Foi este o ponto de partida para a criação do Fórum para a Cooperação e Desenvolvimento da Região do Grande Delta do Rio das Pérolas, uma ideia que deu os primeiros passos em Julho de 2003. O projecto foi pela primeira vez avançado pelos dirigentes da província de Guangdong. Zhang Dejiang, secretário do Partido Comunista na província vizinha a Macau, teve a visão de integrar as economias do Delta do Rio das Pérolas de forma a que, em conjunto, constituíssem um motor para o desenvolvimento.
Zhang tinha chegado a Guangdong no final de 2002 depois de ter estado na província de Zhejiang onde a economia conheceu um progresso notável durante o seu mandato. A ideia foi do agrado do governador da província de Guangdong, Huang Huahua, que afirmou durante uma Conferência Conjunta de Cooperação com Macau que a “efectiva integração do Delta do Rio das Pérolas transformaria a zona na mais dinâmica zona económica do mundo num espaço de 10 a 20 anos”.
Huang queria transformar Guangdong na maior base produtiva do planeta, tendo ao seu lado Macau, com todas a potencialidades ao nível do turismo e entretenimento, e Hong Kong, que funcionaria com centro financeiro. Para acelerar a convergência era necessário avançar com medidas destinadas a desmantelar as barreiras existentes e evitar a duplicação de esforços em projectos de infra-estruturas. Em projecto estavam já várias obras como auto-estradas, linhas de caminho de ferro e pontes que ajudariam a movimentar bens e pessoas.
A ideia foi ganhado forma e o Governo Central quis adicionar oito outras províncias que ficavam na sombra do poderio económico de Guangdong. Era o caso de Fujian, Jiangxi, Hunan, Hainan, Sichuan, Yunnan, Guizhou e Guangxi. Depois da necessária aprovação pelo Conselho de Estado estava tudo pronto para a cerimónia de constituição do Fórum para a Cooperação e Desenvolvimento da Região do Grande Delta do Rio das Pérolas, que decorreu em Hong Kong.
O promotor do projecto inicial, Zhang Dejiang, lembrou na ocasião que o “desenvolvimento de Guangdong” não podia ser visto “independentemente do de Hong Kong e de Macau”, sendo que o inverso também era verdadeiro. Com a adição de mais oito províncias, interessava então importar para essas regiões alguns dos factores que transformaram Guangdong numa das mais prósperas províncias do país.
A sessão inaugural do fórum passou também por Macau e Cantão onde, de resto, foi assinado o acordo quadro de cooperação que envolvia inicialmente sete sectores de actividade onde se incluem as infra-estruturas básicas, indústria e investimento, negócios e comércio, turismo, agricultura, assuntos laborais, ensino e cultura, tecnologias de informação, protecção do ambiente e saúde.
O quadro de cooperação foi assinado pelos governadores das nove províncias, bem como pelos chefes do executivo de Macau e Hong Kong. O protocolo define como objectivos atingir o “desenvolvimento da cooperação dos intervenientes do Grande Delta, fomentar a prosperidade e o desenvolvimento social de Hong Kong e Macau, ampliar a abertura interna e externa e tornar numa realidade a interactividade com as zonas Leste, Oeste e Centro do país.
Eram também objectivos o “reforço da complementaridade para o progresso e desenvolvimento conjunto e o aumento da competitividade das regiões, bem como impulsionar o desenvolvimento da cooperação na Zona de Comércio Livre China-ASEAN”.
Reacções em Macau
O conceito do Grande Delta do Rio das Pérolas foi abraçado por académicos, empresários e políticos. Yang Yunzhong, deputado de Macau na Assembleia Popular Nacional afirmou a propósito que o fórum criava condições para que a prosperidade de Macau e Hong Kong irradiasse para as províncias vizinhas, o que levaria à prosperidade no Sul do país.
Mas para Yang, o conceito era também benéfico para a RAEM. “Macau é uma das mais pequenas economias do mundo. É vulnerável às flutuações das regiões vizinhas. No entanto, através dos mecanismos de cooperação, pode alargar a sua capacidade de resistir” afirmou Yang.
Mais pragmático surgia o director da Academia de Ciências Sociais de Macau. Wong Hong Keong lembrou na circunstância que não seria fácil a criação de mecanismos de cooperação regional: “Este tipo de combinação regional necessita de um mecanismo de coordenação permanente, objectivos claros comuns e a pesquisa detalhada quanto às necessidades de movimentação dos recursos”, alertou.
