Quando entrou nos Serviços de Educação, a convite do amigo Jorge Rangel, pensava regressar ao que mais gosta de fazer: dar aulas. Mas a sua vida profissional acabaria por mudar em 1982, quando aceitou chefiar a divisão de apoio ao ensino particular. “Não queria, não estava motivada, ganhava bem, não percebia nada de gestão, mas é difícil dizer não a Jorge Rangel”, assim explica a sua entrada nos Serviços de Educação e Juventude (DSEJ), onde permaneceu até 1997.
O então secretário para a Educação sabia que poucos macaenses dominavam o chinês escrito e viu em Edith Silva o quadro ideal para iniciar um maior contacto com as escolas chinesas, “a Administração estava de costas viradas para o ensino particular”.
Não conseguiu cumprir a promessa que então fez aos seus alunos que três anos depois estaria de volta às aulas, mas guarda óptimas recordações dos 15 anos que trabalhou na DSEJ.
“Não havia nada sobre as escolas particulares, apenas uma folha com os nomes dos directores e pouco mais”, observa. “Em poucos meses, acompanhada por um técnico, visitei todas as escolas. Nem sempre fui bem recebida, mas pouco a pouco comecei a ganhar confiança. Os antigos directores das escolas são agora os meus melhores amigos”, afirma com enorme satisfação. “Quando fui promovida a subdirectora e depois a directora o ensino particular continuou sob a minha alçada, já que ganhei grande ligação às escolas privadas, que são, como se sabe, o grande motor da educação em Macau”.
Difícil adaptação a Lisboa
Nascida em 1943, teve uma infância feliz. O pai, empresário, e a mãe, doméstica, não tinham dificuldades em proporcionar aos dois filhos uma vida sem problemas. “Não tinha necessidade de fazer nada”, recorda. O patriarca, representante da General Electric em Macau, além de produtos portugueses, foi sócio fundador do restaurante Solmar e accionista da Pousada de Macau, que durante anos funcionou junto ao Palácio do Governo, na Praia Grande.
Em 1963 deixa, pela primeira vez, Macau. Depois de concluir o sétimo ano, parte para Lisboa para frequentar a Universidade Clássica de Lisboa. Jorge Rangel, Raquel Alves, Diogo Córdova, Francisco Fong, João Baptista Lam, Nuno Jorge e Virginia Rego foram alguns dos colegas que naquela época também frequentavam a universidade em Portugal.
A adaptação à capital do então “Império” foi muito difícil. “O meu pai, bastante conservador, obrigou-me a ir para casa de uma tia, que não conhecia e onde não havia gente jovem”, diz, poucos dias antes de partir para mais uma deslocação do Conselho de Educação ao interior da China.
O tempo também não ajudava, “chovia quase todos os dias”, o que levou Edith Silva a pensar em desistir e ir para Inglaterra tirar um curso de secretária, que na altura “estava muito na moda”.
O progenitor tinha, no entanto, um desejo: ver a filha com um curso superior.
“No primeiro ano cheguei a entrar em aulas que não eram as minhas, tudo aquilo era muito confuso para mim”, lembra com um sorriso nos lábios. A primeira opção era Medicina, mas como se tratava de um curso longo, optou por Biologia, “estava mais próximo de medicina e tinha duas vias: a investigação e o ensino”.
Em 1967 tudo se altera, uma vez que a família se muda para Portugal. Edith Silva ajuda a mãe, que não dominava o português, na integração em Lisboa. O pai acabou por ter problemas graves de saúde, que o obrigaram a ficar retido em casa durante dois-três anos, mas isso não a impediu de concluir a licenciatura em Ciências Biológicas.
Fugir à guerra colonial
A guerra colonial pairava então sob todas as famílias portuguesas. O irmão, com 20 anos de idade, corria sérios riscos de ser chamado para o serviço militar e mobilizado para África. “A minha mãe não queria ouvir falar nessa hipótese e convence o meu pai a regressar a Macau”, o que sucedeu dez anos depois de ter deixado o Oriente.
O então director da Escola Comercial, Henrique Senna Fernandes, convida-a para dar aulas, a tempo parcial. “Oito horas por semana apenas, mas foi uma excelente experiência, apesar de não ser a minha especialidade (Matemáticas Modernas)”, conta agora no seu gabinete da Escola Portuguesa, no local onde precisamente começou a trabalhar.
Em Janeiro de 1974 é chamada para o Liceu Nacional Infante D. Henrique, “como o grupo de ciências estava ocupado, fui ensinar geografia. Tive que aprender muito para desempenhar bem a minha tarefa”. No primeiro ano acumula as aulas no Liceu e na Escola Comercial, “uma boa maneira de começar a carreira”. Durante oito anos mantém “um bom relacionamento com os alunos” a quem ministra matemática, física, biologia e geografia.
