Ni hao (numa tradução literal significa “tu bem”) é a saudação típica entre o povo chinês com um significado idêntico ao “como está” em português. É também uma das primeiras expressões ensinadas aos mais de 30 milhões de pessoas – três vezes a população portuguesa ou um sexto da brasileira – que neste momento aprendem a comunicar em chinês em mais de cem países e regiões (não incluindo a China). Aprender chinês é a nova moda e os números atestam-no. Há 20 anos apenas se contavam oito mil estrangeiros – sinólogos na sua maioria – interessados em aprender chinês. Porém, tudo mudou com a política de abertura da China ao mundo e a sua recente entrada na Organização Mundial do Comércio, em 2001.
Até 2010, data em que a China se propôs atingir um Produto Interno Bruto de 3,2 triliões de dólares (face aos 2,2 triliões alcançados em 2005), a China prevê que a apetência mundial pela sua língua leve mais de cem milhões de estrangeiros a receber formação em chinês. Para que tal se concretize serão necessários mais de quatro milhões de professores de chinês, o que faz do professor de língua chinesa uma carreira com excelentes perspectivas. Isto porque vários países, incluindo os 25 da União Europeia, já afirmaram que pretendem incluir o Chinês nos seus currículos de escolaridade obrigatória como disciplina de opção linguística ao inglês e francês. Nos Estados Unidos da América, 2400 escolas secundárias manifestaram semelhante intenção.
Mas nem só no estrangeiro se estuda chinês. A China tem também atraído cada vez mais alunos estrangeiros com a remodelação das suas instituições de ensino superior segundo padrões internacionais e multiplicando o número de bolsas de estudo concedidas pelo Governo Central aos Estados com os quais mantém relações diplomáticas. Só no ano passado cerca de 140 mil estudantes estrangeiros (quando em 2003 eram 78 mil) frequentaram as mais de 500 instituições chinesas autorizadas a receber matrículas de estudantes estrangeiros, dos quais dez mil através de bolsas patrocinadas pela China. Interessados numa abordagem in loco da língua e cultura chinesas, mais de metade do total de alunos frequentou programas académicos especialmente concebidos para o ensino da língua chinesa como língua estrangeira, enquanto os restantes prosseguiram os seus estudos na sua área de eleição, desde a biologia à medicina ou a engenharia aeroespacial. Por altura do Jogos Olímpicos de Pequim 2008, a China pretende contar com pelo menos 180 mil alunos estrangeiros a estudar no país. Como opção às licenciaturas, também os cursos de Verão, mais populares entre os jovens em idade escolar, têm registado uma crescente vaga de interesse. Este Verão mais de 20 mil estrangeiros acorreram à China para cursos intensivos de curta duração.
Cooperação
A China tem-se assumido como a grande promotora desta tendência mundial, estimulando a procura com o aumento da oferta. Em 2004 a China lançou um organismo específico para a promoção da língua chinesa no mundo dando-lhe o nome de uma das figuras históricas chinesas melhor conhecidas no estrangeiro, Confúcio – que é uma das referências mais emblemáticas da cultura chinesa. Funcionando em moldes semelhantes aos congéneres francês, Aliance Française, ou português, Instituto Camões, o Instituto Confúcio tinha como missão a instalação de uma centena de dependências até 2008. Dada a insaciável apetência existente, esse outrora ambicioso objectivo foi já atingido – dois anos antes da data prevista. Hoje a China conta com 108 institutos espalhados por 46 países. Só a Europa conta 41 delegações em 19 países, Portugal incluído. Em termos de concentração de interesse segue-se a Ásia, onde se encontram os parceiros tradicionais da China, com 31 institutos em 16 países. O país do mundo com mais delegações do Instituto Confúcio são os Estados Unidos da América, com 27 delegações. Se é a China que oferece, é o mundo que consome.
“O ensino da língua chinesa não é só uma preocupação da China, mas também de outros países que acham necessário o domínio do chinês para fazer comércio com a China”, afirma Zhang Guoqing, vice-director do Gabinete Nacional de Ensino do Chinês como Língua Estrangeira, organismo do Governo Central que gere o Instituto Confúcio. Ao fim e ao cabo ter hoje a China como parceiro estratégico é uma posição invejável e, porventura para quem ainda não o conseguiu, um objectivo incontornável dada toda a pujança da economia chinesa e a sua crescente influência na economia global. Estados perseguem o estreitamento de relações com a China com o vigor de um desígnio nacional. Empresários de todo o mundo, indiferentemente do ramo de actividade ou dimensão, elegem a China a sua grande prioridade. Todavia, negociar com a China, não é uma questão linear, como explica aquele dirigente: “Se os negócios de muitos estrangeiros na China não correm bem não é só por causa dos produtos, [mas também] por não compreenderem a forma de pensar dos chineses”. Falar chinês é, afinal, uma ferramenta que o mundo quer saber manejar. E os países de língua portuguesa não são excepção.