Chui Sai Peng, deputado de Macau na Assembleia Nacional Popular, considera que o conceito do Grande Delta do Rio das Pérolas tinha implicações mais de longo prazo do que anteriores modelos de cooperação que se limitavam a Macau, Hong Kong e as regiões adjacentes de Guangdong. “É bom ver os responsáveis da Região do Grande Delta do Rio das Pérolas reunidos para procurar um quadro comum para o desenvolvimento regional, apesar de cada uma das partes ter a sua própria opinião quanto aos modos de cooperação”, afirmou Chui Sai Peng.
O Fórum para a Cooperação e Desenvolvimento da Região do Grande Delta do Rio das Pérolas constitui para Guangdong uma oportunidade para concorrer com outras regiões do país, nomeadamente com o Delta do Rio Yangtze, que tenta rivalizar na atracção do investimento estrangeiro. Logo após a adesão da China à Organização Mundial do Comércio, a maior parte do investimento estrangeiro foi dirigida para Xangai. Em 2003, a província de Jiangsu conseguiu atrair mais investimento estrangeiro do que Guangdong.
As perspectivas não eram as melhores para Guangdong, que corria o risco de se atrasar face a outras regiões do país como o Delta do Yangtze ou a Baía de Bohai. O modelo “9+2” garantia a Guangdong o acesso às matérias-primas produzidas nas províncias vizinhas, tais como a energia, os minerais e a mão-de-obra competitiva. Macau e Hong Kong forneceriam o capital, tecnologia e a capacidade de gestão. Para isso, era considerado fundamental o desenvolvimento das redes de comunicações entre as províncias menos desenvolvidas e as regiões mais ricas. “Sem uma rede de transportes completa, a cooperação económica entre as onze regiões não passará de conversa vazia”, afirmou na altura Anthony Yeh, professor na Universidade de Hong Kong.
Imperfeições antigas e desafios da modernidade
As nove províncias do Grande Delta do Rio das Pérolas atraíram nos primeiros oito meses de 2005 um total de 8500 projectos de investimento, no valor global de 200 mil milhões de patacas (USD 25 mil milhões). De acordo com o Ministério do Comércio, entre Janeiro e Agosto do ano passado, esta região recebeu investimento estrangeiro no valor de 94 mil milhões de patacas (USD 11,75 mil milhões).
A integração do mercado doméstico no Continente é ainda imperfeita, mas evoluiu notavelmente desde a introdução da política de reformas económicas e da abertura dos mercados. O processo de desenvolvimento do mercado interno está ainda longe de estar concluído e os fenómenos de integração económica regional contribuem para uma maior fluidez nos fluxos de bens e pessoas.
Mas a verdade é que existem factores que fazem duvidar do sucesso da iniciativa. Como por exemplo, as disparidades de desenvolvimento entre algumas provincias. O rendimento per capita de Hong Kong é de 25 mil dólares norte americanos – 50 vezes superior ao da provincia mais atrasada, a de Guizhou.
O analista de Hong Kong Leu Siew Ying afirmou, num artigo de opinião publicado no South China Morning Post, que “as barreiras não serão facilmente eliminadas uma vez que os interesses próprios de cada província constituem o núcleo do proteccionismo. Cada província preocupa-se com o crescimento da sua própria economia de forma a evitar a fuga de capitais e a entrada de produtos produzidos noutras regiões”.
A visão do secretário do Partido Comunista de Guangdong, Zhang Dejiang, de criar um grande motor de crescimento está assim longe da sua concretização plena, mantendo-se ainda barreiras à cooperação.
No papel, o conceito “9+2”, parece ser uma ideia magnífica garantindo a Guangdong uma vasta zona para a sua expansão económica, agarrando Macau e Hong Kong de forma a dar ao fórum um perspectiva internacional bem como a capacidade para fazer face à concorrência do principal rival, o Delta do Rio Yangtze. Mas só o tempo dirá se o projecto imaginado pelos dirigentes de Guangdong e apadrinhado pelo Governo Central ajudará a transformar o Delta do Rio das Pérolas na mais dinâmica economia do planeta no espaço de menos de uma geração.
Macau na sessão inaugural
Kong para a sessão inaugural do Fórum para a Cooperação e Desenvolvimento da Região do Grande Delta do Rio das Pérolas. A cerimónia de constituição do fórum, que decorreu primeiro em Hong Kong, no dia 1 de Junho de 2004, passando no dia seguinte por Macau e encerrando em Cantão, ao terceiro dia, serviu para dar o pontapé de saída de uma nova experiência de integração económica que juntava nove províncias e duas regiões administrativas especiais. No fórum estavam reunidos representantes de um terço da população nacional e 40 por cento do produto interno bruto de todo o país. E o parceiro mais pequeno era Macau, com apenas 27,5 quilómetros quadrados de área para menos de meio milhão de habitantes.
