Corria o ano de 1649 quando a dinastia Qing estabeleceu o concelho de Kaiping. O local era frequentado por bandidos, que um dia raptaram a mulher de um abastado cidadão. Enquanto preparava o resgate, o filho recebeu uma mensagem de sua mãe a dizer que o ouro a ser entregue deveria ser usado na construção de um castelo para proteger a comunidade dos bandidos. Nessa mesma noite a mãe suicidou-se e, em 1650, a primeira torre, denominada Yalong, estava construída. Esta já desapareceu, mas serviu durante séculos para proteger a população contra bandidos e inundações.
Kaiping era uma pobre aldeia como tantas outras no Sul de Guangdong. Os seus habitantes viam-se obrigados a migrar. Nos anos 40 do século XIX, estes cules e outros homens da zona partem para os Estados Unidos e Canadá para trabalharem na lavoura, na construção do caminho-de-ferro e nas minas de ouro. Vivendo em condições inumanas e grandes sacrifícios, foram juntando o pouco dinheiro que ganhavam, sonhando um dia regressar à terra natal, comprarem terra, construírem as suas casas e casarem. Muitos realizaram esse sonho.
Protecção contra os raptos
As terras baixas de Kaiping, no delta do rio das Pérolas, eram de fácil acesso e as famílias que haviam enriquecido nas Américas eram o alvo favorito dos ladrões. Por causa de um rapto numa escola secundária de Kaiping, a população, ainda com a memória da antiga história da torre de Yalong, iniciou a mudança na arquitectura da região. O caso aconteceu numa noite de Dezembro de 1922, quando um grupo de bandidos raptou um professor e 17 alunos.
As forças de segurança locais resgataram os reféns e a história acabou bem. Para construírem casas resistentes às cheias que assolavam a região, como também aos piratas que a infestavam, os emigrantes enviam mais dinheiro. Entre os anos 20 e 30 do século XX foi construída a maior parte dos 1800 diaolous, as casas-torres de vigia. Juntam a arquitectura dos países para onde os seus emigrantes andaram com a estratégia de um local defensivo. Altas torres, entre cinco a dez andares, com poucas janelas, espalham-se numa área de um verde luxureante de palmeiras, larangeiras e bananeiras.
A segunda vaga de chineses embarcou entre os anos 30 a 40 do século XX. Por essa altura, existiam já 120 mil pessoas da província de Guangdong a trabalhar nos EUA e Canadá. Mas com a II Guerra Mundial, os emigrantes deixam de mandar dinheiro e o último diaolou foi construído em 1948.
Foram os diaolous que nos levaram a uma pequena cidade rural, Kaiping, a Sudoeste do Delta do Rio das Pérolas, no distrito de Jiangmen, província de Guangdong. O concelho de Kaiping, com 1660 quilómetros quadrados, tem uma população de 680 mil habitantes, entre os quais 240 mil vive na cidade. Cerca de 750 mil emigram, entre os quais 250 mil para Macau e Hong Kong. As pessoas com quem contactamos mostraram-se sempre muito afáveis e prestáveis.
Tínhamos chegado de noite à cidade de Kaiping, vindos de Gonbei, numa viagem de autocarro que demorou aproximadamente três horas. Levávamos hotel marcado, o que permitiu hospedarmo-nos num hotel de cinco estrelas, pelo preço de um de três estrelas. Chegámos ao hotel no centro da cidade e já passava das nove da noite quando fomos à procura de um restaurante. Hora demasiado tardia para na China jantar. Tivémos a sorte de encontrar, num segundo andar da esquina das ruas comerciais Musha Lu com Qiaoyuan Lu, uma sala de chá, com dim sam. Chamada “Lu yin gue” era um lugar onde todos os dias os chineses se encontravam para conviverem e beberem chá após o jantar, acompanhando a conversa com o petiscar. Fechava às duas da madrugada.
No dia seguinte alugámos um táxi por 300 yuans (USD 37,5) para visitar todo o concelho de Kaiping, onde se encontram dispersos os diaolous.
