Para Joaquim Moreira de Lemos, Xangai é a cidade onde tudo está a acontecer e sente-se um privilegiado por poder ver ao vivo e a cores o crescimento desmesurado da China. Aos 48 anos, acabadinhos de fazer – a 1 de Setembro -, sente-se uma criança aos pulinhos de entusiasmo, como ele próprio confessa. Um entusiasmo com o qual contagiou a família – a mulher, Paula, e o filho, João. Entre a decisão e o momento de aterrar, de armas e bagagens, na megalópole chinesa, toda a família se empenhou a estudar a língua, rendida já às promessas da cidade grande.
O Cônsul que queria ser arquitecto
Extremamente optimista, bem-humorado e afável, o cônsul é também meticuloso e organizado. Não é pois de estranhar que, aos 15 anos, soubesse exactamente o que queria fazer da vida. Queria ser arquitecto. Foi ungido pela família com os óleos que o deviam tornar arquitecto – diz, com esta capacidade de brincar com as palavras que o caracteriza. Enquanto todos os outros meninos sonhavam ser bombeiros ou jogadores de futebol, Joaquim queria ser arquitecto e perpetuar a obra do avô, que nunca conheceu mas que trabalhou com o mestre do modernismo Raul Lino, e com ele foi um dos co-participantes do chamado Movimento da Casa Portuguesa.
Depois um belo dia, aos 17 anos, quando acabou o então sétimo ano, fez um teste no Instituto Português de Orientação Profissional. E a este organismo público deve o que é hoje, admite. A elevada capacidade persuasiva apontava para uma carreira em Direito. Uma mudança de planos que o pai, homem esclarecido, aceitou de bom grado. Assim, em 1979, Joaquim Alberto de Sousa Moreira de Lemos é admitido na Faculdade de Direito de Lisboa. Dois anos depois, detestava o curso. Mas como é muito disciplinado e gosta de terminar tudo o que começa, só saiu da Faculdade em 1984, já com o diploma de Direito no bolso e uma honrosa média de 14 valores.
O caso do professor e da aluna
Um dia, acompanhou uma colega que queria inscrever-se na reitoria para dar aulas. Mas acabou por ser Joaquim Moreira de Lemos quem se inscreveu e pouco tempo depois estava a leccionar a cadeira de Ciência Política e Direito Constitucional.
Um pormenor, é certo, em termos de percurso profissional, mas um momento crucial para a vida pessoal. Numa das suas turmas, estava aquela que viria a ser a senhora consulesa geral em Xangai. Com humor, recorda que foi mais “um caso” de um professor com uma aluna – nada de grave, o professor tinha então 23 anos e a aluna 19!
Podia ter ficado a dar aulas na faculdade, ou na firma de auditoria Arthur Andersen, por onde passou, ou ter ingressado na advocacia, mas preferiu o concurso de adido de Embaixada, do Ministério dos Negócios Estrangeiros. O seu primeiro posto consular foi em Brasília e é sempre com um brilhozinho nos olhos que nos fala dos tempos do Brasil. E até nos confessa que desfilou numa Escola de Samba, vestido de marinheiro, em ‘Lycra’, mas garante que as fotografias estão escondidas num cofre… Do consulado de Brasília, passou para o de Madrid, em Espanha, e para o de Lyon, em França. Pelo meio, andou pela zona do Mediterrâneo. Foi responsácel pela representação diplomática na Tunísia. Na altura, para facilitar o contacto com os seus interlocutores, explicava-lhes que nasceu em Lisboa, encostado às muralhas do Castelo – mas do lado de fora, do lado dos mouros.
Especialista nas questões do Mediterrâneo, Joaquim Moreira de Lemos vira-se agora para outro mar, o da China. Mas quando lhe falamos do final da carreira, um dia, como embaixador, e lhe perguntamos onde a imagina, é com sotaque brasileiro que nos responde: “Sabe que eu não sei?…”
Fazer o marketing do seu próprio país
A primeira coisa que o novo cônsul geral de Portugal em Xangai quer fazer é sentir o pulso da cidade. Só depois é que vai estabelecer um plano de trabalho para os próximos quatro anos
Numa megalópole de 17 milhões de habitantes, onde a presença da comunidade portuguesa é estatisticamente irrelevante, o novo cônsul de Portugal em Xangai pode dedicar-se a aspectos menos administrativos da gestão consular e apostar no desenvolvimento da imagem de Portugal na China.
