Keju 科举 - O sistema de Exames Imperiais

A quinta grande invenção chinesa foi o sistema de Exames Imperiais, que teve uma história de 1300 anos e serviu como meio para escolher os oficiais civis e militares para a governação e defesa do País. Foi pelo modelo civil que os jesuítas introduziram os exames na Europa, no século XVII

 

O sistema de Exames Imperiais, conhecido por Keju (科举), foi criado na dinastia Sui (581-618) com o objectivo de formar um corpo de letrados e de militares para a Administração civil e militar da China. O sistema foi sendo aperfeiçoado ao longo dos seus 1300 anos de história e sofreu reformas até à última das dinastias imperiais. A selecção de oficiais governamentais era feita tanto por hereditariedade dos filhos dos altos dignitários como por recomendação de homens sábios.
O sistema de Exames Imperiais, no entanto, tornou-se o mais importante método de recrutamento. Através dele dotava-se o Império de pessoas de todas as classes sociais que por puro mérito tinham oportunidade de atingir esses cargos. Também fazia com que a população masculina fosse incentivada a estudar, além de ser um contraponto à aristocracia, habituada a ter esses cargos sem nada fazer para os merecer.
Havia quatro diferentes tipos de exames imperiais. O mais importante, que se  prolongou pelo período mais longo e seleccionou o maior número de oficiais, era o Gongju. Existiam ainda os exames de artes marciais (Wuju), os ordenados pelo imperador em ocasiões muito especiais (Zhiju) e os para juniores (Tongziju).
Os exames na categoria Gongju eram realizados em períodos regulares e havia vários grupos de testes que era preciso passar. Primeiro havia exames preparatórios para se entrar nos exames imperiais – os Tongshi. Os candidatos aprovados tomavam o título de Xiucai, tendo a possibilidade de irem à capital da província realizar os exames imperiais na segunda etapa.
A partir daí havia três séries de exames, existindo quotas para os candidatos de cada uma das províncias. O primeiro era conhecido por exame provincial (Xiangshi), que dava aos que passavam o título oficial de Juren e permitia-lhes que fossem fazer os exames do ministério (Huishi) realizados na capital do país. Os aprovados recebiam o título Gongshi e tinham acesso aos exames do palácio (Dianshi), o último degrau, realizado normalmente pelo próprio Imperador no Palácio Imperial. Jinshi era o título daqueles que com sucesso passavam esses exames, ficando com acesso directo às altas posições imperiais.
Estes eram os graus literários existentes na dinastia Qing, que nos chegaram através dos padres jesuítas Gabriel de Magalhães S. J., no livro Nova Relação da China, escrito em 1668; Álvaro Semedo S. J., na Relação da Grande Monarquia da China de 1637, e ainda Abílio Basto, através da obra Exames na China, de 1937.

Os candidatos podiam registar-se quando se sentiam preparados e os resultados determinavam quem era seleccionado para o serviço do governo. Os lugares estavam acessíveis a todas as camadas da sociedade, já que este era um sistema que permitia a qualquer pessoa do sexo masculino, independente da idade e da classe, chegar a cargos oficiais. As excepções estavam na não-admissão de descendentes de prostitutas, de actores de teatro, de criados dos mandarins, de carcereiros, de carrascos e todos os seus descendentes até à terceira geração. Os que se quisessem regenerar tinham de abandonar as residências da família e mudar para um lugar longínquo. Também aqueles que estivessem de luto pelo pai ou mãe, cujo período de nojo era de três anos, não podiam ser admitidos aos exames.
Foi numa visita a Nanjing que pela primeira vez encontrámos um lugar onde eram realizados os exames imperiais e soubemos ser no templo de Confúcio que os examinadores se hospedavam durante esse período. A Escola de Exames Jiangnan é a única que resta na China, apesar de em Pingyao, na província de Shanxi, se ter recriado um desses recintos para o turista chinês conhecer a história dos exames. Quando passámos por Langzhong descobrimos que, afinal, existe ainda hoje um outro recinto sobrevivente do local de exames. Caso único, a província de Sichuan teve no início da dinastia Qing dois “gongyuan” (edifícios onde tinham lugar os exames de província), sendo o outro, já desaparecido, em Chengdu. Já em Pequim encontrámos ao lado do templo de Confúcio, o Colégio Imperial (Guozijian) e, no Palácio Imperial (Gugong, 故宫) visitámos o pavilhão onde se realizava o último desses exames.

