Quando olha para o final de 2002, Elsa Rodrigues sorri: “Resumindo e concluindo, numa frase cliché e banal: amor e uma cabana”. Foram estas as razões que a levaram, em Novembro desse ano, a desembarcar no Porto Exterior. Trazia ainda o sabor das férias por cá passadas no mês anterior. “Foi uma sensação de deslumbramento, encontrei um local exótico, diferente. Toda uma cultura que nunca antes me tinha aliciado e, de repente, revelou-se brilhante aos meus olhos”, relembra a jurista dos Serviços de Finanças. Mas, quando regressou no mês seguinte, em Novembro, sem viagem de regresso marcada, Elsa não encontrou o tal exotismo. Passou por um período de adaptação e dúvidas.
Três anos passados, Elsa vê Macau com outros olhos e, para já, está decidida a ficar, por convicção. Na lista das motivações há um dado novo: “Agora a perspectiva profissional, finalmente, também me alicia aqui. Na área jurídica, tenho possibilidades que não teria noutro sítio. Isso atrai-me bastante e faz-me ficar aqui”, explica.
Lam Chi Seng nunca pensou em sair definitivamente de Macau, onde sempre se sentiu em casa. Um sentido de pertença inato (que terá nascido, também aqui, em 1978) que o acompanhou, mesmo durante o ano que passou numa universidade norte-americana, ao abrigo de um programa de intercâmbio.
A sua ligação à terra não é porém surda nem muda. Licenciou-se em Língua e Literatura Inglesas e essa é uma arma essencial para concretizar uma das coisas que mais gosta em Macau – conhecer novas e diferentes pessoas. “Trabalhei primeiro no Crazy Paris Show, onde conheci muita gente de fora, sobretudo franceses. Depois passei pela Televisão de Macau e pude assim contactar com os profissionais do canal português”, enumera. Nesta lista ainda falta acrescentar a concessionária norte-americana de jogo, a Venetian, empresa onde Lam Chi Seng, ou Buddy, na versão ocidental do nome, desempenha as funções de relações públicas. De facto, o contacto que mantém com estrangeiros é constante, como aliás tem acontecido desde os tempos da universidade.
As raízes que Buddy tem em Macau não o deixam plantado aqui. O jovem faz questão de fazer do território uma saída para a Ásia. “Macau é muito pequeno mas tem tudo à volta. É uma porta para a China, para Hong Kong e para uma série de cidades da Ásia”.
Em cima do acontecimento
Luís Melo aterrou pela primeira vez de malas e bagagens no Oriente, em 1990. Veio para dar aulas na então Universidade Ásia-Oriental, mas acabou a trabalhar no Gabinete para a Modernização Legislativa. Dois anos depois, tornou-se assessor na Assembleia Legislativa. Um convite, em 1997, para ir trabalhar com o então ministro português da Economia, Augusto Mateus, parecia ter posto um ponto final na aventura a Oriente.
Afinal, este não seria um ponto definitivo. A partir da despedida, Luís Melo visitou Macau quase anualmente, embora sem nunca pôr a hipótese de regressar. Pensou que fosse “um capítulo encerrado, uma página que tinha passado”. No Natal de 2004, porém, essa perspectiva mudaria: “Senti algo de diferente, havia renovação. Uma das coisas que me agradava nos anos 90 era o cosmopolitismo, a chegada constante de estrangeiros, os congressos disto e daquilo. Ora, em 2004, voltei a encontrar um pouco disso. Percebi que Macau ia mudar, sentia o impulso de desenvolvimento”, recorda Luís Melo. Findas as férias, o jurista partiu de novo para Portugal. Mas, entretanto, por cá, o destino (e os conhecimentos fruto da prática da vela), quis que um amigo, juiz de Hong Kong, referisse o seu nome a um executivo da Venetian, que na altura procurava um advogado sénior português que conhecesse Macau. No final de 2005, Luís Melo regressou à terra que marcou “os melhores sete anos da minha vida. Adorei!”.