Aprendeu chinês com Luíz Gonzaga Gomes
Ao contrário do que sucedeu com muitos dos seus colegas de escola, Edith Silva aprendeu a ler e a escrever chinês. Luís Gonzaga Gomes foi decisivo na aprendizagem da língua. “O professor traduzia os filmes que eram exibidos em Macau e arranjava com facilidade bilhetes para o cinema. Dava aulas em regime extra-curricular, mas levava muito a sério a sua missão. Todos os dias tínhamos leitura, tradução, interpretação, retroversão e ditados. Os colegas começaram a desistir e acabei por ficar apenas eu”, recorda, acrescentando que também pensou em abandonar. Mas Luís Gonzaga Gomes mantinha fortes relações de amizade com o pai e com uma simples frase convenceu-a a prosseguir os estudos: “não era bom ser analfabeta na sua própria terra!…”.
Foi, de facto, o mestre que lhe incutiu o gosto pelo cantonense. Mas havia uma outra razão: a mãe só falava chinês, o que acabou por reforçar o seu interesse pela língua. “Quando estava em Lisboa foi muito útil, já que era em chinês que comunicava com ela”.
Num período em que muitos amigos e antigos colegas apostam na aprendizagem da língua, Edith Silva diz que se sente muito orgulhosa em ter aprendido com Luís Gonzaga Gomes. “Permitiu-me ler poemas em chinês, conhecer melhor a história da China”, nota, admitindo que contribuiu também para o relacionamento com o namorado, mais tarde, marido. “Logo no início da nossa ligação ofereceu-me um livro com 300 poemas. Aprendi muito com a leitura desses poemas”, observa, frisando que o domínio das duas línguas foi importante na sua carreira profissional.
Construção de escolas
No início da década de 80 do século passado, quando a Administração de Macau, então liderada por Almeida e Costa, começou a apostar em jovens quadros macaenses, Edith Silva ingressa na DSEJ. Entre 1986 e 1989 desempenhou funções de subdirectora. Nos sete anos seguintes dirigiu os Serviços de Educação e Juventude.
O plano de construção de escolas é um dos projectos que destaca dos tempos em que liderou a educação. “O número de alunos por turma rondava os 60-70 alunos, a maioria dos professores não era profissionalizada”, observa, enquanto mostra um álbum com as fotos das 16 escolas inauguradas em 1994-1995. “A Administração ofereceu excelentes instalações às escolas particulares e ainda deu um subsídio para os equipamentos e outras despesas”, nota.
A introdução da escolaridade gratuita e a lei-quadro do sistema educativo são outras das medidas concretizadas nos anos 90 que deixam Edith Silva muito satisfeita. “Não havia tanto dinheiro como hoje, mas o Governo investiu muitos milhões para ter a escolaridade gratuita. Sessenta por cento das escolas particulares aderiram de imediato, o caminho estava traçado”, realça, reconhecendo que nos últimos anos o Executivo de Edmund Ho tem investido muitos recursos no sector da educação. “Houve uma aposta na continuidade, mas os meios são outros. A DSEJ concede subsídios para formação, obras, material didáctico. Ninguém se pode queixar, as escolas só não têm mais coisas, porque não querem”.
O actual director dos Serviços de Educação, que conhece desde os tempos em que Sou Chio Fai entrou na DSEJ, merece rasgados elogios. “É um quadro com larga experiência, perfeito conhecedor dos problemas da área da educação e que tem contribuído para a melhoria do sector”, assevera.
O pesadelo Melchior Carneiro
Ao baú das recordações, a agora presidente da direcção da Escola Portuguesa, vai buscar o que de mais significativo foi feito nos anos em que dirigiu os Serviços de Educação. A formação de professores, garante, conheceu grande desenvolvimento nesse tempo, “o que permitiu elevar a qualidade do ensino”. O mesmo sucedeu com a atribuição de subsídios a professores e para a aquisição de material escolar, assim como a introdução do ensino secundário nas escolas luso-chinesas.
O caso Melchior Carneiro deixou, no entanto, grandes marcas. “Foi a minha maior mágoa. Tinha uma grande consideração pelo padre Videira Pires e não posso aceitar que alguém se tenha aproveitado do seu estado de saúde para fazer tanta confusão”, sublinha. “No dia 8 de Dezembro de 1995, dia da inauguração do Aeroporto Internacional, em que estava cá o presidente da República, Mário Soares, realizou-se uma manifestação contra mim. Não tínhamos quaisquer responsabilidade no que se estava a passar.
Mais tarde, no dia em que a então ministra da Educação da China, Wei Yu, visitava Macau os Serviços de Educação foram invadidos. Ficou provado que a DSEJ agiu bem ao não reconhecer o director e ao entregar o alvará ao padre Luís Sequeira, mas até hoje a verdade não foi reposta”.
Se todos temos um “annus horribilis”, 1995 deixou a antiga responsável pela DSEJ muito, muito triste. Além dos acontecimentos em torno do Melchior Carneiro, Edith Silva, que não tem filhos, perdeu o marido, companheiro de uma vida, “a maior tragédia de sempre, não estava à espera, fiquei de rastos, pensei em deixar tudo”.