 

O dia do exame

 

As fontes chinesas e as dos sinólogos jesuítas portugueses, que durante o século XVII escreveram sobre os exames imperiais, apresentam versões diferentes quanto à inclusão do primeiro exame (Tongshi) no sistema de avaliação. Segundo observações feitas pelos jesuítas durante a dinastia Qing – e sobretudo informações recolhidas na obra de Abílio Basto Exames na China, editado em 1937 no Boletim Eclesiástico da Diocese de Macau e em 1998 pela Fundação Macau com o título Os Exames na China Imperial – os exames locais, conhecidos como Tongshi, realizavam-se duas vezes em cada três anos e constavam de três exames.
No dia do primeiro exame, os candidatos chegavam à sub-prefeitura do distrito (Zhou) de manhã muito cedo, entregavam os seus documentos ao secretário do júri e sentavam-se. Após todos estarem acomodados, as portas e as janelas eram fechadas e seladas. A prova tinha a duração de um dia e terminava com um tiro de pólvora. Neste exame, a grande maioria dos candidatos ficava desclassificada por não ter acabado a tempo, pelos muitos erros cometidos ou porque não conseguia responder condignamente às questões colocadas.
Uma minoria de candidatos aprovados entrava na lista oficial e seguia para a capital do departamento (Xian), onde era realizada uma segunda prova, com as mesmas formalidades e perante o mesmo júri do exame anterior. Este júri era presidido por um Comissário Imperial – que ia de Pequim para a província em comissão de serviço por três anos -, e contava ainda com o magistrado do distrito e com o prefeito.
Os aprovados seguiam para um terceiro exame na capital da província, sendo à entrada do edifício revistados. Além do conhecimento dos “Cinco Clássicos” (Jing), era exigido aos candidatos que redigissem de cor todo o texto do “Santo Decreto” (Sheng Yu), obra que consistia em máximas destinadas a guiar os funcionários.
Aprovados no Tongshi, ficavam com o primeiro grau literário e o título de Xiucai (Hsiu-t’sai, no sistema de romanização Wade-Giles) e tinham de ir cumprimentar o chefe dos graduados e outros funcionários da sua província. Muitos aproveitavam para aí se registarem, para o caso de haver algum cargo público que vagasse compatível com as suas habilitações. Como Xiucai, passavam a usar no chapéu o respectivo botão que representava o seu grau literário. Não podiam ser presos e só poderiam ser processados pelo chefe dos graduados ou pelo magistrado do distrito.
O título de Xiucai abria a porta para os exames imperiais, se é que o exame Tongshi já não fazia parte deles. Era o início de três séries de exames, existindo quotas para os candidatos aprovados de cada uma das províncias.
O exame provincial (Xiangshi) era reservado àqueles com o título de Xiucai que quisessem o segundo grau literário, correspondente a uma licenciatura em Letras actual, e que conferia o título de Juren (Chu-jên). Esses exames realizavam-se uma vez a cada três anos, com as provas nos dias 9, 12 e 15 da oitava Lua nas capitais das províncias. O júri era constituído por dois comissários imperiais, expressamente enviados de Pequim pelo governador da província, e mais nove altos funcionários provinciais. Nesta fase, a população da capital de província aumentava imenso e a animação era grande. O número de candidatos dependia da população de cada província.