André Ritchie sente que tem bilhete na primeira fila para assistir ao crescimento da RAEM. O jovem arquitecto está no GDI (Gabinete de Desenvolvimento de Infra-estruturas) a trabalhar na área de infra-estruturas à escala urbana. “Estou ligado directamente a projectos que vão mudar a imagem da minha cidade. Ter esta oportunidade, aos 28 anos, e nesta fase especial de Macau, é um privilégio”, sintetiza o arquitecto. André Ritchie sabe do que fala. Na tese que realizou na recta final do percurso universitário, abordou o desenvolvimento urbano da cidade de Macau, desde o século XVI até ao presente (que é cada vez mais passado). “Fiquei apaixonado pela investigação e por coisas da escala urbana da cidade. Fiquei a perceber as peças de um puzzle que, no fundo, compõem a minha memória”, comenta. Uma construção que tem conseguido alicerçar nos últimos três anos, desde o regresso à terra natal. Pela mesma altura, em 2003, vários amigos do tempo do liceu estavam também a regressar a Macau. “Nós estávamos apaixonados, ou melhor, em êxtase, completamente deslumbrados. Um desses amigos tinha uma moto de fabrico chinês e fez um autocolante para o capacete que dizia: ‘Made in China’. Nós só dizíamos: ‘A China é que é o futuro, nós estamos no momento certo’”.
Luís Melo também sente que regressou no momento ideal. Curiosamente, o cosmopolitismo que tanto aprecia, criado pelos novos casinos, acabou por ser directamente responsável pelo seu regresso à RAEM, agora como advogado da Venetian: “Do ponto de vista profissional, é uma oportunidade fantástica, num sítio onde está tudo a acontecer. É uma forma de poder viver de perto as transformações e o desenvolvimento de Macau”, refere entusiasmado.
Elsa Rodrigues também não quer desviar-se do crescimento de Macau. “Se tivesse uma bola de cristal diria, em jeito de cartomante, que vejo aqui um futuro brilhante”, atira. Mas esta previsão vem acompanhada de alguns receios: “Tenho apenas medo que o dinheiro fale mais alto, que Macau se perca no meio do deslumbramento, na loucura desenfreada dos casinos e dos jogos”.
Buddy pensa que ainda é muito cedo para perceber o caminho rápido que Macau está a trilhar, tão pouco sabe se irá gostar do futuro. Certeza só tem uma: “Não sei se gostarei do que vem aí, só sei que gosto do que agora tenho”, afiança.
Sete ofícios
Como por magia, nos últimos anos, as suas oportunidades de trabalho têm-se multiplicado. O ilusionista António Almeida parte e reparte o tempo, entre cartas e outras artes mágicas, um estágio de advocacia e a gestão de um bar do qual é proprietário. É uma agenda preenchida que já aprendeu a manobrar sem truques na manga.
“Macau tem bom futuro, há cada vez mais desenvolvimento, mais oportunidades de trabalho. Não conheço bem o que se passa lá fora, mas por cá, com as características da cidade, há mais oportunidades. É por isso tempo de aproveitar e tomar decisões”, acredita António Almeida. Aliás, tese que pratica. Este jovem macaense terminou recentemente o curso de Direito na Universidade de Macau e agora iniciou o estágio de advocacia num escritório local.
Para trás, deixou o trabalho administrativo na Polícia Judiciária, que exercia desde 1997. As artes mágicas, essas, sempre acompanhado António para todo o lado. “Uma arte pela qual tenho paixão e na qual tenho investido muito”, garante. Na verdade, os resultados estão à vista: num abrir e fechar de olhos, criou a Associação de Ilusionismo de Macau, organizou diferentes espectáculos (no início saíam do próprio bolso), nomeadamente duas galas internacionais e o I Festival Internacional de Magia. “Macau proporciona tudo isto”, remata.
A psicóloga Goreti Lima chegou com a entrada de um novo ano, o quinto a contar de 2000. “Foi muito bom chegar a Macau, por ser Oriente e porque na altura a conjuntura pessoal implicava a necessidade de uma saída, um corte com o meu país”, explica. A atracção pelo Oriente conduziu-a por uma viagem pela China. No regresso a Macau, “fiquei, porque em Portugal não tinha nada que me fizesse voltar, a não ser a família. Achei que em termos financeiros e pessoais podia ficar porque não tinha nada à minha espera e a agarrar-me. Ou era nessa altura ou não era. Foi uma oportunidade que tive, estava completamente livre ”, afirma convicta.