A pouca distância da cidade encontra-se a aldeia de Xia, na freguesia de Chikan. Estava deserta e, atravessando-a, fomos ter a uma área onde as casas de tijolo cinzento, com três andares – o último recuado, varanda – tinham frisos em relevo coloridos. Na parte superior dos edifícios, o trabalho em pedra conferia um aspecto singular e era distinto de casa para casa. No extremo da aldeia, a torre-vigia Sihao Lou, com cinco andares e encimada por quatro postos de vigia, mais parece uma torre militar. Foi construída, em 1923, por quatro homens. Mas apenas um deles lá habita, encontrando-se os outros três no Canadá. Quando aí chegámos, um idoso dava de comer às galinhas, enquanto os campos de arroz em redor esperavam pela água das chuvas que tardava em chegar. Ao ver-nos, refugiou-se numa das casas. Entre estas e a torre-vigia, uma pequena casa tinha o emblema da bandeira do Canadá. Não era de estranhar, já que os seus habitantes tinham emigrado para o Canadá e por isso é também conhecida como a aldeia do Canadá. O nosso motorista explicou-nos que aquele vulto que vimos de fugida era o único que ali habitava, pois ficou a cuidar da mãe que se tinha recusado a emigrar.
Quem ganha com o turismo?
A aldeia de Zili, construída principalmente entre os anos 20 e 30 do século XX, habitada por 60 famílias, foi escolhida por muitos emigrantes chineses que, após fazerem as suas fortunas, aí compraram terra. As casas que edificaram encontram-se bem preservadas, já que a população resolveu abrir a aldeia ao turismo e cobrar 30 yuans (USD 3,75) pela visita aos 15 diaolous aí existentes.
Entrando pela estreita rua que dava para o interior da aldeia, o ambiente mostrava-se cuidado e limpo, sendo a povoação de cariz rural. As galinhas corriam por todos os lados e penduravam-se numa estrutura de bambu; pequenas couves secavam ao Sol. Aí viviam 175 habitantes, tendo emigrados para Macau, Hong Kong e estrangeiro 250 pessoas. Como era hora de almoçar procurámos um restaurante, mas apenas uma casa se mostrou disposta a cozinhar uma das galinhas que pelo pátio andavam.Continuámos viagem, tendo passado pela torre-farol Fang, que se encontra isolada no cume de um monte.
A maior parte das aldeias espalhadas pela área têm apenas uma rua para onde quase todas as casas dão. E em frente há sempre um grande reservatório de água. Por detrás das casas sobressaem os diaolous. E cada um é uma nova surpresa, tanto pela suas formas como pelo trabalho que nas varandas dos andares de cima se visualizam. Infelizmente encontrámos todas fechadas, não nos sendo permitido visitar os interiores. Outras vezes, quando passávamos pela estrada, víamos uma torre e pedíamos ao taxista para entrar com o carro pela picada. Quando parecia que estávamos a chegar, o diaolou desaparecia e outro, um pouco mais distante, espreitava, aguçando a nossa curiosidade, fazendo-nos esquecer o anterior. Voltava a aparecer envolto na vegetação e, pela persistência, lá o encontrávamos.
Uma das visitas mais deliciosas foi à aldeia de Yongan. Ainda na estrada, o espanto! A envolver o topo da torre, tiras de pano esfarrapadas esvoaçavam. Chegados à aldeia, uma senhora idosa começou a resmungar e a gesticular ao ver uma máquina fotográfica. Explicou-nos depois que alguém de Hong Kong tinha comprado terrenos à volta e queria explorá-los na vertente turística, mas nada queria pagar aos habitantes da aldeia. Como a torre era comunitária, começaram a boicotar as fotografias aos turistas. Após uma longa troca de argumentos lá nos deixou visitar os arredores da torre Tianlu. Construída em 1925, foi declarada património nacional em Junho de 2001. É uma casa comunitária com sete andares e 29 quartos, tendo cada um dos co-proprietários um quarto. Aqui se refugiaram as pessoas da aldeia quando, em 1963, 65 e 68, terríveis inundações alagaram toda a povoação.
Jardim-museu
Continuando viagem fomos a Tangkou, onde se contam mais de 500 diaolous. É a freguesia com a maior concentração de diaolous de Kaiping.
Chegámos à aldeia de Tan Xi Geng Hua com a intenção de visitar o jardim-museu de Liyuan. Construído por Xie Wei Li, serviu de cenário a vários filmes e para o percorrer em passo apressado são necessárias pelo menos duas horas.