Contudo, a RAEM era, naquela altura, a região que apresentava a mais alta taxa de crescimento da economia com o produto interno bruto per capita a ficar apenas aquém do de Hong Kong.
Na sessão inaugural do fórum, o Chefe do Executivo defendeu que Macau não poderia ficar à margem dos processos de integração económica. Edmund Ho citou as várias experiências de integração económica a nível mundial para dizer este tipo de processo era “complexo e difícil, mas do interesse nacional”. O Chefe do Executivo foi mais longe ao dizer que a Região Administrativa Especial de Macau tinha um papel para desempenhar ao nível no desenvolvimento nacional.
Edmund Ho citou também o Acordo de Estreitamento das Relações Económicas e Comerciais Entre o Continente chinês e Macau (CEPA) como um instrumento que facilita a integração da economia da RAEM com as províncias vizinhas. Um dos trunfos que Edmund Ho levou até à sessão inaugural do fórum foi a relação privilegiada com a União Europeia e os países de língua portuguesa. O acesso ao mundo lusófono tem sido referido como um factor de capital importância pelas autoridades centrais e provinciais em todos os contactos que mantêm com a Região. Edmund Ho defendeu ainda a complementaridade na oferta turística de Macau face a outras regiões do Sul da China.
Projecto de elevado potencial
A expressão “9+2” é uma adição recente ao vocabulário económico e político da China. Na sua simplicidade aritmética, esconde uma iniciativa de natureza extremamente inovadora. É conhecido o notável processo de crescimento económico que, nos últimos 20 anos, caracterizou a região do delta do Rio das Pérolas. A constituição da designada Região Económica do Grande Delta do Rio das Pérolas representa a tentativa de alargar aquela experiência a uma área que inclui, praticamente, um terço da população da China e é responsável por mais de um terço do seu Produto Interno Bruto.
Uma característica nem sempre perceptível do mercado chinês é a sua grande segmentação. Em sentido económico, a China não constitui um mercado único. Diversas especificidades regionais e múltiplas barreiras internas – ao comércio e à mobilidade de factores – fazem com que o tantas vezes imaginado grande mercado chinês se tenha revelado, para muitos operadores internacionais, uma ilusão. Em consequência, a progressiva eliminação daqueles obstáculos nas relações entre as regiões incluídas no espaço do “9+2” contém em si a promessa de libertação de um enorme potencial de desenvolvimento. A região possui abundantes recursos. Para citar apenas alguns, refiram-se os significativos recursos naturais e energéticos; uma enorme reserva de mão-de-obra internacionalmente competitiva; uma exposição alargada ao comércio internacional e ao investimento estrangeiro; a presença de numerosas empresas de prestação de serviços financeiros, legais, de logística e de transportes. Ao acordarem entre si o objectivo de alargarem a cooperação inter-regional em domínios tão críticos para a eficiência económica como sejam o desenvolvimento da rede de transportes, a harmonização das políticas comerciais e de investimento, ou a adopção de quadros legais e institucionais que facilitem a mobilidade dos factores de produção, os participantes neste processo propõem-se criar, de facto, um mercado único sem precedentes na China.
Pela história das ligações internacionais, como porta secular das relações com o exterior, Macau pode desempenhar neste processo um papel de relevo. Por um lado, como plataforma de prestação de serviços: espaço económico aberto, inserido na região mais dinâmica da China, Macau dispõe de um ordenamento jurídico moderno, estável e coerente, proporcionando ainda uma base de apoio com custos de estabelecimento e operação comparativamente baixos. Por outro lado, pode afirmar-se como pólo de cooperação com os países de língua portuguesa. O longo passado de relações entre Macau e o mundo lusófono deu origem a um património histórico e linguístico partilhado. Para os agentes e entidades daqueles países, interessados no desenvolvimento de relações comerciais ou de investimento com a China, Macau constitui, por isso, uma plataforma com características singulares. Em primeiro lugar, legislação e regulamentação estão publicadas em português; em segundo lugar, porque podem operar num ambiente jurídico e administrativo de matriz comum. Neste contexto, o desenvolvimento da região “9+2” constitui, para Macau e para os países de expressão portuguesa, uma promessa de crescimento e, em simultâneo, uma oportunidade e um desafio para a cooperação.
* Economista