A relação de Lucélia Santos com a China começou nos anos 80, altura em que ao “Império do Meio” chegava a “sua” Isaura, uma escrava vítima da paixão cega do seu senhor. Este foi o primeiro papel de Lucélia Santos na televisão, tinha na altura 18 anos. A “Escrava Isaura”, uma adaptação do romance de Bernardo Guimarães, chegou à China com o nome de “Nunu Yizuola” e o sucesso foi tão grande que Lucélia Santos foi galardoada com o prémio Águia de Ouro, distinção de melhor actriz. “Ganhei o prémio atribuído pelos chineses que elegeram o artista do ano através de uma revista. Eu tive 300 milhões de votos.”
Esta foi a primeira e única vez que o Águia de Ouro foi entregue a uma estrangeira, o que pode justificar o episódio que Lucélia Santos viveu na Muralha da China: “eu estava com membros da Embaixada e não tinha segurança. De repente a Muralha entupiu e eu fiquei a acenar lá em cima.”
Assim se enraizava uma relação que dura há mais de duas décadas, e que teve o primeiro impulso na segunda visita da actriz: “Em 1992, apercebi-me que a China estava num processo cultural muito interessante e iniciei um projecto de cooperação que baptizei Projecto Brasil-China.”
Seguiu-se o documentário “China Hoje – O Ponto de Mutação”, uma série de cinco episódios filmados no interior da China, nomeadamente no Tibete, em Hong Kong e Macau, e que retrata as primeiras mutações económicas e culturais do país. Mudanças que a própria Lucélia Santos testemunhou: “Em 1985 era quase um planeta à parte. Sete anos depois as mulheres já tinham cabelo curto, usavam roupa de couro, tinham telemóvel e carros importados. A China que vi pela primeira vez tinha apenas bicicletas e um único hotel americano em Pequim.”
A este projecto seguiram-se outras iniciativas de cariz cultural e de promoção, não só na China como no Brasil: “convidei várias televisões chinesas a irem ao Brasil onde lhes dei apoio local para fazerem filmes sobre o meu país” e por ocasião deste intercâmbio a SichuanTV gravou o filme “The Beautiful Brasil”.
Um amor do outro lado do mundo
O mais recente projecto de Lucélia Santos chama-se “Um amor do outro lado do mundo”. Trabalho que desde a fase de planeamento até à concretização conheceu vários avanços e recuos e que a actriz tentou resolver com algumas entidades.
Inicialmente estava prevista que a história fosse do autor chinês Zhou Zen Tien. Agora tem guião brasileiro. Antes contava a saga romântica de uma brasileira e de um chinês entre a década de 30 e os Jogos Olímpicos de Pequim de 2008; agora é uma história de chineses que imigram para São Paulo, no Brasil. Uma história diz Lucélia “de realismo, mistério e que tem um fantasma. A velha chinesa é uma bruxinha”.
Com todas estas mudanças o Brasil será o principal palco da história. No entanto, Lucélia Santos tem já previsto dez dias de filmagens na China, entre Maio e Junho, e já escolheu os cenários para o seu trabalho: “Xangai, Pequim e o interior da China, num circo decadente já que o protagonista é um malabarista. Este é um local que encontrei há seis anos mas não sei se ainda existe”. Para o segundo episódio Lucélia Santos tem em mente um mosteiro em Sichuan.
Cultura nos debates políticos
Lucélia Santos esteve em Macau a acompanhar a delegação brasileira presente no Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa. Uma missão que não é nova para a actriz brasileira que diz ser, de modo informal, “uma embaixadora do Brasil na China”.
No seu currículo constam já duas visitas oficiais à China a acompanhar presidentes da República Brasileira: “há cerca de dez anos com Fernando Henrique Cardoso e com Lula da Silva há dois anos”. Na primeira visita chegou mesmo a ser recebida por Deng Xiaoping.
Desta vez, e para vir à RAEM, o convite partiu do ministro brasileiro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Luiz Fernando Furlan. Um convite que Lucélia Santos explica com o facto de ser “conhecida na China” mas também pelos projectos que tem vindo a desenvolver do outro lado do mundo, o que aconteceu ainda antes do que chama o “boom mediático” da China. Por isso mesmo Lucélia Santos já se considera “a ‘garota China’ no Brasil”.
Lucélia Santos defende o papel da China na relação com os países de língua oficial portuguesa, até porque a “China é o presente” e apresenta-se como uma grande potência neste momento. Facto que leva a actriz a defender este tipo de encontros.
Porém considera que o tema cultura deve também ser abordado. A actriz reitera que “a cultura tem de ser incorporada no calendário e no vocabulário dos debates” porque, considera que “quando se fala de indústria, comércio, equilíbrio social, a cultura está subjacente”. Além disso defende que o tema cultura não pode ser abordado “como se fosse uma cereja no bolo, que se pode retirar porque não é essencial à construção”. Para a actriz “a cultura além de fazer “parte da cadeia produtiva dos países” é “um elemento de comunicação entre os povos”, motivo pelo qual deve ser alvo da atenção dos políticos. Para Lucélia Santos a cultura é uma causa que quer continuar a abraçar “porque na cultura não há data para deixar o cargo”.