Voltámos à estrada e, de cinco em cinco minutos, pedíamos ao taxista para parar, para outra fotografia a mais um diferente diaolou. Outras vezes apareciam aquelas torres incrustadas ao longe na vegetação e lá demandávamos por mais um estreito trilho, para explorar mais uma aldeia dispersa.
Parámos para ver uma torre bastante distinta de todas as outras. Com uma volumetria desproporcionada, a torre com cinco andares, tem o do meio a transgredir o equilíbrio, já que se estende muito para fora das estruturas do edifício. Depois vai diminuindo até ao último andar, onde um pequeno cubículo encima a torre. Em frente, uma placa tinha o carácter de arroz e, não fosse a curiosidade na exploração do que se encontraria por trás daqueles muros, não teríamos encontrado um único restaurante durante o dia. Era um restaurante de estrada e naquele dia tinha já servido um banquete de casamento para 50 pessoas.
O dia já estava a terminar quando chegámos à aldeia de Jin Jiang Ni, na freguesia de Sen Gang. Os gansos circulavam pela rua e o casario escondia três diaolous, sendo um deles, a torre Ruishi, construído em 1923, foi talvez o mais interessante por nós visitado.
O estilo das torres ía desde as despidas de qualquer ornamento, tendo apenas uma pequena porta e estreitas janelas, sem varandas nos últimos andares, até às extremamente decoradas. As janelas diferem de andar para andar e os rendilhados lavrados na pedra permitem perceber os estilos que os seus donos admiravam. Umas com uma estética greco-romana, outras góticas, muitas barrocas, assim como algumas com elementos islâmicos.
A povoação de Chikan
A cidade de Chikan, com 50 mil habitantes, foi construída em 1662, mas só conheceu um maior desenvolvimento nos anos 50 do século XX. Encontra-se no centro do concelho de Kaiping e tem como atractivo uma série de casas cuja frontaria está virada para o rio.
Atravessada a ponte pedonal, virando para a esquerda, cruzamo-nos com uma das bibliotecas da povoação. Daí saía a bibliotecária que, percebendo a recusa do guarda em nos deixar entrar no que parecia um museu, devido ao aproximar da hora do fecho, nos convidou a percorrendo aquele local servindo-nos como cicerone. Explicou-nos que aquele local, com uma magnífica arquitectura antiga e muitos adereços, como carros antigos, carroças e lanças, tinha servido para rodar uma famosa telenovela chinesa. Tocando nas paredes percebemos que tudo aquilo não passava de cenário, com muita esferovite.
As poucas casas antigas que restam habitadas parecem prometer para breve uma renovação na arquitectura da cidade. Os passeios, sob a arcada das casas de três andares, são ocupados pelo comércio, que se espraia até à rua. Muitos restaurantes e casas de chá usam também essas arcadas para esplanadas, tal com as cozinhas ambulantes, onde se confecciona uma das especialidades desta vila, o tofu. Frito numa sertã sobre fogo de lenha, apesar de ter um bom aspecto, parecia não contar com muitos consumidores. Como nesse dia ainda não tínhamos almoçado, testámos tal iguaria, conjuntamente com outra das especialidades da terra, as tripas de búfalo. Também os vegetais eram na verdade muito bons.
Continuámos a calcorrear as ruas da cidade e quando demos por nós estávamos a admirar uma casa com uma torre que já não parecia ser um diaolou. Dentro de um recinto com muitas árvores antigas lemos tratar-se de mais uma biblioteca. A separar-nos do rio, um parque memorial homenageia sete heróis que dentro da torre Nan Lou lutaram contra o exército japonês, em 17 de Julho de 1945. Uma estátua e sete pedras assinalam cada um dos mortos que só cairam após o recurso a granadas de gás e depois foram decepados. O rio Tan com muito lodo, onde os barcos que servem de habitação se encontram enterrados, foi para onde os japoneses atiraram os corpos.
Com a cidade visitada e tendo percorrido muitos dos diaolous da zona, resolvemos apanhar o autocarro urbano para a cidade de Kaiping e daí partir para a capital do distrito, Jiangmen. Sentindo a diferença entre o viver na cidade e a vida rural, despoluidos da tensão e do trânsito que exigem uma quotidiana e constante atenção na cidade, aquele fim-de-semana relaxante, passado entre o verde de Kaiping e o cinzento dos diaolous, pareceu-nos um bom remédio, a convidar para futuros passeios, por lugares que se conseguem desfrutar a poucas horas de Macau.