 

Grande esquema de segurança

 

Os candidatos chegavam na noite do dia 8 ao “gongyuan” (kung-yuan), edifício onde se realizavam as provas. Após apresentar os comprovativos das suas habilitações, cada candidato recebia uma senha indicando a cela onde deveria realizar as suas provas. Ao entrar, era minuciosamente revistado e se fosse apanhado a copiar no exame era desclassificado dos seus graus anteriores e levado sob escolta pelas ruas com uma tábua aos ombros e um buraco para a cabeça. O mesmo acontecia ao pai ou tutor. Com todos dentro, os portões eram fechados e selados e ninguém podia sair nem entrar durante os exames.

O recinto estava dividido por um corredor e havia, em cada um dos lados, filas de celas. Cada uma das filas tinha um carácter designativo do Livro dos Mil Caracteres e cada cela, identificada por um número, era um cubículo com aproximadamente um metro de largura, dois de profundidade e dois de altura. Algumas tábuas serviam para improvisar uma mesa e um banco. Após a entrada dos candidatos, as portas das celas eram fechadas e seladas e não era permitido delas sair sob motivo algum. Os candidatos deviam levar o seu chá, arroz, lenha e vinho necessário ao consumo dessa noite e até à manhã do dia 10.
O “gongyuan”, todo amuralhado, era vigiado por um grande número de soldados para evitar a comunicação com o exterior. No centro do recinto havia o Templo de Inteira Justiça, uma casa de dois andares onde os comissários imperiais prestavam o seu juramento ao Céu, prometendo desempenhar honestamente as suas funções. Os quatro pontos previamente escolhidos pelos examinadores, com base nos “Quatro Livros” (Si Shu), eram distribuídos aos candidatos, que tinham de apresentar as respectivas respostas e comentários em estilo claro e elegante, não podendo cada resposta ter menos de cem caracteres, nem tão pouco levar o nome do candidato.
Os selos eram então rasgados e as portas abertas com uma salva de três tiros e com o rufar dos tambores. Os candidatos e o governador da província saíam então do recinto de exames. Na manhã do dia 11 da oitava Lua, os candidatos com provas não rejeitadas deveriam voltar antes do nascer do sol. Com os mesmos procedimentos da primeira prova, os candidatos recebiam cinco pontos dos “Cinco Clássicos” e as portas das celas só abriam na manhã do dia 13.
Para a terceira e última prova, a chamada era feita na manhã do dia 14 e durava até ao meio-dia do dia 16, quando ficava concluído o exame para o segundo grau literário. Essa terceira prova constava de cinco pontos versando a administração pública e as finanças do Império, usos e costumes, geografia e notas biográficas dos grandes estadistas. Os membros do júri tinham 25 dias para corrigir as provas, 13 por cada candidato, e depois estas eram enviadas para a apreciação do Imperador.
A lista de nomes dos aprovados era afixada na porta do Palácio do Governo e o governador da província inclinava-se três vezes perante ela. Passados alguns dias, o governador, os comissários imperiais e os outros altos funcionários marcavam um banquete de homenagem aos laureados. Os aprovados nos exames de província (Xiangshi) ficavam com o título de Juren.
Os dias que se seguiam à graduação eram de festa, em que os novos titulares também prestavam culto ao Céu e à Terra, em reconhecimento da honra que lhes havia sido concedida, e aos seus antepassados. Ajoelhavam-se perante os seus pais e por três vezes batiam com a cabeça no solo. Durante os festejos, os laureados usavam cabaia de seda azul e barrete especial, com penacho de folhas artificiais douradas nos dois lados. Em cadeirinha, com acompanhamento de música e criados, percorriam as ruas e visitavam os seus mestres, parentes e amigos.
Os que passavam a ter o título de Juren tinham acesso directo aos exames do ministério (Huishi), realizados na capital do país uma vez em cada três anos, no primeiro ou segundo mês lunar. Custeados pela tesouraria das províncias, os candidatos recebiam uma ajuda para as despesas de viagem até à capital, sendo as formalidades e as matérias iguais às do segundo grau literário.
Os aprovados no terceiro grau (Chin-shih), que corresponde ao doutoramento em Letras, recebiam o título Gongshi e ficavam habilitados a fazer o exame do Palácio. Os seus nomes eram inscritos no registo da Repartição de Administração Civil e eram apresentados ao Imperador, que premiava os três primeiros classificados.

