O Controlador

Tem a missão de controlar o que se passa nos casinos de Macau. A equipa que Manuel Neves dirige recorre agora às novas tecnologias para vigiar as apostas de muitos milhões que se fazem diariamente nas salas de jogo da Região Administrativa Especial de Macau
O Controlador

 

Do seu gabinete, instalado no 21º andar do edifício China Plaza, no cruzamento das avenidas da Praia Grande e D. João IV, espreita as jóias” do universo Stanley Ho, “O novo Lisboa tapou-me a vista que tinha, quase deixei de ver o Delta do rio das Pérolas”.
Em cima da secretária da ampla sala de trabalho tem os dados mais recentes da indústria do jogo, pois tinha chegado na véspera de umas merecidas férias, que o levaram até à Europa para passar uns dias com os filhos, que estudam em Lisboa e Londres. 
Filho de pai português (beirão de gema, originário de Bogas de Baixo, uma pequena aldeia do concelho do Fundão) e de mãe chinesa, que ainda hoje lhe dá conselhos, Manuel Neves, de 47 anos, está desde 1997 à frente da Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos (DICJ). 
Numa altura em que o sector onde trabalha está a provocar uma autêntica revolução em Macau, olha para os tempos de infância e juventude com nostalgia e saudade. “Não havia muitos vícios, os jovens praticavam muito desporto e tinham tempo para o convívio”, nota. 
Os tempos de meninice, na companhia dos irmãos José (quadro da CEM), Suzete (a viver em Portugal, mas que na década de 90 foi subdirectora dos Serviços de Turismo) e Isabel (tradutora no Tribunal de Base), foram passados quase sempre no Jardim de S. Francisco, ‘cresci praticamente ali, pois os meus pais viviam na rua Nova à Guia”.
Dos tempos do Liceu Nacional Infante D. Henrique recorda os ensinamentos dos professores de matemática e francês, respectivamente, Fernanda Mota Salvador e António Conceição e “o Zequinhas”, o professor de Educação Física. 
Com grande aptidão para o desporto, ‘praticava todos os desportos e ganhava quase sempre”, Manuel Neves é um amante do ténis, mas deixou de se deslocar    a Coloane para dar umas tacadas no Macau Golf and Country Club”. Três vezes por semana, nos courts do Hotel Mandarim, mantém a forma em partidas disputadíssimas com Manuel Pires, actual subdirector dos Serviços de Turismo. Uma amizade antiga, que ainda hoje perdura. O mesmo sucede com outros colegas dos tempos do Liceu, que actualmente ocupam funções de relevância na sociedade local, como é o caso de Proença Branco, comandante dos Serviços de Polícia Unitários, Brenda Pires, assessora do Chefe do Executivo, e Celina Dias Azedo, secretária-geral da Assembleia Legislativa.

 

Presença assídua na Luz

 

Em Julho de 1977 aterrou em Lisboa para frequentar a Universidade Católica (licenciou -se em gestão de empresas). Apesar de s6 ter visitado Portugal uma única vez, nos anos 60, durante a licença graciosa do Pai. que depois de cumprlI o serviço militar ingressou nos Serviços da Marinha, a adaptação a Lisboa não foi muito complicada. 
 “Os meus irmãos José e Suzete, que estavam em Lisboa a tirar os cursos noutras universidades, acabaram por ajudar, mas o primeiro ano foi um pouco difícil, lembra. 
 “O País atravessava ainda    uma fase complicada, a inflação era galopante, as pessoas queixavam-se muito e o debate político dominava a televisão. Uma situação muito diferente do que se passava em Macau, onde a vida era muito pacata e calma”.
Como sucedia com muitos jovens da altura, Manuel Neves tinha uma grande paixão pelo Benfica, “tornei-me sócio e não falhava nenhum jogo no estádio da Luz. 
Em Lisboa conhece a mulher, Paula, com quem casa, antes de regressar a Macau em 1984. Durante um ano dá aulas na Escola Comercial, mas em 1985 ingressa nos Serviços de Inspecção e Contratos de Jogos. Em 1986-87 passou pelos Serviços de Economia, regressando em 1988 à DICJ. É administrador a tempo parcial do Fundo de Pensões e presidente substituto do Montepio Geral de Macau. Integra ainda os corpos sociais do Clube de Macau e Clube Militar e é vice-presidente da mesa da assembleia-geral da Associação dos Trabalhadores da Função Pública de Macau. 
Tem dois filhos. A Ana Mafalda, com 15 anos, estuda em Londres. O Hugo, com 20 anos, está a tirar o curso de Psicologia em Lisboa. 
Não sabe se os filhos vão regressar a Macau, “a opção é deles”, mas não esconde uma certa desilusão pelo facto de ambos não falarem chinês.
 

