A presença económica de Portugal na China é muito reduzida, apesar das seculares relações entre os dois países. Nos últimos anos muito se tem falado na aposta das empresas portuguesas naquele que é um mercado em grande desenvolvimento. Os dois governos pretendem duplicar as trocas comerciais a curto prazo e desde finais de 2005 que Portugal é um dos poucos países da Europa que beneficia do estatuto de parceiro estratégico com a China
A Corticeira Amorim, líder mundial do sector, é uma excepção, já que há mais de 20 anos que opera no Oriente. Em 2006, o volume de vendas e a compra de matéria-prima na China aumentou e dentro de poucos meses vai ser inaugurada uma unidade, já em construção em Xian
Mário Costa, o rosto da Amorim na China, conhece por dentro o mercado chinês. Em Macau, onde vive a família, passa apenas alguns dias do ano. O resto do tempo é gasto a viajar pelo interior da China e em viagens entre a Europa e a Ásia. Em muitos desses voos tem como companhia empresários e arquitectos chineses que se deslocam a Portugal para conhecerem o universo da Amorim.
“Com o objectivo de mostrar o que fazemos e a nossa dimensão, organizamos com regularidade visitas de clientes a Portugal. Tem sido uma excelente experiência, pois além de ficarem a conhecer melhor o mundo da cortiça, manifestam quase sempre um grande fascínio pela Europa”, nota Mário Costa.
Chegou a Pequim em 2001, depois de cinco anos na Rússia. Fala fluentemente o russo, o que não sucede com o chinês. “O russo tem uma estrutura lógica, nesse aspecto é muito parecido com as línguas europeias. O chinês é muito complicado em termos estruturais. Quem chega à China e optar por aprender o idioma não tem tempo para trabalhar”, assegura à Macau – com humor – Mário Costa, numa tarde amena no complexo Doca dos Pescadores
No Café Rubi – um estabelecimento decorado com alguns dos produtos que a Amorim vende, designadamente revestimentos – começa por abordar a presença da corticeira na China.
“Nos velhos tempos da economia centralizada abrimos um escritório de representação no Hotel Pequim”, recorda, sublinhando que uma unidade de acabamento de rolhas funciona há anos na capital chinesa
A China não tem o sobreiro, mas possui uma árvore semelhante, de onde se pode extrair matéria-prima para a indústria da cortiça, “não dá para fazer rolhas, mas tem outras aplicações”. A Amorim compra mais na China do que vende, apesar de nos últimos anos se ter registado uma elevada subida no volume de negócios.
“Compramos quase quatro vezes mais do vendemos, mas potencial de crescimento da China é enorme”, nota, frisando que em 2006 negócio dos pavimentos registou um taxa de crescimento de 30 por cento.
A Amorim vende na China rolhas, pavimentos e outros materiais para a construção, juntas para a indústria automóvel e motores e aglomerados para a indústria, no valor annual de 80 milhões de patacas. No Império do Meio compra pavimentos, madeiras e bambus, no montante de 300 milhões de patacas.
“Não se pode ter a ambição de fazer tudo na China. O mais acertado é escolher produtos que tenham uma grande hipótese de crescimento”
O objectivo é duplicar, no prazo de dois anos, o número de pontos de vendas, que é actualmente de 100. “Já temos distribuidores dos pavimentos nas cidades costeiras, mas queremos expandir por anéis em direcção às cidades do interior do país”, refere o director de operações da Amorim para a China.
Febre consumista
As mudanças operadas últimos anos na China contribuíram para que uma parte significativa da população tenha capacidade financeira para consumir produtos de qualidade. “A exigência dos Chineses é hoje totalmente diferente e, por isso, as empresas que estão já a operar neste vasto mercado podem ter excelentes resultados a curto e médio prazo”, observa.
O bom da construção por que passam as grandes cidades chinesas abre boas oportunidades de negócio. Nos segmentos de revestimentos e isolamentos a Corticeira Amorim espera aumentar o volume de vendas para a China.
A principal aposta passa, contudo, pela construção de uma unidade em Xian, a antiga capital imperial. Um projecto em fase final de conclusão, que deverá estar operacional ainda este ano.
António Amorim, líder da Corticeira Amorim, disse à Macau que a empresa portuguesa vai investir 20 milhões de patacas na unidade, que numa primeira fase vai produzir aglomerados para a indústria.
A localização da fábrica tem a ver com o facto de na zona de Xian existir a matéria -prima, que depois será transformada. “No prazo de dois anos podemos fabricar outros produtos, como pavimentos”, esclarece Mário Costa.
O projecto demorou alguns anos a ser concretizado, já que foi necessário ultrapassar várias etapas. “Não temos parceiros na fábrica, o terreno levou algum tempo a ser adquirido pela Amorim, mas, finalmente, estamos em condições de avançar. As obras já começaram e ainda este ano devemos iniciar a laboração”.