 

Flores de seda no Palácio Imperial

 

No Palácio Imperial (Gugong, 故宫), em Pequim, eram realizados os exames do palácio (Dianshi) no dia 21 do quarto mês, presididos pelo Imperador. Aconteciam no Pavilhão da Protectora Harmonia e era o último teste da carreira, sendo uma repetição dos anteriores, mas nos quais não havia reprovações. Serviam para atribuir o quarto grau e distribuir os escalões aos que ficavam com o título de Jinshi. Dava acesso directo às altas posições imperiais e à nomeação na Academia Imperial.

A entrada da Suprema Harmonia (Taihe men, 太和门), com dois leões de bronze, é o mais alto dos pavilhões do palácio. Para aí chegar, apenas ao Imperador era permitido subir pela rampa central, onde entre as escadas um alto-relevo em mármore tem esculpido dragões e as pérolas entre nuvens, tal como todas as escadas usadas pelo Imperador. Atravessada esta entrada abre-se um outro enorme átrio, onde certas cerimónias se realizavam e nas partes laterais encontravam-se os armazéns.
De acordo com as explicações do padre Magalhães, os senhores e mandarim colocavam-se “segundo a sua categoria e preeminência nos lugares destinados a cada uma das nove ordens de mandarins, que estão indicadas e escritas em pilares muito baixos” de bronze e quadrados. É deste clérigo a descrição dos diferentes trajes dos mandarins, que se encontra na página 263 da Nova Relação da China. “Os mandarins de letras ficam à esquerda do rei, que na China é o lugar de maior honra, e os mandarins de armas à direita, e o rei sempre com a frente para Sul quando se encontra assentado no trono”, escreve o padre.
Depois três pavilhões formam um complexo construído sobre uma plataforma de mármore branca de três níveis, cujo acesso é feito por três alamedas, sendo a central reservada ao imperador. Estes pavilhões conhecidos por “dian” são enormes edifícios de uma só sala e simbolizam o supremo poder do imperador, tendo cada salão uma função no cerimonial.
O Pavilhão da Suprema Harmonia (Taihe Dian, 太和殿), o maior e o mais importante do palácio, tem no centro o trono do dragão flanqueado por seis colunas douradas com desenhos gravados de dragões entre as nuvens. Aí se realizavam as mais importantes cerimónias oficiais, como a coroação do imperador, a celebração do aniversário e do casamento imperial, as audiências nas grandes ocasiões, como eram as do Ano Novo Lunar e do solstício de Inverno, e onde eram anunciados os nomes dos que passavam o último dos exames imperiais.
Desde o reinado de Yongle, da dinastia Ming, até ao de Qianlong, da dinastia Qing, aí se realizavam os exames imperiais do quarto grau, que conferia o título de Jinshi e correspondia ao doutoramento em letras. Todos os aprovados eram providos nos cargos públicos e ocupavam lugares como altos dignitários da Corte, conselheiros do imperador, nos ministérios e na Academia de Letras como professores, ou eram mesmo nomeados para estudarem e proporem a reforma na administração do país. O imperador dava um banquete em honra dos aprovados, assim como aos que complementavam 60 anos após terem recebido o título de Juren ou o de Jinshi. Sobre a mesa, no lugar de cada um, era colocada uma flor de seda vermelha. Como essa cerimónia acontecia nos finais de Outubro e por essa altura não havia flores, eram utilizadas as de seda (“juanhua”) tão perfeitas que só nelas tocando se percebia que não eram naturais.
Era no Salão da Protectora Harmonia (Baohe Dian) que se fazia o banquete de Ano Novo para ministros e nobres. No reinado do imperador Qianlong, no ano de 1789, aí começaram a ter lugar os exames imperiais do quarto grau, que eram sobretudo feitos por manchus, já que era a etnia que governava a China. Ficar com o título de Jinshi era uma grande honra e os nomes eram inscritos em estelas de pedra no templo de Confúcio em Pequim.

