Turismo pelo rio Xi

Um dos ramos do rio Xi (Oeste) desagua em frente a Macau e é daqui que partimos, umas vezes de carro outras de barco, para ao longo das suas margens visitarmos alguns restaurantes e outros locais de lazer ou com História

 

A tentativa de encontrar lugares aprazíveis a poucas horas de viagem que propiciem um agradável e diferente fim-de-semana, leva-nos a explorar os distritos de Zhuhai e Zhongshan. Distritos da província de Guangdong que nestes dois últimos anos, tal como Macau, assistiram a um grande crescimento. Hui, uma residente de Macau, explica o que se passa: “Os habitantes de Hong Kong estão a vir para Macau e os de Macau procuram agora casa em Zhuhai e Zhongshan”. O que faz aumentar o nosso interesse em visitar os distritos de Zhuhai e o de Zhongshan, pelos arredores da cidade de Tanzhou e Shenwan. Habituados a ver a foz de um dos ramos do rio Xi (Oeste) quando em Macau passeamos pelo Porto Interior, a curiosidade leva-nos a explorar as suas margens rio acima.

Planeado como um fim de semana gastronómico pelas vizinhanças de Macau, pretendíamos sair pela ponte Flor de Lótus, entre o Cotai e a ilha da Montanha, mas esta encontra-se fechada, já que as infra-estruturas do outro lado da fronteira estão a ser melhoradas.

Em Macau embarcamos na ponte 15, por detrás do hotel Península. O barco, de meia em meia hora, leva cinco minutos a atravessar para a outra margem, Wanzi, e retira o tempo de espera das imensas filas da fronteira de Gonbei. Passadas as formalidades no lado de Zhuhai, o carro de aluguer com condutor espera-nos para um passeio ao longo do rio Xi. Resolvemos continuar no distrito de Zhuhai e ir até à ponte de Hengqin, em vez de directamente seguir para Zhongshan, passando pela cidade de Tanzhou, de onde é mais fácil chegar ao destino do almoço.

A estrada, toda ela em remodelação, leva-nos a seguir por caminhos de terra batida pelo meio de fábricas e dormitórios. É domingo e os trabalhadores esperam os autocarros que partem logo cheios e os transportam para um dia de cidade. Entendemos agora o porquê do fecho da ponte Flor de Lotus (Lianhua). Durante toda a viagem vemos as diferentes fases de construção da nova rede viária, com novos acessos, variantes e a continuação da auto-estrada que liga Pequim a Zhuhai e pretende chegar a Zhanjiang.

Vamos acompanhando as novas avenidas em construção e nas bermas, o cimento do antigo pavimento amontoado em blocos. Como fundo, os montes escavados que nos lembram a história do idoso que resolveu remover a montanha para mais rapidamente os seus familiares chegarem ao rio.

 

Pelas margens do rio Xi

 

Com quinze minutos de estrada, após uma curva, temos à frente um dorso branco que submerge no nevoeiro. Quando a longa ponte de Zhuhai se espraia de frente, viramos para a direita onde o que pretende ser um moinho holandês marca a entrada da picada. Daí parte uma estreita estrada ao longo da margem do rio Xi. Uma central de bombagem de água indica-nos que estamos no bom caminho, confirmado pela confiança nos sorrisos dos participantes. Enquadrados por explorações de bananeiras, lagos artificiais servem de viveiros de camarões ou de peixe e muitas vezes estão associados à actividade da pesca à cana. O restaurante Guangchang, longe da confusão do trânsito, está integrado numa dessas paisagens; um local de lazer para toda a família que aqui vem relaxar. Barracões de bambu servem de sala de estar e para refeições, que agora transbordaram para compartimentos privados e com mesas de cimento na esplanada em frente ao lago artificial. Na ementa constam os peixes que, capturados pelos que aqui passam o dia nessa actividade de lazer para o qual este restaurante está vocacionado, são depois cozinhados e servidos, o que lhes dá um outro sabor. Para o chefe de cozinha: “a galinha a vapor é um petisco que não pode deixar de ser provado”. Como já aqui tínhamos passado uma tarde com Tina, amiga chinesa de Zhuhai e a primeira tentativa de sermos pescadores não tinha dado frutos, resolvemos continuar viagem. Um pouco mais à frente, a estrada desaparece. Um ano antes, dali e de carro, continuamos até Dan Long, mas agora, enquanto a estrada não fica pronta, temos que dar meia volta, pois apenas as bicicletas conseguem fazer a picada. Passando pela Aldeia do Sul (Nanchong), o aroma das flores a abrir nos campos plantados de laranjeiras entra pelas janelas do carro e logo nos vem ao paladar a saborosa e especial laranja, apenas aqui produzida. É apresentada normalmente nos restaurantes locais, ao fim das refeições.

