Primeiro preconizou um modelo económico assente num sector dominante, o jogo, deduzindo-se as reformas administrativas e legislativas; posteriormente, Edmund Ho defendeu um modelo educativo e laboral que o possa sustentar qualificadamente. Adicionou-lhe segmentos adjacentes, como o turismo cultural, desportivo e de eventos. Para além da indústria do Jogo, e graças à cooperação do Governo Central, duas vias: integração regional no Grande Delta e Macau como plataforma de serviços comerciais entre a China e os países de língua portuguesa. Este ano acrescenta-se a necessidade da reforma das mentalidades. Contra a inércia.
A apresentação das Linhas de Acção Governativa na Assembleia Legislativa constitui o momento mais alto e solene do calendário político da RAEM. De acordo com o modelo constitucional expresso na sua Lei Básica (mini-constituição), o Chefe do Executivo desloca-se ao hemiciclo dos Lagos Nam Van para apresentar o programa para o ano financeiro seguinte (2006), mas também, essencialmente, para enquadrá-lo nas estratégias a prazo, proceder à sua leitura política e executar o balanço do ano pretérito. Em expressão livre, acertar agulhas. Num segundo momento, Edmund Ho regressa ao hemiciclo para, com base nesse discurso sobre o “estado da Região”, enfrentar o escrutínio dos deputados. Este ano de 2005 o contexto era especialmente relevante, dado estarmos perante um novo elenco legislativo, saído das últimas eleições.
Faz por isso sentido que as primeiras e as últimas palavras do Chefe do Executivo tenham sido endereçadas ao órgão legislativo por excelência: “A Assembleia Legislativa tem desempenhado um papel insubstituível, prestando toda a colaboração e fiscalização ao Governo. A sua acção permitiu que o Governo aplicasse as suas políticas, evitando erros políticos de maior gravidade”. Note-se que as diferentes áreas sectoriais, defendidas por cada um dos secretários do Governo têm de passar, uma a uma, e linha a linha, em verdadeira maratona parlamentar, pela interpelação crítica dos deputados.
Velocidade das transformações
O balanço do ano anterior demonstra a “velocidade das transformações conjunturais”, segundo expressão de Edmund Ho no preâmbulo do seu discurso. Em síntese, retém-se a introdução do “mecanismo central de reforma legislativa”, o ajustamento das forças de segurança à política de abertura das fronteiras e à realização de grandes eventos, a orientação da entidade municipal para os domínios da qualidade de vida dos cidadãos, a segunda fase de implementação do CEPA (mecanismo regional de integração económica), a consolidação das relações comerciais entre Macau e os países de língua portuguesa. Avanços concretos, ainda, na integração no Grande Delta, na implementação do Parque Industrial Transfronteiriço e no apoio às PME, para “responder às transformações do regime de quotas dos têxteis e vestuário”.
Além de um conjunto de medidas de âmbito social – “construção de uma sociedade mais solidária” – foi sublinhada a importância do sucesso da candidatura do Centro Histórico de Macau a património mundial da UNESCO, que “contribuiu para potenciar a vantagem singular de Macau como ponto de encontro das culturas oriental e ocidental. Esta vitória representa uma responsabilidade acrescida para a população na defesa da causa da cultura”. Por último, destaca-se no mosaico de onde partem as novas LAG, aquela que é porventura a mais conhecida narrativa sobre a RAEM: o crescimento. “Pudemos constatar a entrada de um volume maior de capitais estrangeiros e o crescimento do sector dominante foi positivo; o número de turistas que nos visitam subiu; as receitas do sector do jogo foram satisfatórias e os outros sectores a ele relacionados também conseguiram resultados excelentes. Pode dizer-se, de um modo geral, que a economia revelou sinais de prosperidade. As receitas e os saldos do Governo aumentaram e o sistema financeiro manteve-se sólido e saudável”, resumiu Edmundo Ho.
O Chefe do Executivo recusou contudo a ideia de comodidade que estes resultados suscitam, tendo concluído o balanço com o alerta contra o reverso da medalha, em discurso directo contra a inércia. Defendeu a necessidade de eliminar “práticas conservadoras” na governação corrente, por vezes despidas da “ponderação dos custos políticos e sociais” em causa ou refugiadas na “indiferença”, condenou a perversão do valor da “tolerância” percepcionada em alguns segmentos da máquina administrativa e denunciou a passividade. Exemplos de um conjunto de argumentos contra as “manifestações de inadequação” às “mudanças drásticas” resultantes do crescimento acelerado da economia, decorrentes da “predominância de mentalidades e instituições arcaicas”.
