Confúcio entre amigos de lugares longínquos

Quando o Governo Central promoveu a abertura do primeiro Instituto Confúcio no estrangeiro começou a aposta para a difusão do mandarim a nível internacional. Cinco anos depois do projecto-piloto, os institutos Confúcio alargaram-se a todo o mundo e já há cerca de 40 milhões de pessoas a estudar mandarim

 

A Ordem das Coisas

 

Uma frase, uma citação, um conselho, um ensinamento. Na China não é difícil ouvir alguém citar Confúcio de memória. Parte integrante da cultura tradicional, o confucionismo não é apenas um ensinamento na escola mas também uma ideia transmitida de pais para filhos. Sobre respeito, sobre tradição, sobre ordem social.

Nunca apagada na história do país, a ética confucionista passou por momentos de maior atenção ou esquecimento consoante a época. Num período marcado pela desordem, aquele em que viveu, – o período dos Três Reinos entre o século VI e V a.C. –, Confúcio falava da necessidade de ordem, reservando um papel para cada pessoa em sociedade. Influente já no seu tempo, o pensamento do filósofo revelou-se intemporal e as virtudes explicadas há séculos na China são ainda as mesmas que devem pautar o comportamento de um homem correcto, seja ele um líder ou um filho.

Imagem da cultural ancestral o filósofo tem vindo a ser como que recuperado nos últimos anos enquanto mensageiro da China para o mundo através do ensino da língua.

Actualmente com 295 institutos a funcionar em várias universidades, o nome de Confúcio nos institutos já ultrapassa em número o de Goethe e Cervantes juntos. A vontade de dar a conhecer o país e a cultura levou o Governo Central, através do Ministério da Educação, a desenvolver parcerias em todas as latitudes e longitudes. Confúcio terá referido um dia o prazer que era receber visitas de amigos de lugares distantes. Hoje a História lê-se de outra forma com Confúcio a ser o primeiro a visitar esses locais longínquos.

O número de estudantes a aprender mandarim a nível mundial já chega aos 40 milhões. Impressionante tendo em conta que é um número que aumenta em milhares por cada ano que passa.

Com um dos mais recentes institutos inaugurado em Teerão no Irão em Janeiro deste ano, o grupo Hanban, representante do Ministério da Educação para a expansão da língua além-fronteiras, aproxima-se de alcançar os 300 institutos em todo o mundo durante o ano 2009. Mas este não é o objectivo central.

A missão do grupo continua a ser a expansão da língua e da cultura do Império do Meio. O nome ‘Hanban’ surge como diminutivo da denominação original chinesa para o Gabinete do Conselho Directivo Internacional para a Língua chinesa. ‘Han’ refere-se à língua do povo ‘Han’ e ‘Ban’ significa gabinete. O grupo foi criado em 2004.

Para os jovens chineses que frequentam agora universidades nacionais, o projecto de alargar o ensino do chinês a nível mundial é positivo porque poderá no futuro proporcionar intercâmbios académicos mais frequentes. Por outro lado, ao nível de estrangeiros que decidem investir na aprendizagem do mandarim o desafio é também o de poder viajar ao país e ser entendido na língua local.

Os ensinamentos de Confúcio sobre a importância de aprender e assimilar o conhecimento espalham-se através dos professores chineses que por todo o mundo são os primeiros “embaixadores Confúcio”.

A tendência para trazer o pensador à actualidade tem vindo a desenvolver-se em vários sentidos. É um facto que a recuperação da palavra do pedagogo estendeu-se não só na China mas também em países como a Coreia do Sul onde se recuperaram as escolas confucionistas. Sem exagero, pode dizer-se que há uma comunidade asiática confucionista e que esta tem tendência para crescer.

No ano passado assinalaram-se os 30 anos desde o início da Reforma e considerou-se que o início da expansão de institutos Confúcio foi um dos passos importantes deste processo.

Associadas através do grupo Hanban desde 2006, várias universidades estrangeiras participam no encontro mundial, em Pequim, que reúne os directores dos Institutos Confúcio no mundo e na China. No ano passado organizou-se o 3º Encontro, que juntou mais de 200 responsáveis. Além do desenvolvimento independente de cada um dos institutos, estas reuniões pretendem mostrar a Pequim – o principal financiador dos projectos – o que se faz e o que há a fazer em cada instituto no mundo.

Em Qufu, terra natal do pensador, desde a culinária aos nomes próprios tudo tem um toque confucionista. E desde há cerca de cinco anos, o número de turistas, amantes da cultura chinesa, tem vindo a crescer. “Kong” continua a ser um dos apelidos mais comuns na província de Shandong. E muitos são os que alegam ser ainda descendentes do filósofo. Na verdade, alguns ainda serão.