Foi também em 1995 que teve que tomar a decisão de se desvincular da Função Pública. Um erro, reconhece em 2009. “Não tinha necessidade, havia sinais evidentes para não deixar a Função Pública. A chamada bolada não é nada, mas estava muito em baixo…”. Tomada a decisão, mantém-se na direcção dos Serviços de Educação até 1997.
Com um vasto currículo, integra o Conselho da Educação e o colégio eleitoral que elege o Chefe do Executivo. É membro da Assembleia da Universidade de Macau, presidente da assembleia-geral do Instituto Internacional de Macau e da Associação dos Antigos Alunos do Liceu de Macau.
Além de participar em outras associações, como a da Divulgação da Lei Básica, Cruz Vermelha, Associações de Escoteiros ou Conselho das Comunidades Macaenses, dá o seu contributo à Comissão de Luta Contra a Droga. “O problema da droga não é preocupante na Escola Portuguesa. Todos os anos temos feito, em colaboração com o Instituto de Acção Social (IAS) e a Associação de Recuperação dos Toxicodependentes de Macau (ARTM) sessões de sensibilização. Não há casos de droga na escola”, sustenta, depois de notar que a sua ligação à Comissão de Luta contra a Droga nada tem a ver com as funções que desempenha no estabelecimento de ensino.
Como reconhecimento do trabalho desenvolvido durante mais de três décadas na educação de Macau, foi agraciada com vários louvores e condecorações, nomeadamente o Grau de Grande Oficial da Ordem do Infante D. Henrique, concedida pelo presidente da República Portuguesa, e a medalha de mérito educativo, atribuída por Edmund Ho em Dezembro de 2008.
Gosta de ler, ouvir música – adora ópera chinesa – e, sobretudo, de viajar, “só não conheço África”.
“Não queria a Escola Comercial”
Presidente da direcção da Escola Portuguesa de Macau, desde a sua criação, Edith Silva conhece como ninguém todo o processo que levou à constituição do estabelecimento de ensino. “Assustaram-se, entre outras coisas, com a conta da electricidade, com os custos de manutenção da piscina do então Complexo Escolar”, esclarece, para justificar a opção pelo edifício da antiga Escola Comercial Pedro Nolasco da Silva. “Também havia quem pensasse que poucos anos depois não teria mais de 300 alunos. Enganaram-se!”
O estabelecimento da Escola Portuguesa começou a ser equacionado pela Administração em 1993-1994. “O desafio estava lançado, era necessário preparar o futuro, encontrar uma solução para o ensino em língua materna portuguesa”, diz. De Lisboa veio mais tarde uma delegação, liderada por Pereira Neto, para verificar as instalações disponíveis. Além do Liceu (Complexo Escolar) e da Escola Comercial estavam em cima da mesa o Complexo da Flora, a Escola Secundária Técnico Profissional Luso-Chinesa e o Colégio D. Bosco.
Volvida mais de uma década, não tem dúvidas de que a opção pelas actuais instalações não foi a mais correcta. “Na reunião com o ministro Marçal Grilo, no Hotel Mandarim, disse até ao último instante que não queria a Escola Comercial”, revela, explicando que também até ao derradeiro minuto rejeitou ser presidente da direcção da Escola Portuguesa.
O lançamento da primeira pedra, em Abril de 1998, presidida pelo então primeiro-ministro, António Guterres, não podia acontecer sem a futura Escola Portuguesa ter um líder. “Fiz uma série de pedidos, convencida de que não seriam aceites, mas os membros da Fundação Escola Portuguesa de Macau disseram sim a tudo o que tinha apresentado”.
Onze anos depois, diz ter motivos para estar orgulhosa. “Os problemas de instalações e financeiros nunca mexeram com a parte pedagógica. A Escola Portuguesa é uma realidade, é viva, as pessoas reconhecem a qualidade do ensino ministrado. O pessoal docente é qualificado e a nossa média nos resultados nacionais ou no PISA (Programa Internacional de Avaliação de Alunos da OCDE) são bons”, comenta.
A presidente da direcção reconhece que falta marketing à Escola Portuguesa, que é urgente captar mais alunos, mas está convencida que a internacionalização “não é a varinha mágica” para combater a redução de estudantes.
A criação de uma secção internacional, em que as aulas serão ministradas em inglês, contribuirá para o aumento de alunos, sucedendo o mesmo com a flexibilização dos currículos.
A internacionalização, que aguarda a aprovação do ministério da Educação, não será concretizada em 2009-2010. A flexibilização dos programas vai entrar em vigor no próximo ano lectivo. “Vamos facilitar a conclusão do 12º ano e a entrada em universidades não portuguesas”, esclarece, “os alunos vão ter outras possibilidades” de concluir os estudos.
Quanto ao ensino do mandarim, a responsável admite que nem tudo tem corrido bem. “A maioria dos encarregados de educação não domina a língua, o que dificulta o acompanhamento do ensino do chinês. É, de facto, um drama para os pais”, sublinha, admitindo que “houve muitos problemas no recutamento dos professores”.
A situação tem evoluído e no corrente ano lectivo há três professores a tempo inteiro, o que leva Edith Silva a acreditar que os resultados vão melhorar.