Tanto mais que, defende, um diplomata é, na prática, um profissional de marketing do seu país. Não é por acaso que, recorda, o Brasil tinha um Departamento de Imagem no Ministério dos Negócios Estrangeiros. Um conceito que Portugal poderia adoptar, já que, hoje em dia, um país se vende como se vendem produtos.
Claro que para vender a imagem de Portugal é preciso apostar nas suas mais-valias reais e dá-las a conhecer. E é esse o seu desafio, que quer habituar os decisores locais, as câmaras de comércio e outras entidades à presença lusa, e reforçar, assim, a imagem de Portugal, na região e no país.
Pólo universitário português em Xangai
Um reforço a fazer, eventualmente, através da promoção da língua portuguesa, cada vez mais procurada pelos estudantes na China. Todos os anos saem das universidades chinesas “batalhões” de licenciados em língua portuguesa, imediatamente absorvidos pelas empresas chinesas com interesses na África lusófona e no Brasil, explica-nos o cônsul, para quem a língua de Camões tem todas as características de uma língua universal, com história e presença em todos os continentes.
Daí que o novo representantel sonhe com a criação de um pólo universitário português de excelência em Xangai. O pólo reuniria várias universidades portuguesas, cada uma contribuiria com aquilo que de melhor sabe fazer, e funcionaria como um núcleo de atracção de competências e inteligências, portuguesas e chinesas, com o objectivo de criar fluxos nos dois sentidos. Criar o hábito, na sociedade estudantil portuguesa, de fazer estágios e intercâmbios em universidades chinesas, e vice-versa.
Pragmático, Joaquim Moreira de Lemos acredita que a língua portuguesa terá o futuro que o mercado lhe ditar. E esse mercado é feito de expectativas sobre o desenvolvimento de Portugal, da África lusófona e, claro, do Brasil. Daí que o novo representante de Portugal em Xangai seja um ardente defensor do acordo ortográfico.
Uma ferramenta que permitirá a sobrevivência de uma língua cuja única capacidade de afirmação reside na sua universalidade.
De olhos postos na Expo Xangai 2010
Criado há quatro anos, o Consulado de Xangai tem bases sólidas, diz, em reconhecimento do trabalho realizado pelo primeiro cônsul, João Maria Cabral. E o facto de funcionar no mesmo piso do Centro de Negócios, que depende da AICEP – a Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal – é uma mais-valia para quem quer desenvolver a vertente empresarial das relações sino-portuguesas e reforçar a presença na capital económica da China. Além disso, Joaquim Moreira de Lemos conhece bem o engenheiro Manuel Couto Miranda, o cônsul-adjunto, responsável pelo Centro de Negócios, com quem já colaborou quando ambos estavam na Tunísia e com quem conta, agora, trabalhar em tandem. Dizer que o mercado chinês é grande é quase uma redundância, mas é também um desafio. Portugal tem de fazer negócio através daquilo que pode exportar e que faz melhor. E se dantes os chineses eram aforradores, a tradição já não é o que era e os padrões de consumo estão a mudar rapidamente. Hoje, 450 milhões de chineses têm acesso a produtos de luxo. É preciso criar-lhes apetência pelos produtos portugueses. Produtos que vão da gastronomia tradicional a grandes projectos de consultoria, de gestão ou de engenharia, com elevada incorporação tecnológica.
Esse é, em parte, o papel do Consulado de Xangai, terceiro pilar da representação diplomática de Portugal na China, centrada, por razões políticas, na Embaixada, em Pequim, e por razões históricas, no Consulado de Macau. Um consulado que soube actualizar-se com ingredientes de natureza económica, diz Joaquim Moreira de Lemos, que tenciona também trabalhar em conjunto com o seu homólogo de Macau. Até porque, mesmo se a China é grande, o mundo, esse, é pequeno, e o novo cônsul de Xangai foi colega de concurso de Manuel Cansado Carvalho.
Xangai, a grande capital económica do século XXI, é a cidade onde tudo está a acontecer permanentemente, deslumbra-se o cônsul. As autoridades chinesas estão sedentas de mostrar a sua capacidade de realização. Uma capacidade já demonstrada durante os Jogos Olímpicos e que não faltará, certamente na Exposição Universal de Xangai, em 2010, que Joaquim Moreira de Lemos aguarda com impaciência. E tendo em conta que o comissariado vai funcionar no espaço do Consulado, Joaquim Moreira de Lemos quer participar tanto quanto possível nos preparativos do Pavilhão de Portugal.
D. D.