Não foi preciso riscar muitos dias do calendário para começarem a surgir várias oportunidades de trabalho. Numa clínica de Macau, Goreti Lima começou a dar consultas de psicologia, área em que se licenciou.
A sua formação passou também pela dança, uma paixão que trouxe e expressa em Macau em aulas para crianças. “Sempre gostei da minha independência. Macau dá-me isso, assim como uma grande paz e tranquilidade. Dá-me um espaço para repensar muito a minha vida interior, o meu reconciliar com a vida espiritual”, confessa. Entretanto, Goreti Lima começou a praticar reiki diariamente. Da prática individual passou para a terapia de grupo reiki, uma outra forma que encontrou para poder ajudar os outros. “Macau deu-me uma grande autonomia pessoal e proporcionou-me um crescimento brutal. Aprendi a viver sozinha e a refazer a vida de novo, sem a família, sem os amigos, sem a base que antes tinha.
Para mim foi como estar na corda bamba sem rede. Foi uma grande aprendizagem e estou por isso muito grata a Macau”, conclui Goreti Lima.
Elsa também cresceu. Aprendeu no Oriente a conhecer-se e a conhecer o resto do mundo; ou até, como explica em jeito de metáfora, a perceber o significado de alguns enigmas do tempo do liceu, como a canção que aprendera num campo de férias: ”Quem não sai de sua casa cria mil olhos para nada’”.
Luís Melo
O lado emocional da Ásia
Quando disse adeus a Macau, em 1997, fê-lo sobretudo por razões profissionais. Assim partiu, sem imaginar que haveria um regresso. Curiosamente, da mesma forma que a carreira profissional o arrancou de Macau, também o trouxe de volta.
“O Macau de agora seduz-me como antes. É um local único, com uma combinação quase perfeita de culturas”, refere Luís Melo. A tradição, a cultura milenar chinesa, a paisagem urbana ou o modernismo da cidade merecem os elogios do advogado. “Isto tem algo de irracional, nem sempre sabemos explicar bem porque gostamos das coisas. Viver na Ásia tem algo disso, de irracionalidade. A comida, os destinos, o exotismo de tudo isto…”
Lam Chi Seng
Amo Macau
Mesmo antes que lhe perguntem, Buddy faz questão de afirmar convicto: “Amo Macau”. Com a mesma rapidez apresenta uma lista de razões e os respectivos fundamentos. “Aqui nasci, aqui tenho as minhas raízes. Depois, gosto das pessoas de cá, são afáveis, descontraídas e apreciam melhor a vida”, garante. O jovem não tem dúvidas quanto ao poder de sedução de Macau, “que regista o maior desenvolvimento do mundo. Ao mesmo tempo, o património e as tradições da terra tornam tudo mais entusiasmante. Neste pedacinho de terra temos coisas como o Teatro D. Pedro V, o primeiro teatro ocidental da China. Andar no Largo do Senado e sentir o Ocidente e Oriente, não é único?”, pergunta de forma retórica.
Lam Chi Seng não pensa abandonar Macau. Para sempre? Buddy responde logo que o apego à terra não é assim tão desmesurado: “Espero ficar cá pelo menos até à reforma, depois quero partir para Itália, onde vou abrir uma livraria ou eventualmente um café.
Elsa Rodrigues
Vim à toa e encontrei-me
Elsa não acredita que se aprenda a gostar de Macau. A jurista está convencida de que “quando se está bem, está-se bem em qualquer sítio do mundo”. Reconhece, porém, que em Macau tem a possibilidade de fazer coisas que noutro local não faria. “Lá não tenho a liberdade que tenho aqui. Saí de casa dos meus pais para vir para o Oriente e, de repente, abriu-se um mundo novo. Em termos de desenvolvimento pessoal experimentou uma evolução que nunca poderia ter vivido em Portugal. Aqui, longe das referências, da família e dos amigos, é preciso ir buscar mais de dentro de mim. Em Macau, posso fazer coisas em nome do que acredito sem pressão familiar, só por mim, absolutamente”, garante Elsa.