 

A evolução dos Exames Imperiais

 

Se desde a dinastia Zhou os oficiais da administração do império eram recrutados por pertencer à aristocracia, serem parentes de oficiais ou por terem mérito, foi na dinastia Han do Oeste que passaram a ser recomendados e convidados especialistas nos clássicos confucionistas. O recrutamento por exame passou a acontecer na dinastia Han de Leste, com o candidato a agitar o recipiente feito de um segmento do caule de bambu em forma de vaso “zhu tong” (tchim t’ông em cantonês), onde havia dentro muitas palhetas de bambu “zhu qian” (tchôk tchim) com as perguntas gravadas. Com a agitação, as palhetas saltavam, separavam-se umas das outras e caíam ao chão. Assim se dava o mote da dissertação.
Para as dinastias Ming e Qing, ambos os exames provinciais e do ministério continham três secções: a primeira tinha três questões sobre os “Quatro Livros” e quatro sobre os “Cinco Clássicos”; a segunda incluía um ensaio escrito no género de debate, cinco falsas ou verdadeiras questões e uma questão sobre os escritos dos éditos e de outros documentos da corte, e a terceira consistia em cinco perguntas respeitantes aos clássicos e um debate sobre assuntos correntes.

Já no ano de 1787, no reinado do imperador Qianlong, o sistema de exames provinciais e do ministério ficou mais ou menos estabilizado e definido. Assim a primeira secção constava de uma redacção sobre três ensaios dos “Quatro Livros” e um poema com cinco caracteres em oito rimas; a segunda, uma redacção com cinco ensaios sobre os “Cinco Clássicos”, enquanto que na terceira era necessário escrever cinco ensaios sobre os clássicos confucionistas, memórias históricas e assuntos da actualidade.Na dinastia Qing, o quarto exame, Dianshi, era realizado no Pavilhão da Harmonia Preservada (Baohe Dian). Os exames geralmente decorriam no mês de Março nas dinastias Song, Yuan e Ming, mas com a grande reforma no reinado do imperador Qianlong da dinastia Qing, em 1787, os testes passaram a ter uma data fixa, a 21 de Abril. Nas dinastias Ming e Qing, os cinco níveis de melhores resultados no Dianshi passaram a três. O primeiro dos três níveis, os honrados como eruditos imperiais, era o primeiro lugar nos exames do Palácio chamado Zhuangyuan e apontado “xiuzhuan” na Academia Halin; o segundo, “bangyen” (segundo colocado) e o terceiro “tanhua” (o segundo do segundo colocado) eram apontados “bianxiu” (editor da Academia Hanlin). Aos que ficavam no segundo nível de melhores colocados era-lhes dado o título “jinshi chushen” e aos do terceiro nível, “jinshi chushen associados”. O sistema de exames imperiais ainda voltou a ser reformulado em 1902, mas terminou pouco depois, em 1905.

 

Do vae-seng ao pacapio

 