Admirador de Dan Brown

 

Na conversa com a Macau vêm à baila as medidas anti-fumo que o Governo está a preparar. Apesar de praticar desporto e de ter tido já alguns avisos em termos de saúde, Manuel Neves é um fumador inveterado. Ao mesmo tempo que acende mais um cigarro, confessa que está a mentalizar-se para responder ao que deverá suceder em Macau no próximo ano quando a nova legislação apertar o cerco aos fumadores. 
Gosta de ler, não tem escritores preferidos, mas confessa que tem uma grande admiração por Dan Brown. “Todos falam do Código Da Vinci, mas o melhor livro foi A Conspiração’, assegura. 
Homem de “um grande coração’, confessa à Macau quem o conhece há muitos anos. Amigo do seu amigo, de trato fácil, não pode ver sangue. Nos tempos da juventude, quando isso sucedia começávamos logo a ver para que lado o ManeI ia cair’. 
”Nos assuntos em que se envolve, trabalha muito a sério, pois gosta de concretizar os objectivos traçados e leva muito a peito as suas obrigações profissionais’, lembra um outro amigo. 
Nos tempos da juventude participou em muitos concursos musicais, que na altura animavam as tardes e noites de Macau. 
”Teve também uma faceta de roqueiro, mas já há muito tempo que não o vejo tocar guitarra”, adianta quem nos anos 60 e 70 partilhou com Manuel Neves muitas horas de divertimento.
 

Novas tecnologias não afastam inspectores das salas de jogo
 

Olhando para a sua trajectória profissional, não esconde que chegou a sentir algum medo nos últimos anos do período de transição, quando um colega foi assassinado (Francisco Amaral) e o director foi alvo de uma tentativa de homicídio (António Apolinário), Vivemos momentos de instabilidade e receio, mas recusei sempre mudar os meus hábitos e rotinas”, nota, frisando que após a transferência de administração ‘os problemas acabaram”, O principal responsável pela fiscalização das salas de jogo visita com regularidade os casinos, “não vou lá todos os dias, mas faço-o a horas variadas, de forma aleatória”, Com os representantes das concessionárias mantém relações de cordialidade, lias estritamente necessárias, tendo em conta as funções de cada um”.
Manuel Neves garante que os serviços que dirige asseguram uma boa supervisão. As novas tecnologias são uma óptima ajuda, tendo substituído os métodos antigos. Na sala de controlo vários computadores permitem ter acesso ao que se passa nos casinos. 
O desenvolvimento da indústria do jogo exigiu novas respostas da equipa de Manuel Neves. O “fim” dos inspectores nas salas de jogo, como sucede em Las Vegas, não está previsto, mas a opção passa agora por auditorias. 
”A nossa situação não se compara a de Las Vegas, que tem cerca de 500 casinos. Os inspectores vão continuar a acompanhar o que se passa no interior das salas de jogo. A mCJ emitiu, no entanto, uma instrução sobre os requisitos mínimos de controlo interno. As concessionárias sabem o que têm que fazer para que sejam respeitadas todas as regras”. Em breve, equipas de inspectores e auditores vão começar a fazer visitas-surpresa aos casinos para verificar se as instruções estão a ser cumpridas. 
O recurso às novas tecnologias pode passar, a curto prazo, por um sistema de video, que possibilite captar em directo o que se passa no interior das salas de jogo. 
O número de apostadores não pára de aumentar, mas Manuel Neves diz que os residentes não têm contribuído para o crescimento do movimento nos casinos. 
”A maioria dos residentes opta por apostar nas lotarias desportivas, nomeadamente no futebol’, observa. Nas salas de slot-machines é, provável, que haja mais residentes, uma vez que oferecem hoje muitas coisas, como comida e bebida. “Com 100 patacas um jogador pode passar muitas horas a jogar nas novas máquinas, que já não utilizam moedas. 
Mete uma nota de 100 patacas e a máquina vai fazendo o balanço das apostas. 
Quanto a eventuais casos de corrupção envolvendo a equipa que dirige, Manuel Neves tem confiança nos funcionários da DICJ. “Temos métodos de controlo interno para evitar situações de corrupção. Acredito no pessoal que trabalha comigo, mas como pode suceder em outros serviços não posso garantir que um ou outro funcionário não se deixa trair por dinheiro fácil.
 