Brasil
No Brasil, por sinal um dos maiores parceiros comerciais da China, “é uma loucura no mercado de trabalho – garante Fernanda Ramone –, todo mundo quer vir estudar chinês para a China porque sabe que depois consegue arrumar um bom emprego”. Ramone, que foi quadro da Câmara Brasil-China de Desenvolvimento Económico antes de se estabelecer em Pequim, na China International Tourism Trade Company, uma empresa chinesa reconhecida pelo Ministério da Educação chinês especializada na importação de estudantes e trabalhadores estrangeiros para a China, acaba de instalar a sua própria empresa de relações públicas em Pequim. “Estamos muito confiantes, o intercâmbio está crescendo” afirma a académica que virou empresária da cooperação. “Eles [China e Brasil] precisam de gente que saiba falar as duas línguas. No Brasil ainda não são muitos os bilingues português/chinês. Todo o mundo pode falar inglês e chinês mas português não há número suficiente”, acrescenta Fernanda Ramone.
Só no primeiro semestre do corrente ano lectivo, cerca de 20 alunos brasileiros estudavam em Pequim, “o dobro do ano passado”, sublinha Ramone, segundo quem “não é difícil vir [do Brasil] para a China estudar chinês. É ‘super rápido’. Um mês, mais ou menos”. E há sempre a possibilidade de conseguir uma das 25 bolsas de estudo que o Governo chinês concede anualmente ao Brasil. Ao contrário do que acontece com os acordos com outros países, segundo a nossa interlocutora, as bolsas para o Brasil não incluem as passagens e são monetariamente inferiores às concedidas, por exemplo, aos alunos portugueses.
África
O continente africano, com quem a China tem vindo a reforçar as suas parcerias, tem merecido uma atenção especial, nomeadamente Angola, que está em vias de se tornar no maior fornecedor de petróleo da China. Neste caso particular o modelo de cooperação é linear: a China dá apoio na reconstrução do país ao nível de infra-estruturas – estradas, hospitais, escolas, entre outras – e, em troca, ganha facilidades e acordos preferenciais nos recursos naturais como o petróleo, de que tanto precisa para alimentar o seu crescimento económico. Em Angola, como em qualquer outro lugar onde pretenda negociar, a China precisa de gente com quem consiga dialogar, em chinês, daí as grandes apostas na promoção da língua.
De acordo com as estatísticas do Ministério da Educação chinês, em Junho deste ano, mais de oito mil pessoas recebiam formação em 120 instituições de ensino espalhadas por 16 países africanos. Ainda nos últimos anos, e para fazer face à procura, a China enviou cerca de 530 professores para 35 países em África, onde foram criadas seis delegações do Instituto Confúcio. Entretanto, a China acaba de anunciar que, até 2010, vai duplicar para 2400 o número de bolsas de estudo que concede aos 50 países do continente africano com os quais tem relações comerciais e proceder à formação de um milhar de funcionários públicos, dirigentes e professores por um período de três anos. Até 2005, Pequim já tinha atribuído perto de 20 mil bolsas aos mesmos 50 países.
Para além da apetência pela aprendizagem do chinês, os alunos do continente africano destacam-se pelo facto de também fazerem a sua preparação profissional nas universidades da China. Depois de receberem pelo menos um ano de formação na língua chinesa, ingressam, a par dos seus colegas chineses, no estudo da sua área profissional. A medicina é, por excelência, a área profissional com mais procura.
Portugal
O Instituto Confúcio também já chegou a Portugal e funciona em parceria com a Universidade do Minho em Braga, a primeira universidade portuguesa a oferecer uma licenciatura em Língua e Cultura Chinesas e a tornar o chinês uma disciplina obrigatória. Chegou há cerca de um ano, em Dezembro de 2005, e foi inaugurado no passado mês de Março. Chegou, diz Luís Cabral, professor de Línguas e Culturas Orientais na Universidade do Minho, algo “atrasado”, face ao facto do país ter sido o primeiro da Europa a estabelecer relações estáveis com a China. Contudo a resposta à nova oferta não tardou a se revelar, tendo as 24 vagas disponíveis sido todas elas preenchidas logo na primeira fase. A mesma sorte não teve o Instituto Politécnico de Leiria que este ano lançou um projecto piloto em cooperação com o Instituto Politécnico de Macau, com um único aluno para as 15 vagas disponíveis. A novidade desde programa está na reciprocidade da formação, repartida pelas duas instituições. Depois de um ano de iniciação à língua chinesa, os alunos de Leiria transitam para Macau, onde permanecerão para os restantes dois anos de formação, beneficiando assim de uma total imersão na outra cultura. Vice-versa, os alunos de Macau completam os seus estudos em português em Leiria, sem ter de pagar mais por isso – viagens e alojamento são por conta das instituições.
Por outro lado, são actualmente menos de dez os portugueses a estudar chinês em Pequim. Entre estes, vários são luso-descendentes oriundos do Canadá e EUA. João Barroso, director do Centro Cultural em Pequim do Instituto Camões, afirma que os baixos índices de adesão ao ingresso nas universidades chinesas não são explicáveis nem com o valor das propinas, “mais baixas em comparação com os praticados em Portugal ou na Europa”, nem com visto de viagem, “que não é óbice”. Para o também adido cultural da Embaixada de Portugal na RPC o facto deve-se, tão somente, “ao número de programas curriculares que surgiram em Portugal, desde cursos livres de pequena duração aos programas de licenciatura.”
