Imprensa quer saber mais sobre a China

Apesar da importância crescente da China, quer na cena mundial quer nas relações bilaterais, a informação sobre o país asiático no Brasil é ainda comparativamente escassa. Diversos jornalistas expressam o seu desejo de um maior acesso à realidade chinesa

Jornalistas, autoridades e empresários são unânimes em afirmar que é necessário um volume maior de informação na comunicação social brasileira sobre a China, país que se tornou recentemente o segundo maior exportador para o Brasil, atrás apenas dos Estados Unidos. Apesar do grande incremento das relações comerciais, o “gigante asiático” tem ocupado comparativamente pouco espaço nos media brasileiros, que buscam agora novas fontes de informação, para além das divulgadas pelas agências internacionais de notícias.

Entre os grandes grupos de comunicação brasileiros, apenas as Organizações Globo, controladora da maior rede de televisão privada (TV Globo) e do segundo maior jornal em circulação (O Globo) , mantêm actualmente correspondentes próprios na China. A “Folha de São Paulo”, o maior jornal brasileiro, mantinha até recentemente um correspondente em Pequim, mas que regressou ao Brasil, num plano de redução de custos levado por diante pelo diário.

A jornalista Sônia Bridi, da TV Globo, chegou a Pequim em Janeiro de 2005, acompanhada do marido, o repórter cinematográfico Paulo Zero, e do filho de três anos. “A China é o assunto jornalístico do momento. Se você quer entender a economia mundial, tem que estar aqui. Quando um país está em foco, tudo transforma-se em notícia, como o desenvolvimento, desporto, e até os desastres naturais, como terramotos e enchentes”, salienta.

Recentemente, a equipa de correspondentes da TV Globo em Pequim produziu uma edição inteira do “Globo Repórter”, o principal programa jornalístico da rede televisiva e uns dos maiores em audiência no Brasil, exclusivamente sobre a China. Sônia Bridi, que já foi correspondente em Londres e Nova Iorque, acredita que o idioma é a sua principal dificuldade. “É frustrante não ser entendida pelas pessoas nas ruas. Recorro ao tradutor quase todo o tempo”, afirma.

A jornalista considera seu maior desafio mostrar o “incrível” trabalho de inclusão social que a China está a fazer. “O planeamento e a capacidade de pensar no bem colectivo são fundamentais para o desenvolvimento da China. Os chineses fazem uma coisa que considero muito positiva: antes de implementar um política, eles primeiro investigam o que os outros países fizeram, e só depois decidem como vão fazer. No Brasil temos a tendência a querer inventar a roda, sem aprender com os outros, ou então a copiar modelos inteiros. A China tem muito a ensinar ao Brasil”, avalia.

O jornalista Jaime Spitzcovsky, ex-correspondente da Folha de São Paulo na China entre 1994 e 1997, salienta a importância de os media brasileiros terem acesso a outras fontes de informações sobre a China, se possível já com notícias em português do Brasil, para facilitar o trabalho de difusão. Assim seria reduzida a dependência das agências internacionais, “grandes corporações de países desenvolvidos, que enxergam a China de uma maneira diferente daquela de um brasileiro, uma vez que o Brasil é um país em desenvolvimento”.

Jaime Spitzcovsky realça igualmente o facto de as agências praticamente não se preocuparem com os laços bilaterais entre Brasil e China. “Apenas jornalistas brasileiros ou de língua portuguesa é que tem sensibilidade e interesse em cobrir o avanço do relacionamento entre Brasil e China nos campos comercial, político e cultural”, explica. Na opinião do ex-correspondente, quem lê jornais brasileiros não tem a sensação de que a China é actualmente o segundo maior parceiro comercial do Brasil.

“Os empresários e formadores de opinião brasileiros precisam conhecer mais a realidade chinesa e para isso os media são fundamentais. Infelizmente, os media brasileiros não estão a cumprir adequadamente o seu papel”, afirma, ao lamentar a “tímida” presença chinesa na imprensa brasileira. O antigo correspondente acha que a Internet precisa ser mais explorada no Brasil, como forma de alargar a difusão de notícias sobre a China.

 

Idioma dificulta trabalho

 

Eduardo Salgado, editor de Política Internacional do “Estado de São Paulo”, terceiro maior jornal brasileiro, também defende a importância de oferecer ao público brasileiro um volume maior, mais variado e novas fontes de informações sobre a China. “A cobertura actualmente está muito centralizada na economia. Há poucas informações sobre outras questões. Também seria interessante saber um pouco mais sobre o estilo de vida dos chineses”, salienta.

As notícias divulgadas sobre a China em o “Estado de São Paulo” são produzidas por agências noticiosas chinesas, europeias e americanas. O jornal procura publicar opiniões de especialistas para enriquecer a cobertura. O editor realça ainda que o custo em manter um correspondente e as diferenças culturais, nomeadamente o idioma, dificultam muito a permanência de jornalistas brasileiros na China.  “Até agora avaliamos que não vale a pena termos um correspondente na China”, afirma Salgado.

O jornalista brasileiro Jayme Martins deixou o Brasil em 1962, onde era chefe de reportagem do jornal “Última Hora”, um dos principais diários da região Sul do Brasil, para ser professor de português na China e responsável pelo programa em português da rádio de Pequim, transmitido para o Brasil e Portugal.