Sessenta milhões numa só jogada  

 

Com mais de 20 anos de experiência, Manuel Neves conhece muito bem o que se passa nos casinos. Recorda duas histórias do quotidiano das salas do jogo. “O ano passado foi detectado um grupo de jogadores, que trocava as cartas nas mesas de bacará. É um caso que está em tribunal.
mas ainda não foi julgado.
O grupo era constituído por vários jogadores chineses, que actuavam nas salas VIP do Sands e do Lisboa. Através da troca de cartas ganharam mais de 20 milhões de patacas. Nas mesas de bacará, um jogador perdia poucas quantias para um adversário, que apostava somas elevadas, por isso, ganhava muito. Tudo combinado e efectuado com mestria, que não era fácil de detectar”, explica. 
Nos casinos de Macau, sobretudo nas salas VIP, aposta-se cada vez mais. 
E há quem jogue grandes fortunas, como sucedeu com um cidadão sul coreano, que fez uma aposta de 60 milhões. 
Jogava contra várias pessoas e perdeu. Nessa aposta estavam em jogo 120 milhões de patacas, os 60 milhões apostados por esse jogador e outro tanto da banca”.
No final. uns ficaram a sorrir, já que tiveram sorte e embolsaram alguns milhões de patacas. O sul-coreano deixou a sala sem evidenciar grande preocupação. Nos dias seguintes, regressou ao casino. Quanto jogou e se ganhou ou perdeu, não sabemos … 
É assim a vida nos casinos de Macau!…
 

Mais de 100 mil milhões em receitas

 

Os 34-35 casinos em funcionamento em 2010 vão gerar receitas superiores aos 100 mil milhões de atacas. 
A previsão é de Manuel Neves, que admite que a curto prazo a indústria mais lucratO a do território vai empregar entre 60 a 80 mil pessoas
- No último ano, Macau ultrapassou a strip Las Vegas como a capital mundial do jogo. Qual é a estimativa que faz para 2007?

– Face ao verificado nos primeiros meses do ano, é muito provável que se registe um crescimento superior aos 40 por cento. O que significa que em 2007 o sector do jogo tenha receitas brutas de cerca de 77 mil milhões de patacas.

– No final da década, os casinos de Macau vão movimentar mais de 100 mil milhões de patacas? 

– De acordo com previsões já elaboradas, é muito provável que isso venha a suceder ou mesmo a ultrapassar esses números.

– O volume de apostas vai continuar o subir durante quantos anos? 

– É difícil de prever, mas não podemos esquecer que há um limite para o aumento que se está a verificar. 
Tudo está, contudo, dependente do crescimento económico da China, uma vez que a esmagadora maioria dos apostadores vem do interior do País.

