Novos olhares sobre Confúcio

Viveu há mais de 2500 anos e continua a ser não apenas uma referência, mas também uma marca essencial na cultura, história e personalidade da China e da civilização chinesa

 

Confúcio, considerado a figura de maior importância da filosofia antiga chinesa, viveu entre 551 e 479 A.C., durante o denominado “Período da Primavera e Outono”, mas o seu nome entrou para a história através de textos escritos em épocas posteriores, nomeadamente no chamado “Período dos Reinos Combatentes”, entre 403 e 221 A. C.

Nesse tempo a China imperial unificada ainda não exista. O país estava dividido entre dezenas de pequenos estados. As constantes batalhas deram origem a um ambiente de grande instabilidade e violência entre senhores feudais.Foi também nestes séculos que brotaram diversas escolas de pensamento a partir das quais se formaram as grandes linhas mestras da filosofia antiga chinesa. Era o tempo das “Cem Escolas de Pensamento”.

O confucionismo emergiu como um sistema filosófico complexo que envolve aspectos ligados à moral, ética, política e, em termos latos, à religião. Ao confucionismo interessam os seres humanos, os seus interesses e feitos, mais do que os problemas clássicos da teologia. Tendo a felicidade individual como objectivo, o pensamento de Confúcio estabelece a paz como caminho para chegar ao estado de perfeição humana.

 

Em busca da virtude em harmonia

 

De todas as escolas, o confucionismo foi aquela que melhor resistiu à erosão do tempo, mantendo-se como doutrina oficial imperial até à chegada da República, em 1911.

Para entender a filosofia de Confúcio é crucial perceber o contexto em que surgiu. Numa altura de divisões, rivalidades, guerras e caos, o pensador pretendia restaurar o “Mandato do Céu” de forma a unificar o mundo (a China, que era o mundo que conhecia) e assim abrir caminho para a prosperidade, tendo sempre o homem e a humanidade como preocupação central. Confúcio argumentou desde cedo que li, conceito ligado à ideia de ritual ou regra de comportamento, advém do homem, da humanidade, em vez de, como era comum pensar-se anteriormente, ter origem nos Céus.

O conceito de li, por sua vez, radica no yi, ideia central do pensamento confucionista que diz respeito à rectidão e à disposição moral para o bem. Assim, tal como li vem de yi, este último conceito tem origem na ideia de ren, benevolência. Na ética confucionista, a virtude tem por base a harmonia.

Estas ideias gerais aqui resumidas continuam a suscitar o interesse e o fascínio de estudiosos e investigadores que consideram que estes valores continuam de sobremaneira actuais.  Os princípios e os ensinamentos de Confúcio continuam a ser vistos como a grande referência da cultura e do modo de ser chinês. Nos últimos anos, têm sido as autoridades chinesas a promover a vida e a obra do filósofo. Em 2004, o Governo Central criou o Instituto Confúcio, tornando-o no centro de divulgação da língua e cultura chinesa em todo o mundo. Este ano, foi inaugurada uma estátua do “Mestre” em Qufu, localidade onde nasceu o filósofo, na província de Shandong, por altura da passagem dos 2557 anos do dia do seu nascimento, 28 de Setembro.

 

Confúcio visto do Brasil 

 

Em Macau, o Instituto Politécnico organizou, nos dias 27 e 28 de Setembro último, uma conferência sobre os valores culturais e as interpretações modernas de Confúcio, em que estiveram presentes especialistas de vários países. Uma das vozes, que interveio exprimindo-se em mandarim, foi a de Kevin De La Tour, norte-americano radicado no Brasil e membro do Centro Sino-Brasileiro de Intercâmbio Académico (CSBIA).

De La Tour olha para a vida e a obra de Confúcio de um ponto de vista particular, valorizando a dimensão metafísica do confucionismo. No trabalho que desenvolve no CSBIA tem dedicado tempo ao estudo do pensamento daquele que é considerado o “pai da filosofia clássica” chinesa. O interesse por Confúcio nasceu a partir do momento que se dedicou à “conscienciologia”, um campo de estudo sobre a consciência humana, entendendo-a como algo de autónomo do corpo que se manifesta através do ego, da alma, da essência. O CSBIA entende que a raiz da “conscienciologia” está no pensamento antigo chinês, especialmente na obra do Confúcio. Nesse sentido tem vindo a criar laços cada vez mais fortes com instituições chinesas que manifestam curiosidade sobre este olhar diferente sobre o confucionismo.

Kevin De La Tour salienta que além do desenvolvimento económico e da melhoria das condições materiais da vida das pessoas, a dimensão espiritual é essencial para um povo. “Quando um país se está a desenvolver temos de compreender que o processo humano tem de ser completo. É interessante notar que, numa altura em que se está a abrir para o mundo, a China abre-se igualmente para si mesma, para o interior do seu pensamento”, analisa. Mais: o contributo de Confúcio não diz respeito apenas à China, mas, em grande medida, a todos os seres humanos.

 

Confúcio e a consciência

 

De La Tour partilha de vários fundamentos do confucionismo. Desde logo a importância do processo de desenvolvimento de uma sociedade ter de partir da auto-cultivação, com o objectivo de atingir o estádio de “homem sábio”. “O processo humano é o mesmo de há 2500 anos”, defende. Daí que Confúcio seja, no essencial, bastante actual.

Outro aspecto central do pensamento confucionista diz respeito ao cheng, um conceito cuja tradução para português nos remete para as ideias de sinceridade e em termos mais abrangentes de ética. Neste aspecto, De La Tour encontra mais um ponto de ligação com o seu campo de estudo. “Na “conscienciologia” utilizamos o conceito de “cosmoética”, segundo o qual devemos entender o processo do homem não só como humano, mas também como consciência ética”

E em que consciência viveria hoje Confúcio? “Não penso que pudesse ser ministro de um rei. Certamente que era um educador, um pensador como sempre foi”.