Entre 1972 a 1976, trabalhou como correspondente de diversas empresas jornalísticas brasileiras, como “O Globo”, Agência Estado, “Jornal da Tarde” e Rádio Eldorado. Em 1979, com a abertura política brasileira, regressou ao Brasil. “Cada vez é mais importante saber o que se passa na China. No Brasil estamos mal informados. Quem vai imaginar no Brasil que Xangai e Pequim são duas das cidades mais modernas do mundo?”, questiona.

O responsável pela agência de notícias chinesa Xinhua em Brasília, Yang Limin, acredita também que os maiores jornais do Brasil, que pretendem dar uma visão mais ampla sobre o mundo, deveriam ter acesso a outras fontes de informação sobre a China, para além das actuais agências internacionais. Da mesma forma, ele acredita que é importante a difusão de notícias sobre o Brasil na China.

“Ainda é muito pequeno o conhecimento entre os dois países. Por tradição ou preconceito, a imprensa brasileira sempre olha para os Estados Unidos, Europa e Médio Oriente, e dão pouca atenção a países de outros continentes”, afirma, por outro lado. E acredita que com o aumento das relações comerciais e a aproximação política entre os dois países, a procura por informações aumentará muito no futuro. Actualmente, a Agência Xinhua mantém um escritório em Brasília e outro no Rio de Janeiro, com três correspondentes e um fotógrafo.

 

“Nova era” no relacionamento 

 

O ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior do Brasil, Luiz Fernando Furlan, um dos principais defensores da aproximação brasileira com a China, acredita que a demanda por informações aumentará muito, num curto espaço de tempo, a exemplo das relações comerciais e económicas entre os dois países. Segundo ele, apesar de Brasil e China terem reiniciado as relações diplomáticas há 30 anos, foi a partir de 2003 que começou uma “nova era” no relacionamento entre os dois países.

“Nossos objectivos sociais pressionam o crescimento económico e a inserção competitiva no mercado externo. Enfrentamos, no comércio mundial, barreiras e subsídios que afectam as empresas e os trabalhadores no Brasil e na China. A superação mais rápida dessas dificuldades se dará por meio da parceria entre os dois países”, afirma o ministro, para quem há grande complementaridade entre os dois países.

O vice-presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado brasileiro e membro da Frente Parlamentar Brasil-China, senador Eduardo Azeredo, diz que o pequeno grau de informação dificulta o incremento das relações comerciais entre o Brasil e a China. “Na medida em que há mais informação sobre um país, há também maior interesse”, diz o senador.

A Câmara Brasil-China de Desenvolvimento Económico (CBCDE) criou um prémio de jornalismo em Maio de 2004 para estimular os media brasileiros a publicar reportagens sobre a China. O prémio para os escolhidos nas categorias televisão, rádio, jornal impresso, revista e fotografia foi uma viagem à China, em Agosto de 2005, que inclui visitas aos principais órgão de imprensa chineses.

A primeira edição do prémio “Um Olhar brasileiro sobre a China” teve a participação de 147 trabalhos jornalísticos, o que superou as projecções da organização. “Ficamos felizes com o sucesso. Sabemos que o intercâmbio económico entre os dois países só aumentará depois que China e Brasil se conhecerem melhor”, disse o presidente da CBCDE, Paul Liu.

A próxima edição do prémio de jornalismo decorrerá em 2007, com a viagem dos autores das melhores reportagens à China por ocasião dos Jogos Olímpicos de Pequim. Paralelamente ao prémio de jornalismo, a CBCDE tem promovido também cursos sobre a China direccionados exclusivamente para jornalistas, em parceria com o sindicato da classe em São Paulo.

“Conhecer um ao outro faz parte da integração. E nisso os media são fundamentais e a busca por informações no Brasil sobre a China vai aumentar muito no futuro”, afirma o jornalista Daniel Castro, autor do livro “Brasil-China – Uma grande parceria, sim!”, recentemente lançado em São Paulo.

No ano passado, o total do comércio entre Brasil e China aumentou 33 por cento para 12,18 mil milhões de dólares norte-americanos, face a 2004, sendo favorável ao Brasil em 1,48 mil milhões de dólares norte-americanos. Em Maio deste ano, entretanto, a China reverteu essa tendência e passou a ter um saldo positivo no comércio com o Brasil.

Todas as grandes empresas brasileiras estão a actuar na China por meio de joint ventures com empresários locais, com destaque para a Embraer, quarta maior produtora mundial de aeronaves, a Companhia Vale do Rio Doce, a maior exportadora mundial de minério de ferro, a WEG, um dos maiores fabricantes mundiais de motores eléctricos, e a Embraco, fabricante de compressores.

As principais empresas chinesas com investimentos no Brasil são a Lenovo, terceira maior fabricante de computadores, a AOC, subsidiária do grupo TPV, a Gree, fabricante de ar condicionado, a ZTE, fabricante de telemóveis e a Huawei, fornecedora de componentes electrónicos. A chinesa CNOOC e a brasileira Petrobras tornaram-se recentemente parceiras na exploração de petróleo na Nigéria.

 

* Jornalista da Lusa, no Brasil