– Quantos casinos terei Macau o curto prazo?  Quantos vão abrir em 2007?

– No final desta década, Macau deve ter 34-35 casinos. Em 2007 já abriu o casino Crown, do consórcio Melco-PBL. Em Agosto será a vez da Venetian Cotai entrar em funcionamento e no final do ano o casino-hotel da MGM Macau.

– Qual é o número de pessoas que emprega hoje a Indústria do jogo?  Quais são as previsões no prazo de três a cinco anos? 

– A indústria tem hoje 35 mil postos de trabalho. A médio prazo devemos ter 60-80 mil pessoas a trabalhar no sector do jogo.

– O desenvolvimento do indústria do jogo está acima das expectativas ou estava a contar com este boom

– As nossas previsões apontavam para um crescimento significativo, mas não tão grande como o que se verificou. De facto, as nossas melhores expectativas foram ultrapassadas.

– O governo assinou já contratos com três concessionários e há três subconcessões. 
Esse número pode aumentar? 

– O Governo já afirmou que não haverá mais subconcessões.

– Como perspectiva o desenvolvimento da indústria do jogo? 
– Estou optimista quanto ao desenvolvimento da indústria do jogo, assim como das actividades relacionadas, como é o caso das indústrias do entretenimento, de convenções e turismo familiar. Acredito que Macau será, de facto, a Las Vegas do Oriente, disponibilizando uma grande oferta aos visitantes para além do jogo.

– A abertura de casinos em outros países e territórios da região, como Singapura, podem colocar em causa a liderança de Macau? 

– Julgo que a curto e médio prazo não. 
A posição de Macau é bastante sólida. 
Os países e territórios da região ainda levarão tempo a ter condições para competir com Macau.

– Há sectores de Macau que têm manifestado preocupação relativamente aos problemas provocados pelo vício do jogo. É uma situação preocupante o que se passa em Macau? 

– De acordo com os dados que tenho não é uma situação preocupante. Não significa que no futuro isso não possa vir a acontecer. As autoridades estão a criar medidas preventivas para minimizar essa hipótese.

– Está a ser preparada novo legislação para definir melhor a proibição da entrada de menores nos casinos? 

– A curto prazo, o Governo vai legislar sobre esta matéria no sentido de criar regras claras para que não haja a menor dúvida quanto à resolução de casos como o que envolveu uma menor que entrou e ganhou um prémio num casino.

– O pagamento do prémio era inevitável? 

– Face à regulamentação existente era.

– Os serviços da Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos têm capacidade para fazer face ao crescimento do sector? 

– Nos últimos anos, a Inspecção e Coordenação de Jogos tem desenvolvido esforços para responder ao que se passa no sector, nomeadamente na implementação gradual de novos sistemas de controlo, cada vez mais sofisticados. Temos levado a cabo inúmeras acções de formação, no sentido de preparar o pessoal para os novos desafios que se avizinham.

– Há quem fale de Macau como um centro de lavagem de dinheiro. Os casinos servem para fazer operações desta natureza? Têm sido detectados casos? 

– Os casinos não são o melhor local para a lavagem de dinheiro, ao contrário do que muita gente pensa. Nos casinos está tudo registado e, por isso, será mais fácil detectar operações ilegais. No entanto, Junho, 2007 isto não significa que não se devam tomar medidas de prevenção, como o controlo apertado de transacções de valor elevado, que se verificam dentro dos casinos. 
Têm sido detectados alguns casos suspeitos, mas a condução das investigações compete à Polícia Judiciária.

– A nova legislação sobre lavagem de dinheiro tem dado bons resultados? 

– Na sequência da entrada em vigor da nova lei, a DICJ emitiu instruções rigorosas a todas as operadoras, no sentido da implementação do que está estipulado. Estou optimista que a adopção destas medidas irá minimizar as eventuais operações de lavagem de dinheiro nos casinos.