Dois mil e quinhentos anos depois da sua vida, a ética do pensador divulga-se cada vez mais na sociedade civil e não é raro que entre o mundo empresarial surjam citações sobre a moral que deve ser seguida no mundo moderno. Por outro lado, as escolas confucionistas dirigidas a crianças começaram a conquistar os pais que procuram a melhor educação no sentido ético para os filhos.

Em Pequim, o templo de Confúcio passou por um processo de restauro devolvendo-lhe um lugar de destaque na capital. Renovado o espaço, atrai cada vez mais visitantes. Muitos são estrangeiros de visita mas também cada vez mais nacionais, com vontade de rever o que, na verdade, nunca foi esquecido.

 

À conversa com o Professor Moisés Fernandes

 

Director do Instituto Confúcio em Lisboa inaugurado em 2008, o Professor Moisés Fernandes fez-nos uma leitura da importância de recuperar os ensinamentos do filósofo numa moderna sociedade chinesa

 

A dimensão do fenómeno dos Institutos Confúcio espalhados por todo o mundo leva a que o nome de Confúcio seja cada vez mais uma primeira referência quando se fala da China. Fará sentido dizer que o filósofo é como um diplomata da China actual?

Não diria diplomata uma vez que Confúcio sempre foi uma presença na China e utilizado por várias dinastias como forma de legitimação. A ideologia de Confúcio é uma legitimação mas também uma forma de manter uma estabilidade social e política. Durante os anos da Revolução Cultural pode dizer-se que o nome do filósofo caiu em desgraça mas hoje já foi completamente recuperado. Uma tendência que não é só na China uma vez que o Confucionismo também está muito presente no Japão, na Coreia e em Singapura.

 

O multiplicar dos Institutos Confúcio veio colmatar uma falta que havia a nível mundial para a aprendizagem do mandarim? Em Portugal quem procura mais aprender a língua chinesa?

Em Portugal o interesse na China advém muitas vezes através de Macau e de pessoas que viveram lá e ficaram com ligações ao país. Há também um grande número de alunos que chegam ao Instituto Confúcio em Lisboa através de cursos que frequentam em universidades. São alunos que acreditam que o chinês é uma mais-valia e por isso querem aprender mandarim. No curso em Lisboa temos alunos já formados que chegam de muitas áreas e são economistas, jornalistas, engenheiros.

 

Camões, Cervantes, Goethe, Confúcio, são nomes da aprendizagem de línguas. Como é o modelo chinês de expandir esta rede?

A abordagem da China é um bocado diferente dos outros institutos referidos. A China pretende que os institutos Confúcio estejam sempre associados a universidades chinesas. No entanto, cada Instituto segue o seu padrão enquanto parte da universidade a que está associada sendo o próprio instituto a definir os seus objectivos. O Ministério da Educação chinês dá apoio financeiro mas a organização é individual em cada universidade e instituto. Actualmente quem tem o maior número de institutos são os Estados Unidos. A nível de ensino, o mandarim já está presente em infantários, escolas básicas e secundárias e universidades e isto pode levar a grandes aproximações entre os Estados Unidos e a China.

 

Que papel para Confúcio e os seus princípios podem encontrar-se na China actual?

A China ainda guarda muito da sociedade tradicional. Apesar dos processos de urbanização e desenvolvimento, os princípios confucionistas ainda se aplicam muito. E não é apenas na China mas várias sociedades asiáticas onde a primazia do colectivo sobre o indivíduo continua a acontecer como na China. Há uma ideia desenvolvida de paz social. O Confucionismo é útil para a própria cultura moderna aprender e assimilar o tradicional. O conceito de harmonia social passa por não alterar o que já existe e este é um trabalho que se pode aplicar a qualquer regime.

 

As aulas em Lisboa limitam-se à língua ou passam também por alguma aprendizagem dos princípios confucionistas? 

O primeiro objectivo é o ensino da língua. Actualmente o número de alunos inscritos já ultrapassa os 200 mas este é um número dos alunos que pagaram o curso. Paralelamente há outras actividades a que chamamos lúdico-pedagógicas e que se desenvolvem aos fins-de-semana sendo abertas não só a alunos mas a quem quiser aprender mais sobre a cultura chinesa. Neste momento temos aulas sobre a arte mágica do recorte de papel e introdução ao desenho das máscaras da Ópera de Pequim.

A ideologia de Confúcio é uma legitimação mas também uma forma de manter uma estabilidade social e política