 

Aldeias em torno do canal

 

Após algumas voltas pelo interior e de novo no mesmo braço do rio Xi, passamos por um pequeno porto, onde num estaleiro uma embarcação de pesca é restaurada. Pelo caminho não se vê muitas pessoas mas, todas as vezes que por ali andamos, cruzamo-nos com grupos de cicloturistas, o que nos leva a pensar ser essa a melhor maneira para por aqui passear. Atravessamos duas comportas, uma das quais com o canal bloqueado e quando lá voltamos, é já uma nova comporta ampliada, para retirar de uso a segunda. Um pouco mais à frente, aparece a aldeia de pescadores Danlong. Em vez de entrar na aldeia, descemos para junto à água, onde num pátio, um conjunto de restaurantes são atracção turística para os habitantes das redondezas e também para as muitas excursões que vêm de Macau.

Com o carro estacionado, partimos a pé até à entrada da aldeia e atravessamos uma comporta que serve para impedir, em alturas de cheia, que a água do canal inunde as povoações ribeirinhas. Pela margem oposta à aldeia caminhamos entre bananeiras a esconder extensos arrozais, pensando encontrar um outro caminho que nos leve de volta a Danlong. Até que se coloca a dúvida de continuar ou voltar para trás. No cruzamento de dois canais depara-se-nos uma ponte na outra margem, dando alento a prosseguir. Percorrendo a margem, agora por um canal mais estreito, chegamos a um conjunto de casas todas iguais. Curiosos no olhar, espreitamos um pátio e logo um cão rosna.

 

Alertada, a família abeira-se do portão e o espanto de ver ali não-chineses desvanece quando em cantonês perguntamos o nome da localidade que nos dizem chamar-se He Yi, isto é povoação um. Mais à frente encontramos a povoação He Er (dois), com moradias de dois andares todas do mesmo estilo, diferente das anteriores que são térreas. Mostram ser cooperativas, como he pode ser traduzido numa leviana passagem. Quando por fim aparece a terceira povoação, esta denominada Jian He, o canal termina e já com a certeza de haver caminho, confraternizamos com amendoins comprados na única loja. Vêm-nos chamar a dizer que o barco chegou. Quando em He Yi tínhamos perguntado se havia barco, ficamos a saber que só durante a semana este faz carreira regular e transporta as crianças da zona à escola.

 

Danlong

 

Cruzamos os canais e somos colocados à entrada da aldeia de Danlong, agora no outro extremo da única rua que ao longo do canal se estende. A meio, uma jovem mulher espalha pelo pátio o arroz para secar ao Sol e daí percebemos que a aldeia é toda rodeada por canais, onde o verde da vegetação muralha os arrozais e os patos se deliciam a nadar. A fome aperta e resolvidos a voltar ao recinto dos restaurantes, caminhamos com passos largos. Devido ao estranho grupo, um bebé que está num carro-cama de bambu pede à mãe cólo. Atravessamos a praça do povoado, onde alguns habitantes conversando, sorriem à nossa passagem, mas na última curva da rua, esta bifurca. Fugindo do caminho, espreitamos e uma árvore muito antiga dá o resguardo ao nicho protector da povoado, indicando a entrada da picada que leva ao cimo da colina. Anteriormente vista da estrada, sobressaía uma torre de pedra que parecia guardar a população dos piratas, que em tempos não muito longínquos por aqui existiram. Na encosta aparecem túmulos e junto à torre e ao depósito de água uma agradável vista dá para perceber a extensão da aldeia. Entretanto, três naturais, em visita de fim-de-semana aos seus familiares, convidam-nos para almoçar, em casa dos pais de um deles. Enquanto o almoço é preparado com lume feito da palha apanhada do terraço onde o arroz seca, os idosos mantêm-se no convívio. Já à mesa, no corredor do pátio, estes retiram-se para recolher o arroz e a conversa gera-se nas potencialidades deste recanto de Tanzhou. Fala-nos o filho da casa: “Conseguimos viver bem, pois temos tudo: peixe do rio, arroz, patos e galinhas. Dão-nos a subsistência do dia a dia. Como trabalho numa fábrica de material eléctrico em Zhongshan, entrego aos meus pais uma pequena quantia do ordenado.” Não vem dormir a casa? “Fico no dormitório da fábrica, com estes meus amigos…” e aponta para o pátio; risos e uma cumplicidade gestual cheia de memórias dos farnéis trazidos da terra.

Ficamos a saber que a população da aldeia e das povoações visitadas naquela tarde é de mais de 300 famílias. Terminado o almoço, a proposta é de uma viagem de barco para visitar a ilha em frente. Alugamos o barco num dos cinco restaurantes, mas a ilha repleta de bananeiras, pouco interesse revela ter após uma volta em seu redor. Apenas somos surpreendidos com as raízes das árvores a sair da água, como a molhar os pés.