Receita previdente
Estabelecidos os parâmetros que enformam o programa de governo no segundo ano do seu segundo, e último, mandato de cinco anos, Edmundo Ho distinguiu cinco zonas nucleares nas LAG para 2006: aprofundamento da reforma, promoção do crescimento e da qualidade, potenciação da plataforma lusófona, políticas correctivas e promoção de valores.
Na primeira área, de continuidade, o Governo compromete-se a prosseguir a agilização da máquina administrativa (como por exemplo o one stop inter-serviços, com disseminação comunitária e mecanismos consultivos democráticos); na abertura aos cidadãos (fiscalização pública); no combate à sobreposição, formação científica e deontológica e um novel regime de responsabilização. A esfera da produção legislativa voltou a merecer amplas referências: novo método de distribuição de quadros, envolvimento da cidadania no processo de reforma e manutenção do recurso a quadros do exterior. Sem prejuízo da enfatização da “coordenação centralizada, articulação e integração”, a maior novidade residirá, também aqui, no apelo à revolução de mentalidades, que “só pode ter sucesso se estivermos dispostos a introduzir transformações radicais na cultura administrativa vigente”.
No que respeita à segunda esfera, e aproveitando a “vitalidade do crescimento económico interno” no próximo ano, as LAG preconizam o binómio desenvolvimento/sustentabilidade. “Tirar partido da conjuntura favorável para assegurar o salto qualitativo” no sector dominante (jogo), sublinhou o Chefe do Executivo, lembrando que o Governo, enquanto entidade reguladora, deve pugnar pelo progresso tecnológico na coordenação do sector e, sublinhou, “dedicar esforços para que as concessionárias cumpram as suas obrigações contratuais, investindo em projectos e assegurando a gestão nos termos das cláusulas…”.
Porque as receitas extraordinárias podem ser “realidade fugaz”, o Governo vai investir na qualificação do Turismo, designadamente na promoção da “singularidade” de Macau como “plataforma de cruzamento das culturas oriental e ocidental”, cidade de gastronomia e com capacidade para o segmento MICE (exposições e congressos). Em suma, Macau como capital de “cultura e entretenimento”.
No domínio da sustentabilidade, na perspectiva mais social do que económica, as LAG de 2006 preconizam um conjunto de medidas destinadas a minorar as consequências de um desenvolvimento a duas velocidades. Por um lado, o aproveitamento, por parte das PME, das potencialidades da cooperação com o interior do País; por outro, o estímulo à demanda de nichos de complementaridade da indústria dominante.
O terceiro pacote de medidas vem já explicitado no seu longo genérico: “Estabelecer relações com territórios e países distantes e consolidar a integração com países e territórios vizinhos”. Traduzido o primeiro termo, Macau como plataforma de serviços comerciais entre a China e os países de língua portuguesa, como frisou o Chefe do Executivo. “Iremos potenciar as nossas vantagens singulares no domínio linguístico, nas redes de relacionamento pessoal e afinidades históricas, de forma a incrementar a cooperação comercial entre a China Continental, Macau, os países lusófonos e os empresários de origem chinesa de outros países”.
O desenvolvimento acelerado do sector do jogo, ao qual está associado o boom imobiliário, induziu o aquecimento do sector, fragilizando, de caminho, alguns grupos sociais. Neste contexto, as LAG preconizam um reajustamento da política de habitação, que passa pela construção de mais habitação condicionada e pelo reordenamento dos bairros antigos, alheios ao sector dominante. No campo das Obras Públicas há entretanto outras referências firmes na execução de acessibilidades e na construção de outras infra-estruturas, como o “Centro de Ciência”, bem como avanços para a constituição de uma nova entidade de protecção ambiental.
No capítulo da Educação, e depois da extensão da gratuitidade ao pré-escolar, o Chefe do Executivo anunciou a concretização da escolaridade gratuita para o ensino secundário complementar. Nesta área destaca-se ainda a intenção de ultrapassar a estagnação da qualidade do ensino das línguas estrangeiras, bem como o anúncio da reforma do ensino superior.
No campo da Cultura, Edmund Ho defende a “realização de projectos de excelência construídos com base numa cultura multifacetada”, o incremento do ensino das artes, constatada a “apreciação artística baixa” na generalidade da população e, sob os auspícios do sucesso da candidatura UNESCO, aposta globalmente na conservação do património. “As obras de urbanização, qualificação das zonas antigas e de reordenamento devem integrar de forma orgânica elementos tradicionais e elementos modernos, evitando a tentação de empreender obras de gosto duvidoso, preservando a harmonia estética e a identidade da nossa cidade”.