A nova unidade da Corticeira Amorim pode corresponder ao aumento da procura na China de produtos de cortiça, como rolhas, pavimentos e isolamentos. “O consumo de vinho está em franco crescimento e os outros produtos são cada vez mais solicitados, pela classe média e alta chinesa, que não pára de aumentar”, argumenta.
Apostarem nichosde mercado
Seis anos depois de ter aportado à China, Mário Costa reconhece que está perante um mercado emergente, mas alerta para a necessidade de conhecer bem a mentalidade chinesa: “Não se pode ter a ambição de fazer tudo na China. O mais acertado é escolher nichos de mercado, produtos que tenham uma grande hipótese de crescimento.
Depois, é preciso ter paciência e desenvolver um trabalho preparatório, muito cuidadoso e criterioso.
Os resultados podem ser colhidos a médio prazo. Os lucros aqui não são imediatos”.
A selecção dos parceiros é muito importante, defende Mário Costa. “A mão-de-obra e outros custos não significam um grande investimento, mas é fundamental escolher com rigor os futuros sócios. O sucesso dos projectos estão directamente relacionada com esta questão”, acrescenta, sustentando que é útil conhecer a maneira de ser dos chineses para ter êxito.
“A confiança e a amizade demoram algum tempo a conquistar, mas quando isso sucede os negócios têm quase sempre sucesso.
A relação pessoal é fundamental, mas o processo não pode ser acelerado. Os chineses têm muito sentido de oportunidade e nada se resolve com uma ou duas reuniões”.
O director da Amorim na China garante que é possível apostar neste mercado sem perder dinheiro. “É prioritário estar presente no terreno, o que acarreta sempre algum investimento, mas não é preciso ser uma grande empresa”.
Mário Costa aponta para a promoção dos vinhos portugueses. “Não se pode ficar apenas pelas visitas de Estado, a presença numa ou noutra feira e nas chamadas provas de vinhos”. “É necessário”, argumenta, “chegar ao consumidor, fazer chegar os stocks às grandes lojas, onde também estão os vinhos franceses, americanos ou australianos”.
Seis mil colaboradores em 46 países
Líder mundial do sector da cortiça, a Corticeira Amorim, com mais de 100 anos da existência, é uma das mais internacionais empresas portuguesas. Os seus produtos e serviços (da cortiça, aos recursos naturais, da área financeira, ao Imobiliário, passando pelo turismo) estão um pouco por todo o mundo. Está presente em 46 países e Integra cerca de 6000 colaboradores. Tudo começou em 1870, com a produção manual de rolhas para vindo do Porto, feita por António Alves Amorim, numa oficina em Vila Nova de Gaia.
Em 1922, os filhos do fundador criaram a Amorim & Irmãos. A partir da década de 60, com a constituição da Corticeira Amorim, S.A., os desperdícios resultantes da produção de rolhas são aproveitados para outros produtos, representando 75 por cento da matéria-prima utilizada.
Em 1972, o grupo avança para Espanha, Marrocos, Tunísia e Argélia, países onde se concentra o sobreiro ou Quercus Suber L., árvore milenar de onde é extraída a cortiça. Em 1998, foi criada a holding do Grupo, a Amorim Investimentos e Participações SGPS, S.A.
As aplicações de cortiça incluem não apenas produtos tradicionais de alto valor acrescentado, como é o caso da rolha, mas também produtos que incorporam avançada tecnologia de fabrico e elevados padrões de I&D.
A Corticeira Amorim disponibiliza um portefólio de produtos de elevada qualidade, com utilização por indústrias tão diversificadas e exigentes como a indústria aeronáutica, de construção, ou a vinícola.
Portugal é o primeiro produtor mundial de cortiça, responsável por 52 por cento da produção mundial, o que corresponde a cerca de 155.000 toneladas / ano. Além isso, transforma 75 por cento do total.
A produção de rolhas constitui a base da indústria corticeira, mas este produto tem múltiplas aplicações em sectores tão diversos como a indústria automóvel, a construção civil, o vestuário, as pescas, o calçado e até a produção de energia calorífica e eléctrica.
A Corticeira Amorim encerrou o ano de 2006 com lucros de 200 milhões de patacas (25 milhões da dólares americanos), mais 28 por cento face aos 157 milhões obtidos no ano anterior. O processo de reestruturação, iniciado em 2004, vai estar concluído no corrente ano.
“Há negócios que vão ser reenquadrados no sul de Portugal e outros no norte. No sul vai ficar toda a operação de rolhas técnicas, enquanto no norte ficará concentrado tudo o resto, ou seja, o fabrico de rolhas naturais, com cápsulas, de champanhe e aglomerados”, explica António Amorim.
A reestruturação da base Industrial representa um investimento de 270 milhões de patacas.