Mais do que o local onde vive, Macau é também uma forma de coleccionar viagens, culturas, povos e experiências, “uma forma de viajar com facilidade, um prazer enorme. Percebi que vivemos todos numa bola enorme mas que, na verdade, não é assim tão grande, pois as diferenças que nos separam não são assim tantas”.
António Almeida
Cidade mágica
O ilusionismo é um amor de criança. Uma prenda que recebeu aos 14 anos de idade e acabou por traçar um dos rumos de António Almeida. “Estava no liceu e recebi uma caixa mágica. A partir desse momento, interessei-me pela arte da magia. Na altura era muito difícil encontrar em Macau informações sobre o ilusionismo, mas tive a sorte mágica de conhecer o professor Fernando Lima”, relembra o jovem macaense. Ou seja, António Almeida conheceu e conviveu nem mais nem menos do que com um dos sócios fundadores da Associação Portuguesa de Ilusionismo. “Criei uma relação íntima com a arte e nunca mais parei. É uma paixão.”
Sobre a cidade que o viu nascer, António Almeida recorre à palavra que lhe é mais cara: “É uma cidade mágica, com um significado especial. Macau para mim é sedutor, é um espaço que me pertence, onde nasci, cresci e agora estou”.
O mais que notório crescimento do território não assusta António: “Não podemos parar, temos que acompanhar a evolução. A cidade está a ganhar cada vez mais um carácter internacional e vão chegar mais pessoas de diferentes sítios do mundo”. António Almeida acredita também que, com tantos casinos, hotéis e consequente aposta no entretenimento, a arte da magia “só ficará a ganhar”.
Goreti Lima
Paixão pelo Oriente
Porquê continuar em Macau? Goreti Lima atira logo a resposta: “E porque não? Não sei bem o que me faz ficar. Estou tal e qual como quando cheguei – posso ir ou posso ficar. Nada me prende aqui. Isto é uma sensação óptima. Lá, desde que entrei no mundo profissional, nunca senti essa liberdade. Isto é muito bom”, assegura com um sorriso nos lábios.
Apesar de não querer apontar razões para permanecer por estes lados do globo, a psicóloga, professora de dança e terapeuta de reiki, confessa-se uma apaixonada pelo Oriente. “Macau seduz porque é Ásia. Gosto da China, adoro a comida, os cheiros, gosto das pessoas”.
André Ritchie
Oportunidades
André Ritchie confessa que chegou a ter dúvidas sobre as condições de vida que existiriam em Macau após a transição. E foi com esse pensamento que ingressou numa universidade portuguesa, a poucos anos da transferência.
O destino começou a trocar-lhe as voltas quando iniciou a carreira profissional. “Vi que as coisas não estavam muito boas em Portugal. O meu primeiro salário era mais baixo do que a mesada dos meus pais. Como costumava dizer a brincar: ‘falta muito mês no fim do dinheiro’”.
O apego à terra e aos pais, que aqui tinham permanecido, conduziram-no de novo a Macau. Seguiu-se uma fase de adaptação que passou também por relembrar o cantonês, enferrujado por falta de prática nos anos anteriores. “Para além disso, o meu chinês não tinha suporte técnico. Não sabia dizer betão, alumínio ou centímetro. Passei a ouvir a rádio chinesa, no carro, e televisão em língua chinesa, em casa”, explica. Em pouco tempo, surgiram várias oportunidades. Do Rotary Club recebeu um convite para ser consultor de um projecto para a construção de escolas numa província chinesa. Assim, prestou serviço técnico em aldeias sem energia eléctrica, nem água potável. “Macau é realmente uma terra de oportunidades. Também estou envolvido no teatro Doci Papiaçam di Macau (teatro em patuá) e faço parte da direcção da Casa de Portugal, tendo organizado três exposições de pintura. Tudo isto junto enriquece a experiência de vida de uma pessoa.”