor do New Century Media and Consulting, referiu que a República da China era legítima porque surge a partir de uma transferência de poder da dinastia Qing. “Mas, após a revolução de Xinhai, o poder foi transferido pela violência e não por um processo civilizado e pacífico. Isto tornou-se uma característica permanente da sociedade chinesa, dando à população uma sensação de opressão e de abandono. A violência e o extremismo passaram a ser normais”, rematou Bao.