“O recinto da aldeia de pescadores de DanLong conta com três restaurantes, dos cinco que já teve, tendo tudo começado em 1999, quando aqui apenas se vendia peixe.” Conhecendo esta especificidade, escolhemos o restaurante junto à água. Huang Jin Pin, uma das duas donas do restaurante, quando já estamos junto aos aquários, continua a falar e complementa: “Estamos abertos todos os dias das nove da manhã às dez da noite.” Três enormes raias (que os chineses designam como peixe diabo), linguados, camarões que nos diz serem de mar e carangueijos com patas lodosas mostram-se através dos vidros. Já sentados à mesa, mandamos vir pato em gengibre que trazemos recomendado e por indicação da dona, provamos o peixe Cabeça de Leão, que é na sua maioria exportado para Xangai e Hangzhou. Enquanto saboreamos como aperitivo este prato de peixe, tipo “jaquinzinhos” panados e bem fritos sem óleo que se note, a conversa segue. “Os projectos passam por um pequeno hotel, pois em redor não há nenhum para servir quem após a refeição da noite aqui quiser pernoitar. A auto-estrada vai passar perto, mas não tem saída para esta área. Esta verde zona banhada por um sereno estar fica com potencialidades para o turismo rural, com a gastronomia a ter um papel importante para atrair visitantes.”

 

Chan pei guat

 

Pernoitamos no hotel Hui Chang, em Tanzhou, e de manhã visitamos o mercado de antiguidades no distrito de Zhuhai, na estrada fronteira com Zhongshan. A parte antiga do mercado entre duas visitas fora demolida, restando o pavilhão de fachada vermelha mais recente. Apenas nos fica na memória os rendilhados em madeira retirados de janelas antigas. Mas a curiosidade desperta-nos para o outro lado da avenida, onde um conjunto de troncos e enormes raízes de árvores ocupam a faixa da estrada para as bicicletas. A atenção leva-nos às oficinas onde se faz crescer verdadeiras obras de arte.

Regressamos de novo pelo centro de Tanzhou e continuando pela estrada que também dá para a cidade de Zhongshan, mas num caminho mais longo, ao chegar à rotunda aparecem inúmeros carrinhos de mão rurais onde, abacaxis são expostos. Viramos de novo em direcção ao rio. Cruzamos a ponte Doumen e ao chegar à segunda ponte, um escondido parque de estacionamento aparece à esquerda. O restaurante Guang Long traz como referência o melhor “chan pei guat” da região, que é um prato frito de entrecosto, temperadas com casca seca ralada de uma tangerina muito doce proveniente de Sanshui. Estamos nos limites de Zhongshan, na ilha Zhu Pai Sa, (賂 탤 ) e da esplanada do restaurante em cima do rio a vista estende-se para o distrito de Zhuhai. Encontramos um amigo de longa data, o senhor Chen, que anos antes deu-nos a conhecer este restaurante. Está a escolher o peixe quando o vemos, acompanhado pelo dono do restaurante, que orgulhosamente nos mostra umas folhas verdes e secas, enquanto faz a história do restaurante. “Inaugurado em 1998, tem uma capacidade para 250 pessoas e abre todos os dias das oito e meia às onze horas da noite.” Durante a conversa fala-nos do que parece serem algas secas, mas segundo nos refere, é peixe, introduzindo o Wo Chon. “É recomendado para problemas de anemia.”

 

Ilha de Modao

 

Voltamos à anterior rotunda dos abacaxis e continuamos estrada em direcção ao porto internacional de contentores em Shenwen. Numa procura da aldeia referenciada como um dos dois centros mais famosos de restaurantes, surge à nossa frente um novo parque industrial, onde enormes edifícios tipo armazéns se encontram em fase de acabamento. As muitas fábricas instaladas nos parques industriais de Zhuhai vão sendo transferidas para Zhongshan, devido ao preço da água e da electricidade. Os restaurantes encontram-se abandonados e por isso seguimos viagem para o restaurante na ilha de Modao (Mo Tou em cantonês), também em Shenwen. Este encontra-se enquadrado num extenso parque e é produto dos investimentos do grupo “Beijing Shun Feng Catering & Entertainment CO, Ltd” na ilha de Modao. Construído há dez anos, a única coisa que está em funcionamento é o restaurante. A área envolvente bem cuidada e florestada com árvores valiosas, alberga também um potencial campo de golfe, um hotel e moradias por acabar, assim como uma estreita enseada a servir de ancoradouro para um pequeno iate, mostra que algo de grande se ambicionou para o local.

Apesar dos barcos porta-contentores que cruzam o rio Xi a caminho do porto, cujos guindastes dali conseguimos ver, deixarem no ar um “ronronar” que invade o restaurante, não lhe retira o ambiente agradável que ali se usufrui. A paisagem é de um verde pintalgado por vezes de castanho, a cor do material vegetal com que algumas casas estão feitas. A acompanhar o vinho de arroz em cana de bambu, produção da fábrica do dono deste local, que é de Chengde, provamos o peixe crú servido em fatias finas sobre gelo e a galinha de campo de criação própria, tal como alguns vegetais plantados em canteiros.

Como ainda não são quatro e meia da tarde regressamos pelo ancoradouro da antiga Ponte 15, onde noutros tempos as límpidas águas azuis entre Mong-há e a Barra estavam cheias de vieiras (hao). Molusco abundante na época, onde hoje é o Porto Interior e a foz de um ramo do rio Xi. Com energias renovadas, voltamos preparados para mais uma semana de cidade.