Para além das cinco bolsas anuais concedidas pelo Governo chinês aos alunos portugueses, o Instituto Camões concede, por via do Instituto Português do Oriente (IPOR), mais duas. Outra possibilidade de bolsa é o Programa de Bolsas para Aperfeiçoamento de Línguas e Culturas Orientais, da Fundação Oriente (FO). Por ano, a FO recebe entre seis a dez pedidos de bolsas, refere Isabel Saraiva, responsável pelo programa. “A maior parte dos candidatos é originária dos cursos de curta duração na Universidade Católica, Universidade do Minho, Centro Científico de Macau e outros”, explicita. Curiosamente, “não há limite para o número mínimo”, nem mínimo de bolsas concedidas anualmente, alerta a responsável, acrescentando que, neste momento, a FO patrocina os estudos de duas bolseiras em Pequim.
Macau
Em Macau, para além do chinês ser a língua veicular da maior parte das escolas locais, todas as escolas internacionais fomentam, desde os primeiros anos de ensino, a aprendizagem do chinês – muitas vezes em regime obrigatório. A Escola Portuguesa de Macau foi uma das mais recentes instituições a aderir à tendência com o lançamento, no ano lectivo passado, de uma via de ensino onde o chinês é uma disciplina obrigatória. Também nos currículos leccionados em inglês e português pela Universidade de Macau, frequentada por vários alunos lusófonos, o chinês é uma cadeira obrigatória.
A forte apetência pelo chinês surgiu nos anos que antecederam o fim da administração portuguesa do território, em 1999. Desde então tem vindo a somar o número de adeptos, nomeadamente depois 2003, quando a China atribuiu a Macau o papel de plataforma de cooperação com os países de língua portuguesa. Hoje os que já dominam a língua tentam aperfeiçoar os seus conhecimentos e, para quem ainda começou a aprendizagem, não faltam alternativas. A Universidade de Macau promove especializações em língua, cultura e literatura chinesas e o Instituto Politécnico licenciaturas como interprete tradutor português/chinês e ambas as instituições lançam regularmente cursos para não falantes. Ainda no âmbito do ensino superior, tanto o Instituto de Formação Turística como o Instituto Inter-Universitário (participado em 50 por cento pela Universidade Católica de Portugal), oferecem o chinês como língua de opção nos seus cursos de longa e curta duração. Os funcionários públicos podem sempre inscrever-se nos programas promovidos pelos Serviços de Administração e Função Pública (SAFP).
O Centro de Difusão de Línguas dos Serviços de Educação, disponibiliza cursos para o público em geral. Além da vasta oferta por parte das instituições de ensino, muitas entidades, desde clubes recreativos a associações de jornalistas, leccionam os seus cursos de curta duração de língua chinesa. Mesmo quem alega não ter tempo para ir às aulas se pode desculpar nos dias que correm, uma vez que pode recorrer, caso a sua situação profissional o permita, aos serviços de explicadores que se deslocam ao local de trabalho para lições privadas.
Quem quiser optar por ir aprender ou aperfeiçoar os seus conhecimentos no interior do País pode sempre fazê-lo contactando directamente as universidades ou recorrendo às instituições de Macau que desenvolvem programas em articulação com essas universidades. Richard Withfield, vice-reitor do Instituto Inter-Universitário de Macau, explica que foi assinado um acordo com a Beijing Sports University (BSU) especialmente dirigido para o intercâmbio de estudantes internacionais em que o aluno recebe créditos académicos pela frequência em Pequim, adicionando-os ao seu programa académico. A BSU – a mesma que abriga os atletas que representam a China em competições internacionais – é uma entre centenas de outras instituições de ensino superior da China que remodelou as suas instalações e criou um departamento de acolhimento para estudantes internacionais onde, para além da língua e cultura chinesas, são leccionadas metodologias negociais chinesas – leia-se “como fazer negócios na China”.
Para a lusofonia
Se Macau é, por excelência, um espaço privilegiado para dar resposta ao crescente interesse que os chineses vêm demonstrando pela língua portuguesa (ver nº1 da MACAU, Dezembro 2005), também é um facto que Macau caminha para se tornar num centro difusor da língua chinesa, especialmente para os países lusófonos. Lei Hong Iok, presidente do Instituto Politécnico de Macau, admite que, a par de ser um centro para a difusão da língua portuguesa na China, Macau poderá tornar-se igualmente num “centro de estudo de chinês para alunos lusófonos”, já que se trata de uma cidade chinesa. Para outros, como Maria Antónia Espadinha, directora do Departamento de Português da Universidade de Macau, trata-se de uma aspiração antiga, legítima e, acima de tudo, viável. Aludindo aos actuais níveis de sucesso em cursos congéneres de língua e cultura portuguesas – inicialmente leccionados a menos de uma dezena de alunos – Antónia Espadinha considera que já se deveria ter avançado com mais projectos porque “cada ano lectivo que passa é uma oportunidade desperdiçada”.