Aguerra civil entre o governo Qing e o Grande Reino da Paz Celestial (Taiping Tianguo) levou à destruição do gongyuan da Província de Guangdong, situado na cidade de Cantão, consumido por um incêndio em 1857. Sem capacidade financeira do governo, houve quem se lembrasse, a exemplo do que já acontecia em Macau, de criar um jogo para angariar o dinheiro necessário à reconstrução do edifício. Com alguma resistência, já que o jogo era proibido na China, lá apareceu no ano de 1861, na Província de Guangdong, a lotaria vae-seng (wai xing – wai significa o local de exames, no período imperial, e xing, apelido).
O jogo consistia em marcar 20 apelidos da lista dos candidatos que iam fazer exame para juren. Como se apostava nos que iriam passar no exame, os apelidos mais comuns como Li, Chen, Wang e outros, eram retirados dessa lista por terem mais candidatos, logo com maior probabilidade de se acertar.
Após dois anos, em que esta lotaria deu grande lucro e com o gongyuan reconstruído, terminaram as apostas na província de Guangdong. No entanto, quando o governo precisou de arranjar rapidamente dinheiro recorreu por breves períodos a ela. Mas em Macau, que tinha aderido entusiasticamente a este jogo, a lotaria continuou até 1905.
Benjamim Videira Pires, S.J. escreve sobre a lotaria vae-seng em Os Extremos Conciliam-se: “Sempre que havia exames de Estado em Pequim e provinciais em Cantão, de três em três anos, cada bilhete da lotaria incluía 20 apelidos de candidatos. Cada colecção de mil bilhetes formava uma série e cada série constituía uma lotaria com três números. O prémio era ganho pelo bilhete que contivesse maior número de apelidos de candidatos premiados. Havia bilhetes de meia pataca, uma, duas, três, cinco e dez. Com um bilhete de dez patacas, podiam ganhar-se seis mil. Desde que o governo chinês permitiu a venda dos bilhetes em Cantão, o arrematante do vae-seng em Macau pagava apenas trinta e seis mil patacas anuais ao governo português.”
O Pacapio (ou “pequeno vae-seng”), que ainda se joga em Macau, é o sucedâneo da antiga lotaria e apareceu após o fim dos exames imperiais.

 

A herança de Confúcio

 

Há quatro mil anos os pré-dinásticos soberanos eram escolhidos pelo seu saber e pelo poder de conseguirem prever e controlar as catástrofes. Desde a dinastia Xia (2070-1600 a.C.), quando já havia escolas, e até ao final da dinastia Shang (1600-1046 a.C.), os cargos de oficiais eram apenas hereditários.
Se na dinastia Zhou (1046-256 a.C.) os oficiais da administração do império eram recrutados por pertencerem à aristocracia, por serem parentes de oficiais ou por terem mérito, foi na dinastia Han do Oeste (206 a.C.-9) que passaram a ser recomendados e convidados especialistas nos clássicos confucionistas. Essa herança provém do grande sábio Kongfuzi (孔夫子, 551-479 a.C.), conhecido em português por Confúcio. Estava-se nos finais do período Primavera-Outono (770-476 a.C.) e a sociedade fazia a mudança para o feudalismo.
Num tempo em que os valores e princípios desapareciam rapidamente, era preciso deixá-los registados para os vindouros. Como grande educador, Confúcio, ao assistir à entrada do caos no quotidiano da sociedade onde vivia, trabalha e edita o Livro de História (Shu Jing) e o Livro das Odes (Shi Jing). No Livro das Mutações (Yi Jing), faz anotações ao longo dos 50 anos em que o estuda e acrescenta-lhe apêndices. Compila os Anais do Período Primavera-Outono (Chunqiujing), tendo sido o Livro dos Ritos (Li Ji) e Livro da Música (Yue Ji) revistos por ele.
Confúcio era um reformador e tentou reorganizar a ordem da sociedade, seguindo os rituais da dinastia Zhou. Como modo de vida, propunha aos estudantes o aperfeiçoamento da moral e da ética pela rectidão, pela benevolência e respeito pelos antepassados. Como filosofia, defendia o caminho da sabedoria prática que procura a harmonia na vida social, na educação e na política e, por isso, atribuía grande importância à paz, ordem e à harmonia, como princípios do bem governar. Os seus ensinamentos, apesar de no tempo terem passado à margem, perpetuaram-se na sociedade tradicional chinesa a partir da dinastia Han.
Mais do que uma tentativa de explicação do mundo, o confucionismo foi organizando lentamente a ordem social e política que se tinha desintegrado e, pela educação preparou muitos letrados para o serviço da administração do território. Baseado nos ensinamentos de Confúcio pelo princípio do bem governar, os seus seguidores foram administradores exímios e poderosos, servindo essa doutrina ética de guia a muitos imperadores e dinastias.